segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Quer declarar nulo o matrimônio, mas não consegue o seu registro


Um casal contraiu matrimônio no religioso há 15 anos e estão separados há 3 anos. Buscaram na Mitra diocesana orientação para a "anulação"... Acabaram de descobrir que seu casamento não foi registrado na diocese, nem na paróquia. Então pergunta: "como anular algo que não foi registrado" (em termos jurídicos, canônicos)?" É no mínimo estranho... mas ela afirma que o matrimônio ocorreu, mas no Tribunal Eclesiástico solicitaram a certidão de casamento e de batismo. Como não conseguiram tais documentos, como proceder neste caso?

Fundamentação jurídica

1. O cânon 535 prescreve que em cada paróquia haja os livros paroquiais, onde constem o registro dos batizados, dos casamentos, dos óbitos e de outros registros de seus fiéis, de acordo com as prescrições da Conferência Episcopal de cada nação. Ao mesmo tempo, reza o cânon que tais livros sejam cuidadosamente escritos e diligentemente guardados. O parágrafo 2 deste cânon determina que seja anotado no livro de batismo da paróquia o registro da confirmação, do matrimônio, da ordem sacra e da profissão perpétua dos religiosos consagrados.

2. Salvo restando os casos de acidente, incêndio ou outro motivo, não se justifica a ausência destes registros. Além do mais, é exigência que haja uma cópia destes registros na cúria diocesana. Hoje em dia, é muito comum o registro das paróquias ser digitado num programa, informatizado, que permita o acesso on line dentro de toda a diocese. Além disso, a orientação da diocese é que sejam impressos e encadernados estes registros, mantendo uma cópia na paróquia e outra na cúria diocesana.

3. No que tange à diocese, os cânones 486 a 491 dão as diretrizes sobre os cuidados que se deve ter com toda a documentação da Igreja, que deve ser guardada na cúria diocesana. Inclusive, alguns documentos secretos, somente podem ser retirados mediante a autorização do bispo diocesano ou do chanceler da cúria (can. 488).

4. A demanda em tela remete à possibilidade deste matrimônio ser declarado nulo. Certamente a pessoa interessada (demandante) já conversou com um expert da cúria diocesana, em busca de seu direito de impugnar o seu matrimônio (can. 1674). Neste tipo de conversa o expert, em base ao caso concreto apresentado, fornece pistas de como encaminhar este caso ao Tribunal Eclesiástico, desde que haja uma fundada esperança, em prol da possível nulidade do sacramento.

5. A demandante, motivada pela conversa com o expert, vai até o Tribunal e apresenta a sua demanda. Naquele momento, lhe é solicitada a documentação comprovatória de seu matrimônio. Dentre os documentos, está a certidão do casamento religioso na Igreja.

Possíveis encaminhamentos

6. A melhor e mais célere resposta à demandante no caso, seria dizer que já que não encontra a certidão de casamento, então ela não precisaria da declaração de nulidade, como se o fato não tivesse existido. Porém, agir assim na Igreja, seria abrir espaço ao dolo, ou seja, incentivar a fiel à práticas desonestas, incoerentes com os seus compromissos de cristão na comunhão eclesial. O que fazer, se não encontra a prova de que este matrimônio se realizou? 

7. Se a demandante já fez a busca na paróquia onde ela se casou, a certidão de casamento poder ser buscada ainda na cúria diocesana daquele território da paróquia;

8. Se não encontrou o registro deste matrimônio nos locais buscados, então pode ir ao encontro do batistério (certidão de batismo), onde constará nas observações o registro deste matrimônio;

9. Se não encontrou o registro em nenhum dos locais anteriores, ainda poderá apresentar os padrinhos do seu matrimônio, ou seus pais, parentes e amigos, que poderiam atestar que houve o matrimônio na Igreja, solicitando ao mesmo tempo que haja um registro retroativo deste casamento, para fins de nulidade matrimonial;

10. Em todas as alternativas de buscas supramencionadas, solicitar sempre a certidão negativa, que é a prova de que não foi encontrado naquela secretaria o registro do referido matrimônio. Com estas certidões em mãos, dirigir-se ao Tribunal da Igreja, para que o mesmo possa dar continuidade ao processo de nulidade. E acaso o expert do Tribunal não der um plausível encaminhamento, procurar o Bispo diocesano, que é o primeiro juiz dentro de sua diocese ou do Tribunal Eclesiástico de sua diocese. E que o Espírito do Senhor vos ilumine nos próximos passos em busca da nulidade de um sacramento que Deus não uniu!

quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

Pode-se negar o funeral a uma criança ainda não batizada?

Uma família católica, praticante, procura um padre de sua paróquia, para que possa celebrar o funeral de seu bebê, que morreu no sexto dia de seu nascimento, sem ser batizado na Igreja. O padre, que era já meio avançado em idade, responde de imediato que isto seria impossível, pelo fato de a criança não ser batizada. Inconformada com a resposta, a família recorre ao pároco, que responde afirmativamente.

Vamos à busca de uma resposta, envolvendo os tópicos que seguem:

1. A visão do vigário mais avançado em idade

O vigário paroquial, certamente estudou o Código de 1917 e naquele momento, não lhe advieram as atualizações necessárias, a partir do novo Código de Direito Canônico. De fato, no Código de 1917, estava legislado no cânon 1239, que não sejam admitidos a sepultura eclesiástica os que morreram sem ser batizados. De acordo com esta normativa, o padre teria razão em negar-se a fazer o funeral desta criança, sobretudo porque ele estava estacionado nas velhas normas da Igreja.

2. A base para a resposta do pároco

Embora não tenha negado a celebração naquele momento da consulta, o pároco foi consultar o atual Código de Direito Canônico, onde se afirma que “o Ordinário local pode permitir que tenham exéquias as crianças que os pais tencionavam batizar, mas que morreram antes do batismo”(Cânon 1183, § 2). Diante do exposto, o pároco ligou para o seu Ordinário (Bispo), mas o mesmo estava de férias, numa área onde não tinha contato telefônico. No dia seguinte, após ter realizado o funeral, ligou para a Cúria Diocesana, alegando que comunicaria o fato ao Bispo, posteriormente.

3. Um olhar voltado para as normas e outro para a pastoral

De acordo com o fato em tela, se o pároco tivesse negado a celebração do funeral a tal família, certamente as consequências seriam mais graves do se imagina. Ainda bem que ele foi norteado pelo bom senso, no sentido de acolher o pedido dos pais das criança falecida, que intencionavam batizá-lo na Igreja, mais tarde, pelo fato de serem católicos praticantes. E mesmo que não fossem, diante da morte, a melhor resposta é a da acolhida, porque a passagem para a outra vida não marca a hora e nem consulta os entendidos nas leis da Igreja, pra ver se pode ou não pode ser celebrado um sacramento ou sacramental, como é o caso das exéquias. Além disso, quando a Igreja batiza uma criança, ainda frágil, não está em condições de responder se a vontade daquela criança já está deliberada ao batismo na Igreja. Porém, está em condições de responder que a batiza, porque os pais e padrinhos estão solicitando o seu batismo. Então, se na vontade dos pais estava implícita que a batizariam na Igreja, o pároco agiu em modo correto, alimentado pela visão misericordiosa diante da aplicação prática da normativa atual, aliado a sua visão de pastor daquela porção do povo de Deus. Recordemos ainda que quando Herodes decretou a morte das crianças inocentes de Belém, na tentativa de exterminar o Messias no meio deles, na pessoa de Jesus, certamente nenhuma destas crianças tinha sido circuncisa na prática do judaísmo ou, se fosse hoje, batizada na prática dos cristãos. Todas estas crianças são consideradas santas pela Igreja, assim como esta criança que morreu em sua frágil idade, embora ainda não batizada, pode estar agora no meio dos anjos e santos da Igreja.

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Cuidado. É golpe institucional

Era comum a gente ouvir sobre os golpes que já foram aplicados, envolvendo pessoas físicas com ameaças de morte de membros da família, seqüestros e outros tipos de lesões financeiras. Ontem, fui surpreendido aqui na Paróquia de Forquilhinha, com um telefonema estranho. Primeiramente, ligaram para a nossa secretária. Como eu estava fora, ela anotou os contatos, dizendo que era urgente. Quando cheguei em casa, liguei para um número, iniciado pelo código de área de Brasília, DF. A pessoa que me atendeu explicou que ela era da Ouvidoria de da companhia telefônica X, que queria renegociar uma dívida contraída pela pessoa jurídica na migração para outra operadora, desde maio de 2015. Afirmou ainda que os boletos foram enviados pelo correio, porém, segundo ela, não contestamos e nem pagamos a dívida. A soma já estava em R$ 3.171,60. E mesmo que parcelássemos em 10 vezes, isto iria ao Primeiro Cartório de Criciúma, especializado em protestos. Solicitou-me o CNPJ da Diocese (Paróquia), bem como os dados de endereço físico e telefone de contato para confirmar os dados. A seguir, fez a proposta. Se pagássemos a dívida até as 13h00 daquele dia, evitar-se-ia o protesto em Cartório e não sujaria a nossa instituição. No lero-lero da conversa, disse que a dívida, se fosse paga até o horário determinado, diminuiria para R$ 2.631,90. Só que teríamos que fazer um depósito em dinheiro numa conta indicada do Bradesco ou da Caixa Econômica. Deu-me os dados da agência e conta corrente de cada banco, para que eu escolhesse o banco de minha preferência. Também insistiu que deveria dizer ao atendente do banco que verificasse o nome do favorecido, que seria o juiz do referido cartório de protestos. Ao ser depositado o valor, ela enviaria o comprovante por e-mail, com os recibos e notas da dívida saldada, que seriam remetidas a nós, imediatamente, pela operadora telefônica, via correio eletrônico. Ok, agradeci e planejei ir ao banco, pra efetuar o referido depósito.
Naquele momento, pensei no melhor modo possível, tendo em vista a economia que estaria fazendo na paróquia, ao saldar uma dívida antiga, que não acompanhei, porque o pároco era outro no ano anterior. Em resumo, tentei fazer de tudo, agindo com o sangue frio! Porém, enquanto me preparava para ir ao banco, usando inclusive do dinheirinho que tinha em caixa para pagar algumas faturas que venciam naquele dia, me veio um insight. Procurei na internet o contato telefônico do cartório indicado, que estaria tramitando a negociação da dívida. Ao telefone, foram muito corteses e me responderam que os cartórios jamais fornecem o número de contas bancárias de pessoa física onde depositar e que o referido juiz não constava na lista dos seus colaboradores. Afirmou-me ainda: “O senhor deve estar prestes a entrar num golpe de salafrários. Não faça nenhum depósito, sem ter o documento em mãos, comprovando se de fato é uma dívida ou um golpe institucional”!

Meus caros internautas de bom caráter. Sempre existiram na história os “filhos das trevas, que são mais inteligentes que os filhos da luz”. Ajudem-me a compartilhar esta mensagem, para que outros não sejam ludibriados, como eu estava prestes a entrar pelo cano no dia de ontem! Feliz e Abençoado Natal aos filhos da Luz!

domingo, 18 de dezembro de 2016

domingo, 6 de novembro de 2016

Peregrinação da Paróquia à Nossa Senhora do Caravaggio

O dia 05 de novembro amanheceu lindo, com temperatura e sol de primavera. Às 06h00 já tinha pessoas em frente à Igreja matriz da Paróquia do Sagrado Coração de Jesus (Forquilhinha), que esperavam ansiosos para dar início à caminhada da misericórdia. A peregrinação era parte integrante das metas do ano da misericórdia, assumida na assembléia paroquial de 2015. Foi programada e divulgada com cerca de dois meses de antecedência, em três modalidades, ou seja, às 06h30, saída a pé; às 08h30, saída de bicicleta; às 09h00, saída de carro. O percurso envolvia 12 km, da sede da paróquia até o Santuário diocesano de Nossa Senhora do Caravaggio (Nova Veneza). Frei Ivo e Frei João fizeram o percurso a pé, junto com um bom número de paroquianos da matriz e das comunidades do entorno. Frei Ricardo e Frei Osvaldo pedalaram, acompanhados de outro grupo. Os que foram de carro, tiveram a animação da Pastoral da Juventude, inclusive com um carro de som.
Lá chegando, foram recebidos por algumas lideranças da paróquia, que estavam apostos para a recepção e os cantos. A Igreja ficou lotada, com gente que representava as 26 comunidades da paróquia. Frei Ricardo presidiu a missa. Frei Ivo ficou encarregado do ato penitencial e da pregação. No ato penitencial, o frade motivou os fieis para que saíssem por uma das portas laterais e entrassem pela porta Santa, cumprindo assim os requisitos para lucrar as indulgências neste ano extraordinário da misericórdia. Todos choraram seus pecados ao tocar a porta, preparando-se assim para a grande celebração naquele santuário. Na pregação, o pároco iniciou sua fala, citando as várias peregrinações que acontecem na Terra Santa, até Santiago de Compostela, até Assis, até Nossa Senhora Aparecida, até o santuário da Penha. A seguir, citou sete tipos de peregrinos, numa referência aos longos caminhos em direção a Santiago de Compostela:

1)   O primeiro peregrino, a pessoa apressada: programou tudo, chegou ao ponto de partida, começou caminhar a passos largos e na celeridade, querendo cumprir a meta em sete dias, desistiu no segundo dia;
2) O segundo peregrino, a pessoa carregada de muitas coisas: esta pessoa partiu cheia de máquinas fotográficas, filmadoras, baterias, roupas de frio para suportar a aragem da noite, remédios contra escorpiões, bolsas cheias de chocolates, barrinhas de cereais, garrafas pesadas com água. Antes de chegar no terceiro dia, desistiu e voltou atrás;
3) O terceiro peregrino, a pessoa das tentações: já partiu preocupada com suas constantes invasões de janelas killers e durante o caminho isto veio à tona. Começaram a aparecer em sua fantasia, cobras, lagartos, escorpiões e demais monstros do deserto. Durante o seu curto período de sono, as noites escuras de suas fraturas existências não encontraram serenidade em seus pensamentos. Depois de três dias nesta luta interior, reconheceu que não daria conta da meta e desistiu da caminhada;
4)  O quarto peregrino, a pessoa dos muitos negócios: partiu, levando consigo alguns celulares de última geração. Queria focar toda a sua atenção na meta a ser cumprida, mas avolumaram-se as ligações, com novas oportunidades de ganhar dinheiro, outras que se perdiam sem a sua presença. Tentou de todos os modos, mas o tesouro do seu coração não conseguia desviar o olhar dos cifrões. Então, também desistiu após quatro dias, transferindo seu propósito para outra vez;
5) O quinto peregrino, a pessoa apegada à família: era uma pessoa que prometia muito, mas a saudade começou a apertar-lhe o coração. Em sonhos, teve a visão que seus filhos estavam sendo sequestrados e para o seu azar, o celular naquela noite teve dez ligações de números desconhecidos. Diante de sua insegurança interior, também desistiu depois de cinco dias de caminhada;
6) A sexta peregrina, a ministra da eucaristia: era alimentada pelo pão eucarístico quase que diariamente e tinha a experiência de Deus dentro e fora da comunidade durante seus três anos de ministério na Igreja. Depois de muito refletir, julgou-se indigna de estar ali e tocar o túmulo do Apóstolo. Por outro lado pensou: se eu desistir, levarei comigo o peso de uma covardia, diante de seis dias de árdua caminhada, faltando apenas um dia para cumprir a meta. Olhou para dentro de si e depois de uma profunda meditação, retomou a caminhada, foi em frente e seu coração vibrou de júbilo ao avistar diante de si a cidade de Santiago de Compostela;
7)  O sétimo peregrino, a pessoa serena: partiu ao lado dos demais peregrinos, acompanhando tudo o que se passava com cada um deles. Seu olhar sereno não lhe permitiu interferir no livre arbítrio de nenhum dos que desistiram no meio do caminho. A sua calma e tranquilidade lançou lampejos de perdão diante das fraquezas humanas e tudo perdoou, porque a carne e o pensamento de cada um deles foram fracos. Este peregrino era o próprio Jesus, que companhava os caminhantes de Compostela.

Este mesmo Jesus esteve do lado dos peregrinos desta paróquia, acompanhando seus passos desde a preparação, até a concretização desta peregrinação no ano da misericórdia!

Colaboração: Frei Ivo Müller, OFM
Fotos: João (São Defende)

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

O que Deus uniu o ser humano não separe! Será que Deus uniu?

“A alegria do amor que se vive nas famílias é também o júbilo da Igreja. Apesar dos numerosos sinais de crise no matrimônio (...) ‘o desejo de família permanece vivo, especialmente entre os jovens, e isto incentiva a Igreja’” (Amoris Laetitia, 1). Assim, somos convidados a anunciar, em todas as circunstâncias, que “o que Deus uniu o homem não separe”. Mas hoje, mais do que ontem, percebemos inúmeras situações complexas na vida da família. Sempre foi uma preocupação da Igreja, e muito mais agora, com o empenho do Papa Francisco, atender, acolher e ajudar as pessoas feridas pelos matrimônios que passaram ou passam por sérias dificuldades. 
No mês de junho, a Diocese de Criciúma promoveu uma tarde de estudo com os padres, assessorada pelo pároco da Paróquia Sagrado Coração de Jesus, de Forquilhinha, e Doutor em Direito Canônico, Frei Ivo Müller (ofm). A atividade foi dedicada a esclarecer e repassar informações relevantes ao atendimento prestado pelos padres às pessoas para dar entrada em processos de declaração de nulidade matrimonial. A reportagem da Revista da Diocese acompanhou o encontro e, com base nas explanações feitas por Frei Ivo ao clero, fez algumas perguntas, cujas respostas compartilha nas próximas linhas:

RD: O que a maioria das pessoas alega ao pedir entrada nos processos de nulidade matrimonial?
Frei Ivo: A maioria das pessoas que nos procuram em busca de soluções, diante de um matrimônio edificado sobre a areia movediça, alegam que não estavam devidamente preparadas para a vida a dois. Ou eram imaturas, ou não conheciam, suficientemente, a outra pessoa.

RD: Dentre as causas apontadas, quais são os maiores equívocos, ou seja, que não comprovam que o matrimônio seja nulo?
Frei Ivo:Traições passageiras, o que torna muito difícil de ser perdoado, segundo eles. Também o fato de viverem muitos anos juntos e não saberem que seria possível declarar nulo um matrimônio. Há pessoas que viveram 20 ou 30 anos no martírio e depois tentam alegar motivos para dizer que o matrimônio foi inválido. Normalmente, os juízes do Tribunal Eclesiástico não se convencem diante da argumentação apresentada e acabam decidindo a favor do vínculo. Isso é duro de dizer, mas é a realidade dos fatos.

RD: O senhor disse que a maioria dos matrimônios já é nula no momento do consentimento. Pode falar mais sobre isso?
Frei Ivo: Sim. Se comparar a preparação que é feita ao matrimônio com a preparação de um religioso ou sacerdote, antes de dar o seu sim definitivo, se percebe uma grande diferença nos anos de estudo, muita oração e experiência de vida. Os cursos de noivos, em muitas de nossas paróquias no Brasil afora, se reduzem a um dia, ou até a meio dia, quando não são feitos até por correspondência. Os nubentes, naquele momento, podem estar pensando em tudo: na casa, na festa, no curso que estão fazendo, menos na conversão pessoal que terão que empreender, se quiserem assumir, de fato, a vida a dois em modo estável  e permanente. Se no momento decisivo do consentimento, a pessoa não ponderou o que está dizendo, as palavras tornaram-se infecundas e não produziram como deveria ser um consentimento válido, embora reconhecido pelo direito, enquanto não se prova o contrário. Exemplos disso, podemos constatar diante de pessoas que, mesmo tendo um curso superior em andamento ou completo, podem ser bons profissionais, porém, frágeis para assumir a instituição de um sacramento como o matrimônio. Também poderiam ser configurados os casos de gente que é muito imatura na compreensão do matrimônio. Por exemplo: casa somente porque os pais querem ou porque é bonito casar na Igreja. Isto não passa de um teatro diante da comunidade e da família. O Papa Francisco insiste muito no documento Amoris laetitia (Sobre o Amor na Família), que o matrimônio não é para qualquer pessoa, uma vez que se trata de uma séria vocação, que exige doação e sacrifício. 

RD: Durante sua palestra, o senhor também fez referência à falta de consciência de muitos casais que pensam em "casar enquanto durar". O que o senhor diria a esses casais? Como nossa Igreja pode mudar isso, de forma urgente, nos encontros de preparação?
Frei Ivo: Na realidade atual, as coisas mudam muito rapidamente. Com o efeito da celeridade da comunicação, via internet, nas redes sociais e outros meios, as pessoas tomam decisões rápidas, que nem sempre são consequentes. Exemplos disso poderiam ser buscados na compra de roupas, sapatos, carros, TVs, computadores, tablets, celulares. Se não me serve mais, compro um modelo mais sofisticado. Na vida a dois, há pessoas que agem de modo semelhante. Buscam a Igreja para se casar mas, no fundo, estão pensando: se tudo na vida muda, então no momento eu penso que dará certo. Mas se não der, a gente se separa e cada um vai pro seu canto. Eu diria a estes casais que nem tudo o que a sociedade comum nos apresenta é conveniente na família. Deveríamos ser prudentes. Se com nossos pais deu certo, porque comigo não daria? Mesmo atualizando-se ao cotidiano de nossas vivências, ainda é possível a gente fazer sacrifício, lavando os pés uns dos outros, especialmente na vida a dois. Sempre digo que quem casa não é para fazer feliz apenas a si mesmo, mas casa para que os dois sejam felizes. Não há soluções prontas na Igreja, que até se sente meio impotente diante disso. Penso que é urgente apostar numa pastoral familiar, não tanto de manutenção sacramental, mas numa formação permanente dos casais. O sacramento na Igreja não é um toque de mágica dado apenas no dia do sim, diante da comunidade. O matrimônio é um “vir a ser”, que se torna concreto na alegria e na tristeza, na saúde e na dor. O namoro continua até o dia da morte. A oração a dois, a leitura da Bíblia a dois ou a três (filhos), a participação da família na Igreja e a leitura espiritual do casal, de bons livros, muito podem contribuir como combustível e seiva viva, para que não apague a chama que ainda fumega.

RD: Gostaria de acrescentar alguma orientação importante?
Frei Ivo: Nem sempre a gente deveria dizer que “aquilo que Deus uniu, o ser humano não separe”. A pergunta a ser feita é: “será que Deus uniu e nós continuamos unindo?” Diante disso, não deveríamos condenar quem se separou ou se divorciou, diante de decisões que foram minadas desde o início, por simulação, exclusão das finalidades do matrimônio, por imaturidade, por problemas de ordem psíquica, por violência no lar e por outros tantos motivos. Então, se Deus não uniu porque faltaram os elementos essenciais na aliança conjugal, está na hora de trabalhar na Igreja proativamente, ou seja, em vez de excluir estes casais, trabalhar em prol da sua inclusão, seja pela participação em ministérios que se coadunam com o seu estado atual, seja procurando um padre para uma conversa prolongada sobre o porquê de não ter dado certo o seu matrimônio. Sempre existe uma saída, desde que a gente a procure. A Igreja é a mãe misericordiosa, que acolhe cada filho ou filha como é, no desejo de ser cada vez melhor.

terça-feira, 21 de junho de 2016

Destino dos bens temporais das Ordens Religiosas e Dioceses

Frei, temos as definições quanto à utilização de imóveis/moveis pertencentes às Mitras Diocesanas, todavia não encontrei nada a respeito do inverso, ou seja, quando há a necessidade de devolver uma Paróquia à Diocese em que os bens móveis e o terreno estão em nome da Congregação ou Ordem Religiosa. Por isso, gostaria de uma orientação canônica sobre a utilização pela Diocese de patrimônio pertencente às Congregações ou Ordens Religiosas?
No passado, era muito comum os religiosos e religiosas consagradas afirmarem que os bens das Congregações ou Ordens Religiosas, eram da Santa Sé. Se eram da Santa Sé, por conseguinte, as entidades apenas os administravam, sem direito à alienação. Porém, na legislação maior da Igreja, isso carecia de fundamentos jurídicos. Atualmente, diz o Código de Direito Canônico que: “A Igreja universal e a Sé Apostólica, as Igrejas particulares e qualquer outra pessoa jurídica, pública ou privada, têm capacidade de adquirir, possuir, administrar e alienar bens temporais, de acordo com o direito” (cânon 1255). Isso significa que toda e qualquer pessoa jurídica estável da Igreja, seja ela de uma Congregação, Ordem Religiosa ou até mesmo a Diocese (Mitra Diocesana), possuem autonomia para adquirir, possuir, administrar e alienar os seus bens temporais.

Tudo indica que a internauta, ao colocar a questão em epígrafe, tenha em mente como ficariam os bens temporais da mesma, se por acaso tiverem que entregar uma paróquia ou santuário para uma diocese. Os bens temporais podem envolver veículos, móveis e utensílios, sejam eles à serviço do povo de Deus ou não. Se estiverem apenas à serviço dos religiosos, nem se discute. Podem ser alienados em nome da entidade religiosa ou transferidos para a outra fraternidade. Se os bens forem imóveis, como é o caso de terrenos, templos (igrejas), cemitérios, oratórios, grutas e demais construções, uma vez que foram edificados, via de regra, para servirem o povo de Deus naquele lugar, certamente terão que serem negociados com a administração da Diocese.

É bom alvitre que antes de toda e qualquer discussão sobre este argumento, que se verifique a convênio ou não entre a entidade religiosa e a diocese (can. 271, § 1; 520, § 2; 682, § 2). Ali, pode estar delineado o limite de cada entidade, bem como o destino dos bens temporais, caso venha a haver um distrato.

Diante do exposto, considerando que toda e qualquer entidade religiosa ou eclesiástica, desde que seja pessoa jurídica, goza de plenos direitos em sua gestão de negócios, pode seguir as seguintes orientações jurídico-canônicas:
  1. Verificar se os imóveis estão devidamente registrados em nome da entidade religiosa;
  2. Fazer um levantamento da memória dos imóveis, tendo em vista se foram doados para a entidade religiosa com finalidade de sua manutenção no local ou se foram doados ou adquiridos em prol do bem dos fiéis frequentadores do espaço. Se a última finalidade se configurar na memória desses bens temporais, então bastaria encaminhar o seu destino, enquanto doação, para a diocese;
  3. Se os imóveis em questão permitirem divisões ou recortes, se pode negociar, por exemplo o espaço necessário à igreja ou santuário, com suas necessárias adjacências, e permanecer com o restante das edificações ou terrenos, se for o caso;
  4. Depois de um estudo detalhado, se pode alienar os bens temporais da entidade religiosa à diocese, ou ainda, propor uma permuta com outro imóvel, ou ainda fazer-lhe uma doação.