quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Um casamento somente no civil pode ou não ser convalidado pela Igreja?

Escreve uma internauta que vive num país que fala a língua portuguesa: Encontrei no seu blog um tema que me deixou entusiasmada, e por isso lhe estou a escrever. O assunto a que me refiro é a sanação radical dos matrimónios inválidos, entre eles os casamentos celebrados apenas no registro civil. Eu sou apenas casada pelo registro civil há 12 anos. O meu marido não quis casal pela igreja e ainda hoje não quer. Com base naquilo que li no seu blog, fiquei entusiasmada e escrevi ao Tribunal X, de minha Diocese, expondo a minha situação e o desejo de regularizar a minha situação com a igreja, mas a resposta foi a seguinte:
 
Em relação ao que refere, não é possível qualquer "sanação radical" por parte da autoridade eclesiástica nas circunstâncias indicadas, pelo simples facto de não ter havido matrimónio canónico. O mecanisno da sanação da raíz existe como forma de validar um matrimónio nulo, mas pressupõe-se que tenha existido a sua celebração, embora inválida. Consultar a este respeito os cânones 1161 a 1165 do actual Código de Direito Canónico. A informação que está na internet a este respeito não é correcta de acordo com a legislação canónica. Ninguém pode celebrar matrimónio sem ser de forma voluntária e consciente, não pode ser coagido ou forçado. Enquanto o seu marido não aceitar casar pela Igreja, a sua situação continuará a ser irregular, como V.Exª tem consciência.

Esta foi a resposta. Deve haver aqui, erro de interpretação, pois de outra forma não entendo que sendo a mesma Igreja, a mesma doutrina, etc. sejam as práticas diferentes.
 
A senhora tem toda a razão, no sentido de ter clareza, sobretudo em não andar contra a doutrina da Igreja. Então, é necessária uma justificativa diante do que publiquei, inclusive com suas referências e fontes bibliográficas, como segue:
 
1)    A base da matéria que estamos discutindo encontra-se neste blog, no link: http://paroquiavirtualfreiivo.blogspot.com.br/search?q=sanatio
2)    O meritíssimo juiz respondeu à questão, dizendo que não é possível qualquer "sanação radical" por parte da autoridade eclesiástica nas circunstâncias indicadas, pelo simples facto de não ter havido matrimónio canônico. De fato, não houve matrimônio canônico, porque foi celebrado somente no civil. O matrimônio para ser canônico, dentre outros elementos, pressupõe a forma canônica, isto é, que seja celebrado diante de uma testemunha qualificada da Igreja (sacerdote, diácono, leigo ou leiga delegado pela Igreja). E se fosse canônica celebração, neste caso, não entraria em cena a sanação na raiz. Daí a demanda em prol da graça a ser concedida pela autoridade competente;
3)    O meritíssimo juiz continua sua resposta, afirmando que: ninguém pode celebrar matrimónio sem ser de forma voluntária e consciente, não pode ser coagido ou forçado. Concordamos plenamente que ninguém possa ser coagido. Mas aqui, não se trata de coação, uma vez que houve a celebração diante do Estado (casamento civil) e o consentimento perdura por 12 anos. Em outras palavras, se fosse por coação e estivesse em perigo a perseverança no consentimento, não se aplicaria ao caso a sanação na raiz (cf. cânon 1162, § 1);
4)    Ao avaliar o fato anterior - postado neste blog - ao dizer que um casamento celebrado apenas no civil pode ser convalidado, minha afirmação teve como base dois comentários do Código de Direito Canônico, respeitados e usados pela maioria dos canonistas. O primeiro teve como base Luigi Chiappetta, Il Codice di Diritto Canonico: commento giuridico pastorale, Roma, 1996, volume II, comentário ao cânon 1161, página 428. O segundo comentário usado partiu de Alberto Bernárdez Cantón, Comentário ao cânon 1162, em: Comentario exegético al Código de Derecho Canónico, vol. III/2, página 1628. Cantón, ao comentar tal cânon, cita em nota de rodapé renomados autores e juízes (W. Bertrams, De effectu consensus matrimonialis naturaliter validi, in: VV.AA., De matrimonio coniectanea, Roma, 1970; L. Del Amo, La eficacia del consentimiento en el matrimonio civil de los apóstatas, Madrid, 1962; sentencias coram Staffa, 18/05/1951; coram Di Felice, 08/06/1954; coram Fiore, 15/06/1964; coram Di Felice, 20/06/1970; coram Serrano, 24/02/1978; coram Ferraro, 24/02/1981;
5)    Diz ainda o juiz do Tribunal: Enquanto o seu marido não aceitar casar pela Igreja, a sua situação continuará a ser irregular. Aqui, remeto a resposta ao próprio cânon 1164, onde reza o Código que a sanação pode ser concedida validamente, mesmo sem o consentimento de uma das partes. Entendo que não se trata de uma causa grave, mas o simples fato de o esposo não concordar que o casamento seja celebrado outra vez na Igreja. Caso contrário, não se aplicaria este recurso. Pelo que conheço em minha ação evangelizadora, são inúmeros casos que pedem a sanação da raiz ao seu bispo, pelo simples fato de estarem bem, com perseverança no consentimento matrimonial já dado na celebração civil e que criam resistência para outra celebração na Igreja. Nestes casos, depois de uma boa conversa com as partes, não vejo o porquê da negação do decreto e a condenação da parte que quer comungar na Igreja ter que viver a vida toda nisso, somente porque a outra parte não concorda. Por conseguinte, quando é bem argumentado na ilustração do pequeno processo, feito na paróquia, o bispo concede o decreto da sanação na raiz.
 
Diante do exposto, seja de direito que de fato, não encontro argumentos suficientes na resposta do meritíssimo juiz para dizer que a informação que está na internet a este respeito não é correcta de acordo com a legislação canónica. Portanto, recomendo que se procure o pároco para uma conversa sobre o seu caso e que se envie o processo ilustrado ao bispo, tendo em vista o decreto da sanação na raiz.