sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Matrimônio contraído com epilepsia


1. Saturnino (Demandante) sofria de crises epiléticas desde a sua infância. Quando iniciou o seu namoro com Geovanna (Demandada), conversou com ela sobre isso. Apesar de algumas discussões e desavenças, namoraram por um ano e se decidiram pelas núpcias. Durante o tempo do namoro, os pais da Demandada quando souberam da epilepsia, insistiram que ela não se casasse o Demandante. Aconselharam que vendesse tudo o que estava preparado num brechó e desistisse do enlace. Mesmo assim, ela pretendeu as núpcias, porque não via em sua suposta doença um problema para a vida a dois. Depois de casados, com o advento de duas filhas, as crises se acentuaram, onde a Demandada passou a culpar o Demandante, afirmando que ele não apresentava condições de cuidar e de sustentar a família. O Demandante aplicou o dinheiro auferido em seu emprego para uma poupança, tendo em vista uma vida bem sucedida para suas filhas. Contudo, a Demandada armou uma trama com suas duas filhas e resolveu abandonar o seu esposo. Não lhe permitiu nem mesmo olhar mais para a prole. Entre altos e baixos, esta união conjugal perdurou vinte anos. Não sendo possível a reconciliação, separaram-se definitivamente.
2. Ao apresentar o seu súplice libelo ao Tribunal, o Presidente de turno fixou a fórmula de dúvidas, invocando os seguintes capítulos em vista do fim colimado:
1) Por grave falta de discrição de juízo a respeito dos direitos e obrigações essenciais do matrimônio, que se devem mutuamente dar e receber, por parte do Demandante (can. 1095, 2°), ou;
2) Por incapacidade de assumir as obrigações essenciais do matrimônio, por causas de natureza psíquica, por parte do Demandante (can. 1095, 3°).
3. O Demandante confirma a versão do libelo em seu depoimento, deixando mais claro que queria se casar com ela e que ela sabia de sua epilepsia.
4. A Demandada não comparece para contestar a lide, nem para depor. Não justifica o seu pleito na ação em epígrafe, sendo declarado ausente no processo.
5. Todas as cinco Testemunhas arroladas foram muito claras, ao afirmarem que a epilepsia não foi a causa da falência deste matrimônio, porque a Demandada sabia disso desde o início. As crises eram controladas pelos medicamentos, ingeridos regularmente. O Demandante se manteve firme no trabalho, ajudando no sustento do lar. Porém, a Demandada, influenciada pela família desde o tempo do namoro, não fez nada para salvar o vínculo. Expulsou o esposo de sua residência, impedindo inclusive que ele pudesse visitar suas filhas.
6. No parecer da Juíza instrutora do processo, ela alega que “pelo testemunho de parentes e amigos, a doença não era motivo para que emitisse um verdadeiro consentimento matrimonial, porque ingeria remédios que controlavam o seu problema... Nas entrelinhas dos depoimentos, que vale a pena dizer serem sinceros e verazes, apesar de humildes, me pareceu que o desejo dela seria ter filhos... Após o matrimônio, o Demandante, dentro de suas possibilidades, ajudava no sustento do lar, mas a família dela começou a imiscuir-se na vida do casal e apesar das reclamações do Demandante, a Demandada nada fez para que isso não continuasse acontecendo, pelo contrário, concordava com tudo, ajudando-os até a separar o Demandante e sua família do convívio paterno e social com as filhas”(fl. 76).
7. O Defensor do vínculo, em suas considerações finais, reporta-se a um estudo de García Faílde, onde diz que “a Epilepsia não é uma enfermidade psiquiátrica, mas sim neurológica; em geral os epiléticos não apresentam transtornos psicológicos ou psicopatológicos, porém uma quarta dos epiléticos apresenta transtornos desta classe em que prevalecem a depressão, a ansiedade e isto vem acontecer após muitos anos de crises não controladas e a maior parte destes casos vão se dar em pacientes afetados de epilepsia do lóbulo temporal [que é uma das divisões do hemisfério cerebral]”(García F. F. Faílde, Epilepsia, in: Nuevo Estúdio sobre trastornos psíquicos y nulidad del matrimónio, Salamanca, Publicaciones Universidad de Salamanca, 2003, p. 181, cf. fl. 102). E continua o Defensor, concluindo que “não se encontram no processo descrições de violência, instabilidade de humor, atitudes agressivas do Demandante, que ao contrário, apesar de seu mal, é descrito como pessoa dócil e paciente, fato que os 20 anos de vida comum bem servem para comprovar que nele não havia qualquer incapacidade para receber e dar cumprimento às obrigações essenciais do matrimônio”(fl. 103).
8. Lamentamos, profundamente, que este enlace tenha se afundado nas areias movediças de uma fracassada colaboração da esposa e filhas em querer salvar a vida sacramental, que durou vinte anos de união conjugal. Por outro lado, gostaríamos de aplicar uma dose de misericórdia evangélica ao fato, na tentativa de encontrar um motivo para declarar nulo este matrimônio, deixando assim espaço para que as partes pudessem contrair novas núpcias na Igreja. Contudo, as normas da Igreja são muito claras em afirmar que enquanto não se prova em contrário, o matrimônio goza o favor do direito (can. 1060). Em base a isso, os três juízes do Tribunal Eclesiástico resolveram por bem julgar como válido o matrimônio em tela, porque o presente processo carece de provas contundentes.

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