quinta-feira, 23 de junho de 2011

Ordenado sacerdote e não pode celebrar publicamente?


Havia um candidato ao presbiterato que foi considerado não idôneo pelos formadores e pelo Conselho Presbiteral da Arquidiocese. Rejeitado na sua diocese, foi acolhido numa pequena Congregação e ordenado sacerdote numa outra diocese. O arcebispo onde ele fora rejeitado, expediu uma carta circular fazendo saber a todos que esse padre está proibido de presidir a eucaristia e administrar os sacramentos em sua arquidiocese. Uma vez que sua família mora na arquidiocese da proibição, tal sacerdote disse que irá celebrar junto dos seus e, caso o pároco não o acolha na igreja, celebrará na rua mesmo. O povo, alheio aos trâmites e proibições eclesiásticas, está ansioso com a possibilidade de receber as bênçãos do novo padre. E agora? O que fazer?

1. A formação em vista dos ministérios ordenados perpassa um longo itinerário da vida do candidato. Normalmente, ele tem um período de propedêutico, onde reforça a sua formação básica e de ensino médio, com aulas de latim, grego, gramática, línguas estrangeiras, noções de história da Igreja, iniciação cristã. A seguir, se é candidato à vida religiosa consagrada, faz um ano de noviciado, que é um tempo rigoroso em vista da sua decisão. Caso seja candidato ao clero secular (diocesano), pula esta etapa e passa para o tempo da filosofia, que é um período de dois a quatro anos de formação rigorosa no discernimento humano e dentre outras disciplinas, tem formação em psicologia, sociologia, didática, sem falar da carga de matérias próprias da história da filosofia e disciplinas afins, relacionadas ao endereço de sua ordenação (dentro da vida consagrada ou dentro da vida secular). A partir disso, ele percorre o tempo da teologia, com história da Igreja, história das religiões, ecumenisno e diálogo interreligioso, exegese bíblica, liturgia, teologia sistemática,direito canônico, psicologia, administração e pastoral, dentre outras. Ao todo, o itinerário de sua formação envolve de dez a doze anos.

2. Durante os vários períodos da formação, o candidato é acompanhado por um mestre ou reitor de seminário, que após uma criteriosa avaliação de um corpo de formadores ou professores, emite relatórios anuais sobre a sua idoneidade. Assim, se durante as várias etapas houver questões que desabonem a sua conduta, o candidato é convidado a deixar o seminário ou instituto religioso, ou se preferir, sai por conta própria.
3. O tempo da formação humana e intelectual é incrementado pelos estágios pastorais. São períodos fortes, sejam contínuos, nos finais de semana ou mensais, em que o candidato acompanha a missão evangelizadora de uma ou mais comunidades, sob a direção do pároco, mestre ou reitor do seminário. Ali, é consultado o povo de Deus sobre a idoneidade do candidato. Alguns podem ser brilhantes, intelectualmente, mas não tem jeito para coordenar uma comunidade ou celebrar os mistérios de Deus dentro das mesmas. Por conseguinte, se o candidato não leva jeito, após uma ou mais correções, é barrado à etapa posterior.

4. Os relatórios dos formadores e reitores são submetidos ao ordinário do futuro religioso, ou ao bispo que o encardinará. Tais relatórios são apreciados pelo colegiado dos conselheiros, sejam eles religiosos ou seculares. Normalmente, nenhum ordinário religioso ou bispo aprova a ordenação do candidato, se houver algo que aponte um conjunto de lacunas em sua formação ou se a sua conduta coloca em xeque o futuro de sua missão. O povo de Deus tem direito de haver bons líderes espirituais, que imprimam qualidade no modo de transmitir os conteúdos da fé cristã, bíblicos, litúrgicos e que estejam em consonância com a fé e doutrina da Igreja. Caso contrário, será um frustrado, que frustrará também as suas comunidades de atuação.

5. Na hora da ordenação diaconal ou presbiteral, é exigido do candidato, dentre outros documentos, as cartas dimissórias. A carta dimissória é um documento oficial da Igreja que prova autenticamente a licença concedida pelo ordinário próprio do diácono religioso, para que outro ordinário – com caráter episcopal – possa ordená-lo validamente (can. 1015). Tal documento não é concedido, se carecem as devidas informações e documentos exigidos à ordenação, de acordo com os cânones 1050 e 1051. Sem as cartas dimissórias, o bispo ordenante não poderá ordenar validamente um clérigo que são esteja incardinado em sua diocese, incorrendo, neste caso, em proibição de ordenações por um ano e na suspensão do uso de ordens recebidas, pelo próprio fato, ao que foi ordenado por ele (can. 1383).

6. Voltando ao caso em tela, certamente houve um acidente de percurso. A falha houve na hora da aprovação à etapa anterior, ou seja, se o candidato não era idôneo para o diaconato, então que não fosse ordenado, porque a ordenação diaconal provisória cria expectativa de direito para a ordenação presbiteral. Diz o direito da Igreja que somente uma causa canônica poderia proibir o acesso de um diácono provisório à ordenação sacerdotal (can. 1030). Acontece que muitas vezes isto não é constatado na hora dos escrutínios, onde as verdadeiras causas permanecem ocultas. Se mais tarde são descobertas, são causas canônicas, desde que provadas, para impedir a ordenação presbiteral.

7. Sem entrar no mérito da questão da aprovação ao seu diaconato, o fato concreto é que o candidato foi ordenado presbítero. Aqui, pode ter ocorrido uma falha muito grave de quem o aprovou, pelo simples fato de não colher as devidas informações sobre o seu passado. Uma carta secreta, a ser solicitada pelo seu superior ao bispo anterior do candidato, ou simples telefonema, poderia ter desencadeado a prudência na hora da aprovação. Agora, voltar atrás, será praticamente impossível, salvo restando que haja graves motivos, que ensejem a dispensa da ordem sacra, sem que isso implique necessariamente na nulidade de sua ordenação. Assim como casar na Igreja é fácil, ordenar também pode ser fácil. O desafio é manter-se casado, ou ordenado, com um ministério qualificado ao povo de Deus.

8. Diante do exposto, eis algumas saídas:
1) Respeitar as ordens dadas pelo arcebispo, porque se ele lançou em sua arquidiocese uma circular que proíba o sacerdote de celebrar em sua circunscrição, é porque ele tem autoridade para tanto (can. 391-392);
2) A proibição de celebrar na arquidiocese em foco não implica, necessariamente, na proibição de celebrar em outras dioceses, desde que seja solicitada ao devido bispo a licença.
3) Se o sacerdote insistir em celebrar na circunscrição em que está proibido, somente poderá fazê-lo em ambientes privados: capelas internas de sua congregação ou em ambientes privados. Em ambos os casos, não pode haver afluência de fiéis que estejam sob a obediência do ordinário local (arcebispo ou bispo diocesano). Em outras palavras, recomendamos muita prudência ao sacerdote nesta questão e, se o povo insistir, que vá tirar satisfações com o arcebispo, para que tenha uma plausível justificativa diante do caso.

3 comentários:

frei lilico disse...

Frei Ivo, há várias igrejas dispostas a receber um sacerdote para celebrar, este dito padre não deveria conturbar a diocese de onde ele vem.
Pelo que parece nem em praça pública ele pode celebrar se esta for dentro da jurisdição do bispo que o proibiu de celebrar, certo?

lygia viana disse...

Boa tarde, Frei Ivo: Estou com uma dúvida: na última 3ªfeira, dia 13 na primeira leitura (primeira carta de São Paulo a Timoteo), está escrito: " O bispo tem o dever de ser irrepreensivel, marido de uma mulher só, etc." e tambem "os diáconos sejam maridos de uma só mulher e saibam dirigir seus filhos, etc." De onde vem essa ordem que os padres, freis, bispos, etc. têm que se manter solteiros? Quem decidiu isso? Grata por sua resposta. Lygia.

Anônimo disse...

essa é minha dúvida também, eu estudei em um seminário franciscano no sul do Brasil e quando ouvia essa passagem ficava pertubado.