1. Maria procura um sacerdote entendido na área de nulidade matrimonial e relata a sua tristeza, pelo fato de um juiz do Tribunal da Igreja dizer que seu matrimônio, apesar de falido, continua válido. O sacerdote pede-lhe que conte os motivos, pelos quais procurou o Tribunal e qual foi resposta dada. Maria expõe o resumo de sua história, afirmando que Deus não pode ter unido a sua vida ao ex-esposo, alegando que casou por medo de sua mãe, que a obrigou ao matrimônio. Maria afirma que não amava o pretendente, que achava ele muito machista, que só queria casar pra fazer sexo, ter uma boa cozinheira e que pudesse cuidar da casa, enquanto ele pudesse continuar a sua vida como se fosse solteirão. De fato, depois de casada, Maria ficava em casa enquanto o seu esposo saía para as noitadas com os amigos, voltava embriagado e ainda a ameaçava de violência. Maria suportava tudo isso, para não criar problemas com sua mãe. Esperava que tudo pudesse mudar. Veio então um filho, que foi educado num lar bastante desestruturado. Depois de dez anos, entre altos e baixos, o seu esposo a abandonou. Hoje ele convive com sua amante e ri de Maria, dizendo que ela não foi a esposa que ele pretendia. Maria escuta um programa que passava num canal de TV católica, onde o apresentador dizia que “se Deus não uniu, então o ser humano pode se separar”. Maria procura então o Tribunal Eclesiástico, na tentativa de uma solução ao seu caso.
2. Os Tribunais Eclesiásticos foram organizados na Igreja, tendo em vista resgatar a dignidade dos fiéis cristãos. Ocupam-se em dirimir casos que envolvem a lesão dos direitos e deveres de todos os fiéis cristãos, seja na dimensão pessoal, seja na dimensão comunitária, como é o caso do matrimônio, porque é uma comunidade de vida, no contexto da grande comunidade, que é a Igreja. Em respeito ao que reza o cânon 1674 do atual Código de Direito Canônico, é um direito de todo fiel cristão, batizado na Igreja ou nela acolhido, de impugnar o próprio matrimônio, sobretudo quando houve a falência da sociedade conjugal. Este direito é parte integrante dos próprios cônjuges, uma vez que são eles os ministros desse sacramento na Igreja.
3. Diga-se de passagem o matrimônio ratificado e consumado, somente pode ser declarado nulo por um impedimento (cânon 1083-1094), por defeito de forma (cânon 1108-1117) ou pelos vícios de consentimento (cânon 1095-1103). Porém, a maioria dos cristãos católicos desconhece o direito de impugnar o seu próprio matrimônio. Falta-lhes uma orientação adequada, na tentativa de aliviar a consciência diante de histórias fracassadas na vida a dois, com o devido respaldo da Igreja. A Igreja, sendo mãe a serviço da misericórdia, coloca os Tribunais Eclesiásticos à disposição desses matrimônios mal sucedidos em busca da melhor saída diante de cada caso apresentado.
4. Maria, ao ter maior clareza deste seu direito, procura o Tribunal. Lá chegando, apresenta a sua história. O Vigário Judicial pede-lhe então que escreva o libelo, colocando tudo em detalhes, para verificar se há fundamentos. Ela volta dias depois e entrega o libelo, com cerca de dez páginas. Porém, para sua tristeza, uma semana depois é chamada pelo Vigário, que diz pra ela desistir, porque a sua história não tem fundamento.
5. Dois anos depois, Maria procura então uma pessoa entendida na área, porque não se contenta com o que disse o Vigário Judicial. O entendido no assunto não mata a charada, dizendo que seu matrimônio foi válido ou inexistente. Contudo, orienta Maria para que encaminhe os seguintes passos:
1) Fundamente melhor o libelo a ser reapresentado no Tribunal;
2) Se for o caso, que peça ao Tribunal que nomeie um advogado canônico para que lhe ajude nesta seara;
3) Com ou sem advogado, o Vigário Judicial deve então formular as dúvidas, ou seja, se este matrimônio pode ser válido ou nulo, segundo o Direito Canônico;
4) Depois de formulados os possíveis capítulos de nulidade, o Tribunal convoca as partes para contestar estas dúvidas. Se a parte demandada não comparecer, é convocada uma segunda vez e se mesmo assim não comparecer, o processo vai adiante;
5) Após esta entrevista no Tribunal, são convocadas para depor as testemunhas apresentadas (normalmente, de 3 a cinco pessoas, que possam atestar o que a demandante, Maria, afirmou em seu libelo ou algo a mais);
6) Se o caso envolver alguma questão psicológica, é solicitada uma perícia pelo Tribunal, tendo em vista a maior clareza sobre um possível defeito no consentimento dado e na posterior vida matrimonial;
7) Quando tudo está pronto e bem argumentado, três juízes são convocados para o julgamento do caso. Se ainda não ficou claro, pode haver busca de maiores provas. Se a sentença for afirmativa em prol da nulidade, o caso deve ser homologado pela Segunda Instância (outro Tribunal Eclesiástico). Se não passar na Segunda Instância, ainda há direito das partes de apresentarem o caso à Terceira Instância, que é a Rota Romana (Tribunal em Roma).
6. Portanto, salvo restando melhor juízo, não basta que um Juiz da Igreja leia uma história inicial, escrita pela pessoa, muitas vezes carente de melhores argumentos, para afirmar se o matrimônio de Maria foi válido ou nulo. A melhor orientação naquele momento seria pedir que reescrevesse o seu libelo, ajudando a demandante a chegar a uma certeza moral, com argumentos sólidos, que perpassam afirmações dos cônjuges, sua história de vida antes e depois do consentimento, suas testemunhas e demais provas, de acordo com cada caso apresentado. Que a misericórdia seja buscada e que seja iluminada pela justiça divina e eclesiástica!
sábado, 16 de novembro de 2013
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário