quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Batismo de quem vive numa união irregular


Sou padre de uma cidade no interior do Ceará. Na minha paróquia surgiu o seguinte caso: uma jovem vive "junto" (maritalmente) com um homem que já foi casado na Igreja com outra mulher. Quanto ao referido casamento não há qualquer indício de nulidade matrimonial, de modo que não há como regularizar a situação atual. Esta jovem vive bem com ele, e já constituiu família. Mas, infelizmente, por um descuido de sua mãe, ela não foi batizada. Outro dia ela me procurou e falou do seu desejo de ser batizada, reconhecendo a importância deste sacramento e lamentando o fato de sua mãe ter se descuidado a tal ponto com ela, pois todos os seus outros irmãos são batizados. Trata-se de uma pessoa de bem, de uma boa mãe e esposa, que tem fé, que reza e que quer ser batizada.Pergunto: O que fazer nesse caso?
Ela pode receber o batismo mesmo vivendo "maritalmente" com este homem, tendo em vista a sua situação irregular perante a Igreja? Gostaria de saber se há uma saída jurídica para este caso.

1. Fundamentação teológica
A Constituição dogmática sobre a Igreja apresenta a comunidade do Povo de Deus, estruturada sobre os sete sacramentos (LG, 11). Tais sacramentos são instrumentos para o cultivo da fé e da santificação do Povo de Deus, juntamente com a Palavra de Deus e o cultivo das virtudes e talentos cristãos. Eles fazem parte de uma vertente de salvação (SC, 59).

Do ponto de vista teológico-jurídico, os sacramentos são direitos de um povo que é sacerdotal pela própria natureza (can. 835). Resulta daí que todos os fiéis cristãos participam, cada um no exercício que lhe é peculiar, do múnus de santificar da Igreja. Pelo Batismo, que é o portal dos demais sacramentos, todos integram o sacerdócio comum de Cristo. Nessa perspectiva, o fiel cristão é enxertado nesse sacerdócio e por conseguinte, passa a ser sujeito de direito fundamental aos demais sacramentos, instituídos por Cristo e organizados pela Igreja.

Por outro lado, os sacramentos são ações de Cristo e da Igreja - sendo meios pelos quais se exprime e se robustece a fé - se presta culto a Deus e se realiza a santificação do ser humano (can. 840). Por isso, não podem jamais ser encarados como um ritual mágico, que independe do sujeito de direito e de quem os administra. Em base a isso, os sacramentos urgem da Igreja uma preparação (catequese) adequada, para que as pessoas sejam esclarecidas sobre essa ação salvífica de Cristo, por meio da Igreja.

2. Fundamentação jurídico-pastoral
Do ponto de vista jurídico, o Código é taxativo, quando afirma que "os ministros sagrados não podem negar os sacramentos àqueles que os pedirem oportunamente, que estiverem devidamente dispostos e que pelo direito não forem proibidos de os receber"(can. 843, § 1). Em outras palavras, é uma obrigação (dever) dos ministros sagrados, que corresponde a um direito da parte dos fiéis cristãos. Tal obrigação afeta todos os ministros ordenados, de acordo com seus vários graus, naquilo que lhes é permitido pelo direito. A obrigação, por outro lado, é um dever de justiça, sobretudo aos ministros encarregados das comunidades. Contudo, o dever de justiça dos ministros sagrados de não negar os sacramentos aos fiéis, pressupõe três condições básicas da parte deles:
1) Uma razoável petição;
2) Uma boa disposição para receber os sacramentos;
3) Não estar proibido pelo direito de os receber.

Todo e qualquer direito fundamental do ser humano, somente é direito no contexto do que lhe seja razoável. Caso contrário, ultrapassa as suas fronteiras. Já a boa disposição pressupõe um itinerário de preparação por parte do fiel. A ausência de preparação dificultaria gravemente as condições internas e externas, para que a graça sacramental possa percorrer o seu ser com dignidade e com proveito.

A proibição, por sua vez, provém da falta de capacidade, por direito divino ou eclesiástico, para a válida e lícita recepção do sacramento. Pode ser uma pena, que lhe é imposta como sanção diante de um delito cometido. Ex.: uma excomunhão, por apostasia, heresia ou cisma (can. 1364, § 1). A proibição a um sacramento somente se caracteriza, se houver uma norma explícita da Igreja que o proíba, ou que coloque um pré-requisito à sua recepção. Ex. os impedimentos para contrair matrimônio (can. 1083-1094); as irregulares e os impedimentos para a recepção do sacramento da ordem (can. 1040-1049).

Do ponto de vista doutrinário, com o olhar voltado para a praxe pastoral, diante dos inúmeros casos de filhos, cujos genitores vivem numa união de fato, é necessário haver um olhar compassivo e misericordioso, porque se trata de circunstâncias nem sempre fáceis de serem resolvidas num toque de mágica. Os Pastores do Povo de Deus devem ouvir atentamente cada caso e orientar corretamente as possíveis soluções. É preciso ter presente que o drama dessas uniões de fato não atinge somente o casal envolvido. Atinge, em si, toda a comunidade. A partir do momento em que esses casais são vistos como problemas, instauram dentro da comunidade um certo desconforto, desconfiança e até mesmo o afastamento da participação. Portanto, trata-se de uma complexidade, que merece toda a atenção dos Pastores e da comunidade. É preciso acolher esses casos com prudência e caridade evangélica, oferecendo-lhes, na medida do possível, oportunidades para que possam regularizar a sua situação. Contudo, mesmo que não estejam em condições de um matrimônio na Igreja ou que por outros motivos, não estejam de acordo, não se lhes pode negar o Batismo dos filhos.

3. Procedimento diante do caso
Considerando que o Batismo é a porta de entrada aos demais sacramentos da Igreja, negá-lo, seria procrastinar a questão, perpetuando e multiplicando as uniões de fato na Igreja. Se aos pais se nega um sacramento, embora possam ser culpados por viverem em modo irregular, isso resulta num círculo vicioso, que possa resultar também na interpretação da negação aos seus próprios filhos. É bom lembrar que os filhos não têm culpa nessa situação e além do mais, podem ser os protagonistas de uma nova realidade eclesial, desde que lhes seja respeitado o direito fundamental ao Batismo na Igreja.

Portanto, de direito e de fato, não se pode negar o Batismo aos genitores que vivem em modo irregular diante da Igreja e nem aos seus filhos. E se a pessoa em epígrafe fizer o catecumenato, poderá solicitar dos ministros sagrados inclusive a Confirmação (Crisma). A Eucaristia, porém, não seria possível, devido à incompatibilidade do seu estado de vida, pelo fato de viver numa união de fato. E que a justiça seja feita a essa e a tantas pessoas que solicitam os sacramentos da Igreja e que lhe são negados, simplesmente por não estarem em plena comunhão com as normas da Igreja. E que o Bom Pastor seja o nosso guia no serviço ao Povo de Deus.

Paróquia Virtual


Vivemos numa época de novas perspectivas na Igreja, tendo em vista o anúncio da Boa Nova de Cristo. O convite feito pelo Magistério da Igreja em “anunciar o Evangelho de cima dos telhados”, nos desafia aos novos “areópagos”. Cada vez mais, somos convocados a endereçar a mensagem do Ressuscitado a um público alvo que seja específico desses meios de comunicação.
Nessa perspectiva, abre-se o leque de nossa missão, que é a partilha e a interação de nossos conhecimentos, sobretudo na especialidade do direito canônico (Direito da Igreja).

Consolida-se assim a necessidade de abrir uma Paróquia Virtual. Essa paróquia não é territorial, porque não será circunscrita a um determinado território. Também não é uma paróquia pessoal na compreensão do cânon 518, porque a sua porção do Povo de Deus não nos foi confiada naqueles modelos por uma autoridade competente. É, sim, uma paróquia Virtual, porque abrangerá a todos os internautas interessados em dirimir suas dúvidas, ou partilhar seus conhecimentos em direito canônico, independente da sua denominação religiosa ou circunscrição nas modalidades das paróquias tradicionais.

A nossa pretensão é globalizar os conhecimentos nessa área do Direito Canônico, através da internet.

Esta paróquia espera contar com a tua participação, seja ela com interrogações, seja ela com opiniões sobre determinados assuntos específicos de nossa competência. Em outras palavras, este espaço será um fórum de debate, com um portal aberto para o mundo, numa espécie de dois pulmões. Um pulmão vai respirar no nosso universo teológico-jurídico e o outro pulmão, nossa praxe da ação evangelizadora.

Você poderá ser sócio dessa paróquia. Não é necessário ser católico, nem pagar dízimo para entrar nela. Basta que você participe, através de perguntas ou opiniões sobre assuntos de Igreja. Apenas colocamos como critério, que a tua interação possa ser publicada nessa página. Seria ideal que pudéssemos publicar também o seu nome, cidade e estado, sem o endereço para respeitar assim a tua privacy. Se tu quiseres, podes usar um pseudônimo em tua interação. A resposta à tua questão, sempre que julgarmos interessante e conveniente ao universo de nossa interação, será disponibilizada no espaço abaixo o mais breve possível.

Seja bem vindo!!!

Frei Ivo Müller, OFM
Pároco Virtual