sábado, 17 de setembro de 2011

De união estável a matrimônio na Igreja


Carlos Alberto está unido Janete há quase três anos. Os dois são batizados na Igreja católica. Ele não teve nenhum relacionamento anterior. Janete casou-se na Igreja, mas não deu certo. Mais tarde, divorciou-se e, apresentando o seu caso no Tribunal Eclesiástico, recebeu dele a sentença de nulidade de seu matrimônio com o ex marido. Percebendo que a união amorosa do momento poderia durar para toda a vida, em novembro de 2008, os dois vão ao Cartório e fazem um contrato de união estável. A quinta cláusula do documento reza que: “Celebram este contrato em caráter absolutamente irrevogável, com obrigações extensivas a herdeiros e sucessores”. Hoje, os dois participam assiduamente da comunidade. Inclusive Janete faz parte da pastoral do batismo. Dentro da comunidade, acabaram descobrindo que eles poderiam contrair o matrimônio na Igreja, mas não gostariam de se casar no civil, uma vez que já tem esta declaração de união estável. Então, foram falar com o pároco, que não sabendo responder se isso seria possível sem o casamento no civil, apresentou o caso a esta Paróquia Virtual, na expectativa de uma resposta ao encaminhamento.

A questão em epígrafe envolve a legislação civil (Estado), bem como a legislação canônica (Igreja). Em base a estas duas legislações encetaremos uma possível resposta.

1. A união estável é contemplada na Carta Magna do Brasil, nos seguintes termos: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”(Art. 226, § 3). A mesma normativa da Constituição da República é contemplada no Código de Direito Civil, quando diz que é “reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”(Art. 1723).

2. De acordo com estes documentos, na media em que duas pessoas de sexo oposto se amam e percebem que há animus maritalis, podem procurar o cartório e solicitarem dele que seja lavrada a declaração de união estável. Tal declaração é feita com a finalidade de incluir um ao outro em seu projeto pessoal, seja ele destinado ao plano de saúde, à compra de algum imóvel em financiamento ou, simplesmente, para legalizar esta união.

3. Segundo o parecer dos advogados, constatamos que a união estável é perfeitamente reconhecida na atual conjuntura da sociedade, desde que os companheiros convivam de modo duradouro e com intuito de constituir uma família, porque “a união estável nasce do afeto entre os companheiros, sem prazo certo para existir ou terminar. Porém, a convivência pública não explicita a união familiar, mas somente leva ao conhecimento de todos, já que o casal vive com relacionamento social, apresentando-se como marido e mulher. De acordo com o art. 1.724 do novo Código, lealdade, respeito e assistência, bem como, quanto aos filhos, sua guarda, sustento e educação, são deveres e direitos que devem existir nessas relações pessoais. Tanto o dever de lealdade quanto o de respeito mútuo, provocam injúrias graves, quando descumpridos... No que diz respeito aos filhos comuns, a guarda dos mesmos tem relação com a posse dos pais, em conjunto ou isoladamente. Em caso de separação, essa relação é exercida em decorrência de seu poder-dever familiar (poder familiar), que corresponde ao sustento -alimentos materiais indispensáveis à preservação da subsistência e da saúde, bem como os relativos à indumentária e à educação -alimentos de natureza espiritual, imaterial, incluindo não só o ensinamento escolar, como os cuidados com as lições, aprendizado e de formação moral dos filhos”( http://expresso-noticia.jusbrasil.com.br/noticias/136587/a-uniao-estavel-no-novo-codigo-civil).

4. A partir deste parecer, salvo melhor juízo, chegamos à conclusão que a união estável não se diferencia muito do casamento civil, uma vez que tanto na primeira hipótese, quanto na segunda, podem ser dissolvidas a qualquer momento, desde que sejam cumpridos os requisitos legais do ordenamento civil.

5. O Código de Direito Canônico afirma que: “Exceto em caso de necessidade, sem a licença do Ordinário local, ninguém assista: a matrimônio que não possa ser reconhecido ou celebrado civilmente”( can. 1071, § 1, 2).

6. O Supremo Legislador, ao promulgar esta matéria no Código, tinha em mente o respeito pelo Direito Civil, bem como a questão de a Igreja não se tornar cúmplice de possíveis injustiças a serem cometidas pelos cônjuges, ao transgredirem essa norma. Daí a importância de verificar até que ponto se trata de uma verdadeira necessidade, ou de uma simples desculpa para não assumir perante o Estado o enlace matrimonial. Em outras palavras, um matrimônio celebrado apenas na Igreja, não tem validade diante no Direito Civil, salvo restando que ele seja transcrito no cartório, como veremos a seguir.

7. O Código Civil diz que: “O casamento religioso que atender às exigências da lei para a validade do casamento civil, equipara-se a este, desde que registrado no registro próprio, produzindo efeitos a partir da data de sua celebração”(Art. 1515).

8. O artigo 1516, em seu primeiro parágrafo, reza que o registro acontece “mediante comunicação do celebrante ao ofício competente, ou por iniciativa de qualquer interessado, desde que haja sido homologada previamente a habilitação neste prazo”. E logo em seu segundo parágrafo, o artigo é taxativo, quando afirma que “o casamento religioso, celebrado sem as formalidades exigidas neste Código, terá efeitos civis se, a requerimento do casal, for registrado, a qualquer tempo, no registro civil, mediante prévia habilitação perante a autoridade competente e observado o prazo art. 1532”.

9. Acoplando a normativa civil à canônica, percebemos que o caso em epígrafe cria expectativa de matrimônio na Igreja, porque se trata de uma união estável, que é duradoura, que tem efeito jurídico e que a qualquer momento poderia ser levada ao cartório para ser transformada em casamento civil. Portanto, não vemos neste caso, a necessidade de ser solicitada a licença do Ordinário local, para que este matrimônio possa ser celebrado na Igreja.

10. Alguns encaminhamentos a serem dados pelas partes e pelo pároco:
1) As partes devem procurar o pároco para uma conversa em vista do matrimônio;
2) Se o pároco constatar que há fundada esperança que este matrimônio de Janete com Carlos Alberto desta vez dará certo, após a entrevista, solicita deles a documentação necessária ao processo de habilitação matrimonial, inclusive a declaração de união estável e a carta de estado livre de Janete (nulidade matrimonial do matrimônio anterior);
3) Mesmo que as partes não o queiram, antes ou depois da celebração deste matrimônio, aconselhamos que esta união seja encaminhada ao cartório, para que produza também o seu efeito na qualidade de casamento civil. Neste caso, tanto a declaração de união estável, quanto a certidão do matrimônio na Igreja, poderão ser homologados pelo Estado, desde que cumpridos os requisitos legais do cartório civil.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Bodas de Prata de casal luterano na Igreja católica


Elisabeth é batizada na Igreja católica. Porém, logo em sua adolescência, começa a frequentar esporadicamente a Igreja luterana, perto de sua residência. Lá, encontra Ludwig, um jovem luterano, e já no primeiro olhar, apaixona-se por ele. Os dois continuam frequentando a Igreja luterana e lá se casam há quase vinte e cinco anos. Contudo, Elisabeth, de quando em quando frequentava a Igreja católica, em respeito aos seus pais. Hoje, os dois participam assiduamente da comunidade católica. Elisabeth não comunga, porque não fez a sua primeira Eucaristia e também pelo fato de não saber se isso seria possível dentro da Igreja católica. Agora, em vista do Jubileu de Prata de seu casamento, ela pergunta ao seu pároco, se ela poderia celebrar este evento na Igreja católica. Ao ser indagada pelo pároco, constata-se que ela não obteve na época a licença para que o seu casamento fosse celebrado na Igreja luterana, nem a devida dispensa da forma canônica. Além disso, ela gostaria também de poder comungar na Igreja católica. Então, como proceder?

A motivação ao presente caso partiu do mesmo vigário paroquial – que acompanha estes matrimônios por mista religião no sul do Brasil – caso elucidado no dia 13 de agosto p.p. em nossa Paróquia Virtual (vide abaixo). Portanto, considerando o que já esclarecemos naquele expediente, apresentaremos apenas um resumo ao encaminhamento do caso em tela.

1. Elisabeth poderia ter solicitado do pároco da época a dispensa da forma canônica (can. 1108) e ainda a licença para que este matrimônio por mista religião (can. 1118) pudesse ser celebrado, ou na Igreja católica, ou na Igreja luterana. Na época ela não procedeu a isso, porque possivelmente não sabia destas normas da Igreja católica;

2. O casamento foi celebrado numa igreja que mantém a comunhão ecumênica com a Igreja católica. Diante disso, percebemos o respaldo jurídico para a aplicação do cânon 1055, § 2, isto é, porque no caso aconteceu um contrato matrimonial entre batizados e por isso, mesmo que faltem os elementos próprios de sua legalidade (item anterior), ele é sacramento;

3. Não será necessária a incorporação de Elisabeth na Igreja católica, porque ela é católica desde o início e, mesmo que tenha contraído núpcias com um luterano, continuou sendo católica. Inclusive, hoje, ela é católica praticante;

4. Se o Ludwig concordar em passar para Igreja católica, deve ele fazer a sua profissão de fé e ser incorporado na mesma, podendo, inclusive, preparar-se adequadamente para a primeira Eucaristia e a Confirmação, através do catecumenato;

Em base a isso, a celebração do Jubileu de casamento poderá ser efetuada na Igreja católica, sem necessidade de nenhum processo de sanação na raiz deste matrimônio (can. 1161-1165), porque o consentimento já foi dado perante a Igreja luterana, que tem comunhão com a católica e esta bênção fecundou a vida a dois por nada menos que 25 anos. E se a Elisabeth se sente preparada para comungar pela primeira vez na Igreja católica, poderá fazê-la dentro da celebração do seu jubileu com Ludwig.