sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

A separação dentro do matrimônio


Helena é casada na Igreja com Valentino há dezessete anos. Tem dois filhos na catequese, preparando-se para a primeira Eucaristia na Igreja. Helena é assídua frequentadora da comunidade. Destaca-se pela sua liderança na catequese e na animação da liturgia. Há dois anos, foi indicada pela comunidade para ser ministra extraordinária da comunhão eucarística. Aceitou o convite e foi investida para tal ministério. Seu esposo, porém, é meio desleixado na prática religiosa. Frequenta a comunidade uma ou outra vez, apenas nos momentos de grandes festas. Helena se preocupa com este aspecto, mas o tolera. Mas o problema não reside apenas nesta diferença. Valentino é um tipo galanteador. Helena já o pegou várias vezes beijando outras mulheres. Por outro lado, a harmonia sexual do casal nos últimos cinco anos tornou-se cada vez mais difícil, porque Valentino quer ter relações anais com ela, contra a sua vontade. E isso não bastasse, nos últimos dois anos, cada vez que ele bebe com seus amigos, chega em casa alterado, xinga a esposa, quer praticar fazer sexo em modo violento, com relações anais e se ela não concordar, a espanca até que ela ceda. Helena já estava desconfiada, quando o pegou tendo uma relação com a vizinha de casa em sua própria cama. Quando descobriu isso, tentou perdoá-lo. Porém, o ato se repetiu outras vezes e logo que o fato veio às claras, Helena passou a ser ameaçada, caso o denunciasse ou buscasse uma separação. Criando coragem, se apresentou ao pároco no final de uma celebração, desabafando a sua história, baseada em seu contínuo sofrimento. O seu rosto e os braços estavam marcados pelos atos de violência, repletos de hematomas, causados pelo espancamento de Valentino. Diante disso, pede ao pároco se haveria alguma saída, uma vez que ela é casada na Igreja e não quer se divorciar de seu esposo.

A pessoa que contrai matrimônio na Igreja, o contrai para toda a vida, assumindo o seu consentimento dado em modo deliberado, onde as partes prometem mutuamente que serão fiéis um ao outro, amando-se e respeitando-se, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias de suas vidas. Passar por momentos de crises, causados por pequenas desavenças, que causem dor e sofrimento, fazem parte do consórcio conjugal. Porém, quando isso cria habitualidade, ameaçando a integridade do casal pelo adultério ou por atos de violência, provoca dificuldades na manutenção do matrimônio, a ponto de ensejar possíveis separações, como veremos a seguir.

1. A separação em caso de adultério

Considerando o que é previsto nas propriedades essenciais do matrimônio (unidade e indissolubilidade), o adultério é um atentado ao consorte, pois quebra a fidelidade prometida e assumida na vida a dois, em modo promissor e perpétuo. Se é cometido pelo varão ou pela varoa, dependendo da situação, como veremos a seguir, é motivo de separação, desde que individuado na carne. Em outras palavras, exclui-se de imediato a possibilidade de adultério no espírito ou na mente.
O adultério é o ato pelo qual um homem e uma mulher, que não sendo casados, formam uma outra só carne, que causa a fratura, a infração da unidade pela qual o homem e a mulher em causa formavam uma só carne enquanto esposos.
De acordo com a tradição que já era prevista no Código de 1917 (can. 1129 e 1130), é a única causa no ordenamento canônico que pode ocasionar a separação perpétua.
Ao abordar esta questão, não podemos deixar de elencar alguns princípios básicos, onde podemos individuar o adultério:
1) O adultério deve ser formal ou culpável: precisamente por se um injúria ao cônjuge inocente, ele deve ser cometido como infidelidade, causado pela livre decisão da vontade do seu autor. Diante disso, é necessário que o autor cometa o ato em modo formal e material. Se houve a falta de uma verdadeira intencionalidade, já não é mais adultério. Exemplo: adultério ou quase adultério cometido por uma pessoa que fora forçada, por violência ou medo reverencial. Neste caso há adultério, mas é apenas material e não formal e pode facilmente ser perdoado ou atenuado de culpabilidade;
2) O adultério deve ser perfeito ou consumado: aqui se configura a realização com uma terceira pessoa, não bastando aqueles atos desonestos, que não seja a união carnal. O requisito implica a cópula carnal. Portanto, não bastam as relações sexuais de menor gravidade (carícias, toques, beijos). Tais atos desonestos, porém, podem quebrar a fidelidade ao cônjuge e com o passar do tempo, podem constituir-se como adultério e motivo de separação temporária;
3) O adultério deve ser moralmente certo: deve haver a certeza moral sobre o mesmo, não bastando os meros indícios de provas. Porém, considerando que a maioria dos adultérios são cometidos em modo oculto, a certeza moral pode ser adquirida através de presunções de provas. Exemplo: a esposa encontra o seu esposo dormindo com outra mulher em sua cama.
As causas que podem atenuar ou impedir a separação por adultério (cânon 1152, § 1):
1) Quando o cônjuge inocente consente com o adultério: quando a parte prejudicada fica sabendo que seu parceiro está tendo relações esporádicas com um terceiro e não faz nada para impedir-lo. Isso equivale a um consentimento tácito de sua parte;
2) Quando o cônjuge inocente foi o provocador do adultério: a provocação ocorre quando o cônjuge induz o outro a adulterar também. Tal provocação deve direta e próxima, não bastando que seja indireta ou remota. Deve haver uma relação de causalidade entre a ação do cônjuge e o adultério de seu consorte;
3) Quando o cônjuge inocente também cometera adultério: aqui ocorre analisar que se a outra parte também é culpada pelo adultério, então há uma compensação das culpas cometidas. Isso acontece quando poderia ter ocorrido já o pedido de separação por uma das partes, mas que acabou resultando numa espécie de perdão tácito e, ao surgir a oportunidade, o cônjuge que era culpado acabou por ser autor do mesmo pecado;
4) Quando o cônjuge inocente perdoara em modo expresso ou tácito o consorte: isso acontece quando o cônjuge inocente durante seis meses não recorre à autoridade eclesiástica ou civil, presumindo-se que seja perdoado pelo ato cometido.

2. Possibilidade da separação perpétua

De acordo com o cânon 1152, § 3, se for desfeita a convivência conjugal no prazo de seis meses, por não haver possibilidade de reconciliação, o Bispo pode conceder o decreto de separação perpétua, observando-se também as normas do direito civil (can. 1692, § 2).
As principais causas de separação conjugal, de acordo com o que reza cânon 1153, são as seguintes:
1) Grave perigo espiritual: a doutrina da Igreja entende que quando há perigo na vida espiritual de um dos cônjuges, o modo que se aconselha é a separação. Tal separação identifica-se como proteção da fé católica do cônjuge inocente e de sua prole (Cf. A. Bernárdez Cantón, Compendio de Derecho Matrimonial Canónico, p. 269). Este perigo existe, quando por exemplo, um cônjuge incita o outro, e seus filhos, de forma positiva, reiterada ou tácita, a cometer pecados graves ou empecilhos às suas obrigações religiosas;
2) Grave perigo corporal: isso ocorre quando há qualquer causa que seja um atentado à vida, à integridade física ou à saúde do cônjuge e de seus filhos. Neste caso, o Legislador tutela o direito da pessoa a dispor do que é necessário para bem conservar a sua integridade física e a de seus filhos. Exemplo: malícia de um dos cônjuges, quando atenta a vida do outro ou de seus filhos, com ameaças de morte ou golpes corporais. Também ocorre quando o culpado padece de uma grave enfermidade mental ou enfermidade contagiosa, ou ainda quando sofre de uma demência agressiva;
3) Grave dificuldade para a vida conjugal em comum: pode existir uma série de dificuldades que colocam em risco a vida comum do casal e de seus filhos. São as sevícias físicas e morais. As sevícias físicas envolvem condutas ou agressões contra o cônjuge ou seus bens materiais (socos, coices, golpes, arranhões, quebra de objetos no lar). As sevícias morais afetam o outro com palavras injuriosas, omissões, contra a dignidade, a honra e sentimentos, por difamação, insultos ou desprezo do outro. Em todo caso, a jurisprudência afirma que seja necessário que as sevícias sejam graves, reiteradas e que a separação seja o único modo para evitar o perigo da vida conjugal em comum.

Configurando as normas da Igreja ao caso em tela, podemos entabular os seguintes encaminhamentos:
1) Que o pároco busque uma conversa com Valentino, tendo em vista a sua conversão em prol da vida matrimonial a ser salva, especialmente em função do resgate da harmonia no lar e a boa educação dos filhos;
2) Se Valentino se recusar a comparecer e não mudar de vida, aconselhar Helena à separação temporária, morando, preferencialmente em lares separados;
3) Depois de um côngruo tempo, a situação pode ser reavaliada e se Valentino não mudar de vida, então que seja solicitado ao Bispo o decreto de separação perpétua;
4) Na hipótese da separação perpétua, Helena poderá, se assim o desejar, encaminhar o seu caso ao Tribunal da Igreja, para que seu matrimônio seja declarado nulo.
Que a misericórdia de Deus arme a sua tenda na vida dos dois e de seus filhos, para que se encontre a melhor saída em prol da dignidade humana.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Administração dos Bens das Religiosas Consagradas


Irmã Edwiges entrou no noviciado há quatro anos, num um instituto de vida consagrada. No dia do ingresso, deixou por escrito em seu testamento que a administração de uma poupança de R$ 20.000,00 ficaria aos encargos de sua mãe. Tal disposição foi relegada durante quatro anos, nas quatro renovações dos votos temporários que ela fez. Conversando com as suas companheiras de turma, foi aconselhada a retirar parte desta poupança para suas compras pessoais, sem logicamente haver o consentimento de sua mestra. Porém, ela se negou a assim proceder, porque queria ser fiel ao seu testamento. De fato, muitas pessoas usam do bom senso na administração de seus bens, tendo como base o voto professado. Contudo, há outras religiosas que na hora da divisão de sua herança ou de outros pertences de sua família, permanecem com a parte que lhe coube, inclusive havendo benefício próprio. Irmã Edwiges, ao conversar com a sua mestra sobre o propósito da Profissão perpétua, permaneceu um tanto confusa. A sua mestra disse que no passado as irmãs faziam um documento de renúncia destes bens. Atualmente, porém, não soube a mestra lhe dar uma resposta convincente. Então pergunta ela: - como deve orientar a sua mãe na administração da sua poupança? Qual o procedimento a ser tomado, que isso seja válido também diante do Estado?

Antes de tudo, vejamos o que diz o Código de Direito Canônico nesta questão:
Can. 668: § 1. Os noviços, antes da primeira profissão, cedam a administração de seus bens a quem preferirem e, salvo determinação contrária das constituições, disponham livremente do uso e usufruto deles. Façam, porém, ao menos antes da profissão perpétua, testamento que seja válido também no direito civil.
§ 2. Para modificar, por justa causa, essas disposições e para praticar qualquer ato referente aos bens temporais, necessitam da licença do Superior competente, de acordo com o direito próprio.
§ 3. Qualquer coisa que o religioso adquire por própria indústria ou em vista do instituto, adquire para o instituto. O que lhe advém de qualquer modo por motivo de pensão, subvenção ou seguro, é adquirido pelo instituto, salvo determinação contrária do direito próprio.
§ 4. Pela natureza do instituto, quem deve renunciar plenamente aos seus bens, faça sua renúncia em forma, quanto possível, válida também pelo direito civil, antes da profissão perpétua, com validade a partir do dia da profissão. Faça a mesma coisa o professo de votos perpétuos que, de acordo com o direito próprio, queira renunciar parcial ou totalmente a seus bens com licença do Moderador supremo.
§ 5. Pela natureza do instituto, o professo que tiver renunciado plenamente a seus bens, perde a capacidade de adquirir e possuir; por isso, pratica invalidamente atos contrários ao voto de pobreza. Mas o que lhe advém depois da renúncia pertence ao instituto, de acordo com o direito
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A espinhosa questão de como se deve viver na pobreza está mergulhada no princípio fundamental da vida religiosa consagrada, que é a renúncia de tudo aquilo que cria obstáculos ao seguimento de Cristo pobre e crucificado. Na tentativa de seguir as suas pegadas, a vida consagrada formatou os conselhos evangélicos, na exigência e obrigação dos votos. Para seguir o exemplo de Cristo e seus seguidores, o religioso consagrado aceita essa proposta, que requer dele também a renúncia à posse dos bens temporais. Nesse sentido, o presente cânon apresenta quatro pontos fundamentais, conforme a abordagem que segue:

1º) A cessão da administração dos bens próprios

O primeiro parágrafo do cânon 668 reza que o “os noviços, antes da primeira profissão, cedam a administração de seus bens a quem preferirem”. Essa exortação se faz necessária, para que o noviço possa, na sua plena liberdade interior, liberar-se de todas as propriedades e posses de bens temporais, sobretudo no que concerne à sua administração.
O tempo de noviciado é um estágio inicial, tendo em vista a futura profissão perpétua. Para tanto, é um treinamento em vista do compromisso posterior. No entanto, não significa que o noviço esteja renunciando a esses bens. A Igreja é muito prudente, tendo em vista a experiência cristalizada em todos os tempos, que muitos noviços desistem da vida consagrada, e ao sair do instituto, possam continuar em plena posse de tais bens. Portanto, não está em questão a renúncia dos bens patrimoniais, mas a cessão da administração dos mesmos, que permanecem com pessoas de sua confiança até a renúncia definitiva desses bens.

2º) A obrigação do testamento

É comum nos institutos de vida consagrada, solicitar do noviço um testamento por escrito, cujo documento ateste a cessão da administração de seus bens temporais a outrem. A administração, em geral, é confiada aos membros de sua família: pais, irmãos, primos ou até a amigos, quando o noviço não tem outra alternativa. O Código exorta, para esse testamento “seja válido também no direito civil”(can. 668, § 1).
O novo Código Civil legisla sobre três tipos de testamento, ou seja, o testamento público, o testamento cerrado e o testamento particular (Art. 1862). Salvo melhor juízo, a matéria em foco entra na normativa do testamento público, que para ser válido, deve apresentar os seguintes requisitos:
“I – ser escrito por tabelião ou por seu substituto legal em seu livro de notas, de acordo com as declarações do testador, podendo este se servir de minuta, notas ou apontamentos;
II – lavrado o instrumento, ser lido em voz alta pelo tabelião ao testador e a duas testemunhas, a um só tempo; ou pelo testador, se o quiser, na presença destas e do oficial;
III – ser o instrumento, em seguida à leitura, assinado pelo testador, pelas testemunhas e pelo tabelião”(Art. 1864).
Em se tratando do seu caráter temporário, não se recomenda aos institutos enfrentar toda essa burocracia diante do noviciado. Bastaria um atestado simples, assinado pelo testador, com firma registrada, e duas testemunhas. No entanto, diante da profissão perpétua de seus membros, todos deveriam fazê-lo, considerando a distância que há entre a legislação canônica e a legislação civil. Para o Estado, as coisas devem objetivamente documentadas e registradas em cartório. Caso contrário, de nada valem.

3º) A aquisição dos bens pelo religioso

A normativa do terceiro parágrafo do cânon 668 reporta-se ao velho adágio: “Tudo o que monge adquire, o adquire o monastério”. Em outras palavras, não é o religioso consagrado o proprietário essencial dos bens temporais, porém o instituto, porque todo o serviço prestado não é em nome próprio, mas em nome da instituição que ele representa.
Essa questão é bastante delicada. Ela pode ser interpretada, grosso modo, por dois ângulos. De um lado, existem muitos religiosos que não prestam conta de nada, favorecendo o caixa dois, em modo não transparente. E pode haver motivo para essa prática, quando o seu superior acumula tudo e não tem o mínimo de preocupação pela sua vida pessoal. A pessoa é relegada, porque o que interessa, na cabeça de muitos superiores ou ecônomos, é a instituição. Nesse caso, se a instituição não lhe fornece o necessário para a sua manutenção pessoal (viagens, coisas pessoais, livros, assistência à saúde, etc), ele acaba encontrando caminhos paralelos para se manter.
Por outro lado, há muitos religiosos fiéis ao seu instituto, colocando em comum tudo o que recebem. Assim, se sentem autorizados a solicitar do caixa comum tudo o que se faz mister para viver em modo modesto e desapegado. Digo em modo modesto, porque muitos, em nome do caixa comum, não se deixam questionar mais pelo estilo da população de baixa renda, com a qual deveríamos confrontar a cada instante a nossa forma de vida. Esse estilo de vida pode conduzir à ruína a vida consagrada, mesmo colocando em comum tudo que se receba. De qualquer modo, permanece o desafio: Tudo o que religioso recebe, é a fraternidade que o recebe e se preocupa com a sua vida. O superior de instituto é como a mãe que bem cuida de seus filhos.

4º) A renúncia aos bens temporais

O parágrafo quinto do cânon 668 reza que o religioso que renuncia plenamente a seus bens, renuncia também à capacidade de adquirir e de possuir tais bens. Essa renúncia é estipulada no testamento. A normativa se faz necessária, porque um religioso poderia muito bem renunciar aos bens temporais que possui no momento de sua profissão e não renunciar à capacidade futura. É o caso da herança, por exemplo, que ele poderia adquirir de um parente seu, posterior à profissão perpétua no instituto.
Outra questão que merece ser recordada é o trabalho efetivo do religioso dentro da instituição, a exemplo das escolas, colégios, faculdades. Antes de tudo, faz-se mister distinguir se tal entidade é parte integrante da pessoa jurídica, como mantenedora, ou é uma entidade autônoma. Se ela pertence à mesma mantenedora do religioso, ocorre verificar, nesse caso, se o seu estatuto permite o pagamento, segundo as leis trabalhistas, aos seus membros. Se o trabalho pode ser remunerado, o fruto da percepção entra no caixa comum da mantenedora. Caso contrário, o religioso não pode reivindicar direitos trabalhistas por seu serviço prestado.

Percorrendo o direito próprio do instituto da Irmã Edwiges, que são as suas Constituições Gerais, constatamos que não há nenhuma norma que não esteja em consonância com o cânon 668 ou outras normas sobre os bens temporais da Igreja. Deste modo, orientamos a sua mestra ou a própria Irmã Edwiges aos seguintes passos:
1) A administração dos bens durante a profissão temporária da Irmã pode continuar sendo efetuado pela sua mãe, de acordo com o testamento, que não precisa ser reconhecido em cartório, justamente porque é uma situação transitória. Porém, isso não lhe dá o direito de usufruir dos frutos desta poupança, ou de qualquer outro bem temporal, salvo restando mediante uma consulta à sua superiora;
2) Diante da profissão perpétua, a Irmã deve fazer um testamento por escrito, declarando que renuncia os seus bens e os destina, ou à sua progenitora, ou a quem ela quiser destinar. Este testamento, para que seja válido também perante o Estado, deve ser reconhecido em cartório. Diante de casos negativos que já puxaram processos e venceram na justiça comum, não aconselhamos a seguir apenas as normas do direito próprio da instituição, nem mesmo possíveis normas do estatuto social do instituto, porque, a justiça comum desconhece estas normas internas e sempre vai estar a favor do direito natural da pessoa, à sua capacidade de adquirir, possuir, administrar e alienar os seus bens temporais;
3) Se a Irmã ainda não fez o testamento e já emitiu a profissão perpétua, que seja feito o testamento, com a data da profissão, a ser assinado e registrado em cartório;
4) Uma vez feito o testamento e reconhecido em cartório, se porventura a Irmã for demitida do instituto ou dele solicitar a sua demissão, não terá direito a receber nada do referido instituto, nem pelos trabalhos nele efetuados, nem o resultado parcial ou total de sua poupança. Aliás, para mudar as disposições do testamento, neste caso, deve ela novamente procurar o cartório, apresentando as disposições contrárias ao testamento anterior. Contudo, na hipótese disso acontecer, aqui não é mais problema do instituto e sim, da Irmã egressa.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Papa abre as portas da Igreja a padres casados II


1. A Igreja Anglicana se separou em definitivo da Igreja Católica Romana em 1534, por iniciativa do rei Henrique VIII, valendo-se da questão com o Papa Clemente VII, que não anulou o seu casamento com Catarina de Aragão. Nos últimos tempos, muitos anglicanos, descontentes com as decisões da tradição sobre a ordenação sacerdotal de mulheres e outros problemas internos, resolveram passar para a Igreja católica. Um exemplo de conversão, acontecido ultimamente, foi o do ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair, que se tornou católico depois de deixar o cargo, em 2007.

2. Diante dos inúmeros pedidos de passagem para a Igreja católica, o Papa atual se viu na iminência de publicar algumas normas, válidas em todo o universo. Portanto, não se trata de uma iniciativa da Igreja católica, mas de uma generosa resposta do Sumo Pontífice diante da aspiração de grupos Anglicanos.

3. Uma Constituição apostólica é um documento, emanado pelo Romano Pontífice, que trata de assuntos de grande envergadura para a vida da Igreja católica. Exemplos: Papa Pio XII, Constituição Apostólica: Munificentissimus Deus, que define o dogma da Assunção de Nossa Senhora; Papa João Paulo II, Constituição Apostólica: Sacrae Disciplinae Leges, que promulga o Código de Direito Canônico, 1983; Constituição Apostólica: Pastor Bonus, sobre a nova constituição da Cúria Romana, 1988; Constituição Apostólica: Fidei depositum, sobre o novo Catecismo da Igreja Católica, 1992. Nesta mesma dimensão, no dia 04 de novembro p.p., o Papa Bento XVI publicou a Constituição apostólica: Anglicanorum coetibus, sobre a instituição de Ordinariados pessoais para os Anglicanos que entram em plena comunhão com a Igreja católica.

4. A instituição desses Ordinariados, que acolherão os padres anglicanos, farão parte de uma divisão pessoal, similar à da Opus Dei e aos Ordinariados Militares. Tais Ordinariados são erigidos, conforme as normas emanadas nessa Constituição e de acordo com as normas emanadas pela Congregação para a Doutrina da Fé, publicada na mesma data da Constituição Apostólica. A ereção dos Ordinariados acontece dentro dos confins territoriais de uma determinada Conferência Episcopal, depois de ter consultado a própria Conferência. Uma vez erigido, o Ordinariado goza, pelo próprio direito, de personalidade jurídica pública, semelhante a uma diocese (art. 1). Em outras palavras, os Católicos latinos devem obediência ao seu Ordinário local, que é o Bispo. Os Católicos anglicanos (de ora em diante), devem obediência ao seu Ordinário local, que é o Ordinário pessoal (adesão pessoal pela tradição anglicana), desde que estejam em comunhão com a Igreja católica latina (Romana). Significa que o Ordinariado pode incardinar clérigos e membros de Institutos de Vida Consagrada ou de Sociedades de Vida Apostólica, originariamente pertencentes à Comunhão Anglicana e agora em plena comunhão com a Igreja Católica, ou que recebem os Sacramentos da Iniciação na jurisdição do próprio Ordinariado (art. 1).

5. No que se refere à passagem dos fiéis, pertencentes ao Anglicanismo, que agora pretendem entrar nestes Ordinariados, requer-se a Profissão de fé ou que já tenham recebido os sacramentos de iniciação (batismo, confirmação e eucaristia) naquela tradição. Porém, aqueles membros que foram batizados, no passado, como católicos, isto é, fora do Ordinariado, não podem ser admitidos como seus membros, salvo restando que sejam filhos de famílias que agora fazem parte do Ordinariado (art. 5, Normas complementares da Congregação para a doutrina da fé). Significa que a passagem pode ser feita do Anglicanismo ao Catolicismo e não ao contrário.

6. Especificamente relacionado à ordenação sagrada, as normas complementares da referida Congregação são muitas claras, quando afirmam que: “o Ordinário pode apresentar ao Santo Padre o pedido de admissão de homens casados à ordenação presbiteral no Ordinariado, depois de um processo de discernimento baseado sobre critérios objetivos e as necessidades do Ordinariado. Tais critérios objetivos são determinados pelo Ordinário, depois de ter consultado a Conferência Episcopal local, e devem ser aprovados pela Santa Sé”(Art. 6, § 1). Por outro lado, as normas impedem a passagem ao Ordinariado daqueles que foram ordenados na Igreja Católica e que aderiram, a seguir, à comunhão com a Igreja Anglicana (Art. 6, § 2). Também não podemos esquecer o que determina a Constituição apostólica, onde se afirma que “o Ordinário, em plena observância da disciplina sobre o celibato clerical na Igreja latina, pro regula admitirá à ordem do presbiterado somente homens celibatários”(Const., art. 6, § 2). Contudo, a segunda parte deste parágrafo da Constituição deixa uma brecha jurídico-canônica, que poderá ser encaminhada ao Papa, quando diz que: “Poderá dirigir uma petição ao Romano Pontífice, em derrogação do cânon 277, § 1, de admitir, caso por caso, à ordem sagrada do presbiterado também homens casados, segundo os critérios aprovados pela Santa Sé”(Const., art. 6, § 2). Eu vejo neste parágrafo uma abertura, que dependerá de caso para caso, tendo como base os critérios que serão aprovados pela Santa Sé. Aqui, novamente se retorna à questão do celibato na Igreja latina, que não sendo de origem divina, poderá ser dispensado pelo Papa, sobretudo em respeito à tradição das Igrejas Orientais Católicas e também à tradição da Igreja Anglicana.

7. Configurando o caso exposto no artigo anterior a esta normativa, podemos tecer os seguintes considerandos à guisa de encaminhamentos:
1) A Constituição é destinada aos Anglicanos que se converteram e pretendem passar para a Igreja Católica, que agora passam a fazer parte destes Ordinariados;
2) Tanto na tradição das Igrejas Orientais, quanto na tradição Anglicana, uma pessoa que já é casada, pode pleitear a ordenação presbiteral. Seguindo esta tradição, estas pessoas que no momento se encontram nesta situação, poderão ser incardinadas nos Ordinariados. Portanto, a condição é que já tenha contraído matrimônio. Se ainda não o fez, terá que assumir o celibato de acordo com a normativa do cânon 277 do atual Código de Direito Canônico, salvo que se solicite do Romano Pontífice, de acordo com cada caso ou necessidade, a sua derrogação;
3) Nem a Constituição Apostólica, nem as normas complementares da Congregação para a Doutrina da Fé, possibilitam que um candidato católico latino, que almeja o matrimônio e ao mesmo tempo a ordenação presbiteral, possa entrar para esta nova configuração de Ordinariados na Igreja Católica.

Sendo assim, o caro internauta pode ele apreciar a vida matrimonial como ela se apresenta, mas se a sua opção é pela ordenação presbiteral, enquanto católico latino, não poderá ao mesmo tempo contrair matrimônio. Trata-se de uma opção, em que o celibato continua sendo uma exigência. Haveria uma remota saída, se ele se convertesse ao Anglicanismo ou se convertesse para as Igrejas Orientais Católicas, o que requer uma longa caminhada de discernimento, de acordo com as normas próprias de cada Igreja.

Foto: Reuters

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Papa abre as portas da Igreja a padres casados


Sou um seminarista católico, do interior deste imenso Brasil, às vésperas de ser ordenado diácono. Tenho um grande zelo pelo povo de Deus. Exerço meu ministério, enquanto seminarista, numa paróquia bastante grande, com 43 comunidades. Sinto-me verdadeiramente vocacionado ao ministério diaconal, que assumirei transitoriamente, porque, se tudo correr bem, pretendo também o ministério presbiteral na Igreja. Porém, admiro imensamente a vida matrimonial dentro da Igreja. Até já tive namorada e, olhando para os Pastores das outras Igrejas, não vejo o porquê do celibato ser obrigatório na Igreja católica. Por outro lado, fiquei sabendo que o Papa publicou recentemente um documento sobre os Anglicanos, acolhendo os Padres casados na Igreja católica. Isso abriria a mim as portas para contrair matrimônio na Igreja e depois me ordenar diácono, presbítero?

1. A questão apresentada pelo internauta aparece num momento bastante propício para uma colocação mais abrangente sobre a recente Constituição Apostólica: “Anglicanorum coetibus”, publicada pelo Papa Bento XVI no dia 04 de novembro p.p.

2. Considerando que a questão é bastante complexa, sem pretensão de esgotar o assunto, convido os internautas a acompanharem a reflexão, que será desmembrada em sua primeira parte, conforme segue, e a segunda parte, a ser publicada na próxima oportunidade deste veículo de comunicação.

3. A espinhosa questão do celibato na Igreja merece a nossa atenção nesta reflexão, perseguindo os seguintes considerandos:

1) No início da era cristã, os Apóstolos e Discípulos de Cristo eram pessoas solteiras ou casadas, que aceitaram o chamado do Mestre para trabalhar no Reino. Na organização das comunidades, bastava que a pessoa se destacasse pelo exemplo de vida, boa reputação, piedade, bons costumes e liderança, para que fosse escolhido em função de um ministério na própria comunidade.
2) Com o passar do tempo, a Igreja latina começou a exigir do seu clero a continência perfeita, abstraindo-lhes do matrimônio ou qualquer outra união conjugal. Encontramos o primeiro aceno a favor do celibato no Concílio de Elvira, celebrado na Espanha, aí pelo ano 300. Essa decisão foi ratificada no Concílio de Ancira (314), de Roma (386), de Cartagena (390), de Toledo (400), de Orange (441), de Harles (443) e de Agde (506). A exigência do celibato também foi confirmada pelo Papa Adriano I (785), pelo Papa Bento VIII (1022), pelo Papa Leão IX (1049), pelo Papa Nicolau II (1059), pelo Papa Alexandre II (1063) e sobretudo, pelo Papa Gregório VII (1074).
3) O celibato, originalmente, não faz parte da natureza do sacerdócio, mas é recomendado pela Igreja, de acordo com a sua tradição:
“Não que por sua natureza seja exigida do sacerdócio, como se evidencia pela praxe da Igreja primitiva e pela tradição das Igrejas Orientais, onde – além daqueles que com todos os Bispos, por dom da graça, escolhem observar o celibato – existem igualmente os Presbíteros casados, de altíssimo mérito” (PO, 16).
4) Os acenos conciliares do primeiro milênio da Igreja são recomendações localizadas ou regionalizadas. Não sendo determinações de Concílios ecumênicos, nem afirmações feitas pelos Papas a toda a Igreja, consequentemente, não tinham caráter de obrigatório universal. Porém, tendo em vista o bom exemplo dos monges e religiosos consagrados na vivência da perfeita continência, a Igreja latina achou por bem obrigar a prática celibatária a todos os seus clérigos. Assim, no Concílio Ecumênico Lateranenense I (1123) determinou tal obrigação a toda a Igreja o seguinte:
“Proibimos absolutamente aos sacerdotes, diáconos e subdiáconos de viver com as concubinas ou com esposas e de coabitar com mulheres diversas daquelas permitidas pelo Concílio de Nicéia, que o permitiu somente por questões de necessidade, isto é, a mãe, a irmã, a tia materna ou paterna ou outras semelhantes, sobre as quais honestamente não possa surgir alguma suspeita”.
Essa sanção foi homologada no Concílio de Trento (1563) e de lá para cá, faz parte dos deveres dos clérigos da Igreja Latina.
5) Nas Igrejas Católicas Orientais, a exemplo da Igreja Melquita, são obrigados à continência perfeita somente os Bispos. Os Presbíteros e Diáconos recebem o interdito ao matrimônio somente depois da ordenação. Significa que podem unir-se em matrimônio antes da ordenação ou, simplesmente são ordenados os casados, desde que preencham os requisitos da devida formação e não apresentem impedimentos.
6) É importante sublinhar que o celibato não é a mesma coisa que o sacramento da ordem, em relação ao sacramento do matrimônio. O sacramento da ordem faz parte dos impedimentos ao matrimônio, enquanto que o celibato é uma lei eclesiástica, que somente torna-se um empecilho, porque está intimamente ligada ao sacramento da ordem. O celibato não é um hiato isolado. Também não é um voto, à semelhança do voto de castidade assumido pelos religiosos consagrados. É, sim, um compromisso, assumido juntamente com o sacramento da ordem.
7) É curioso acenar que desde o pontificado do Papa Pio XII, a Igreja Latina concedeu a muitos Pastores luteranos, calvinistas e ultimamente aos anglicanos que se converteram ao catolicismo, a ordenação sacerdotal, sem separarem-se de suas esposas, vivendo assim na vida matrimonial ativa, como veremos na segunda parte desta reflexão.
8) A observância atual do celibato (can. 277) exige do clérigo uma constante vigilância sobre esse compromisso assumido perante Deus e a comunidade. Por isso, é necessária a devida formação humana, cristã e ministerial, começando no tempo do seminário e prolongando-se por toda a sua vida (can. 247; 248-252). Seria de grande valia uma formação aberta, dialogada, na medida do possível com a presença feminina e com a ajuda de bons psicólogos, para que certos problemas afetivos possam vir à tona com tranquilidade e sejam bem administrados. Só assim, seria possível corrigir posteriores desvios de personalidades afetadas, que afloram mais tarde, tais como a pedofilia e outros tantos problema que soem acontecer no cenário da Igreja.
9) Considerando a tradição inicial da Igreja latina, bem como a tradição ainda em vigor nas Igrejas Católicas Orientais, penso que não seria problema a Igreja Católica Latina rever a questão da obrigatoriedade do celibato. A meu juízo, o celibato ao clero secular poderia ser opcional. E sendo opcional, penso que nem todos optariam pelo matrimônio, e ao mesmo tempo, assumirem uma dedicação exclusiva ao Povo de Deus. Um aspecto dessa questão é ter a liberdade. Outro, é assumir a vocação matrimonial, com todos os seus direitos e deveres, e ao mesmo tempo, assumir a vocação sacerdotal, com os seus direitos e deveres peculiares.
10) Se porventura o celibato não foi assumido pelo clérigo em sua vocação, pode ser dispensado, juntamente com o indulto da dispensa do sacramento da ordem, desde que seja solicitada e bem motivada pelo clérigo. A dispensa do celibato é de exclusiva competência do Romano Pontífice (can. 291), depois de ilustrado o processo na diocese. Ultimamente, porém, a Igreja não soe conceder o indulto da dispensa a clérigos menores de quarenta anos, salvo restando casos especiais, como é caso, por exemplo, de quem já se casou no civil.

4. A resposta à questão em epígrafe virá no próximo bloco. Até lá, espero interagir com os internautas interessados no debate deste assunto.

Foto:Reuters