domingo, 31 de julho de 2011

Em busca de um sacerdote pessoal


Frei Giovanni, que considero um iluminado por Deus, fez o meu casamento numa capela de fazenda. Três meses depois disso, celebrou a missa de sétimo dia de meu pai numa capela de irmãs. Agora, o convidei para batizar meu filho numa outra capela que eu vou de quando em quando e ele aceitou. Porém, numa conversa com uma vizinha sobre isso, ela questionou este meu procedimento, perguntando se eu poderia estar fazendo tudo isso, sem estar inscrito na paróquia onde resido. Fiquei meio confuso com isso, sobretudo, porque não vejo mais sentido, em nossa época, em ficar preso a uma estrutura paroquial, que não satisfaz os meus desejos religiosos. Gostaria de saber se estou agindo corretamente e ainda, se existe na Igreja a possibilidade de uma paróquia pessoal?

1. A questão levantada pelo internauta faz eco a milhares de pessoas que não se identificam mais com uma estrutura paroquial territorial, mas que poderiam com facilidade freqüentar uma paróquia pessoal ou buscar alternativas, como veremos a seguir.

2. A Igreja católica, na medida em que se expandia em sua missão, foi organizando-se em paróquias. Esta constatação já era presente no século IV. No entanto, somente a partir de 1150, fruto do confronto entre ricos proprietários, nobres que pretendiam haver o domínio da Igreja em mãos, a Igreja viu-se na necessidade de organizar a vida do Povo de Deus em pequenas porções do rebanho de Cristo. Também, percebeu-se a necessidade de confiar essa porção aos cuidados de um pastor, chamado, na época, de vigário. Os vigários eram nomeados pelos Bispos e não pelos fazendeiros. Assim, a paróquia surgiu como alternativa aos grandes centros (catedrais). Em cada sítio ou povoado havia uma paróquia, com média de 500 habitantes (fiéis cristãos católicos). O vigário (pároco) era o seu encarregado, também chamado de cura d’almas. Ele tinha a incumbência de cuidar para que essa porção do Povo de Deus pudesse ser evangelizada, especialmente na questão sacramental de seus habitantes. O Concílio Lateranense IV (1215), por exemplo, determinava que cada cristão devia confessar-se e comungar na sua própria paróquia, ao menos uma vez por ano. Somente o vigário podia administrar o batismo e celebrar o casamento, embora o matrimônio canônico somente passou a ser obrigatório na Igreja a partir do Concílio de Trento.
O Direito da Igreja define a paróquia como “uma determinada comunidade de fiéis, constituída estavelmente na Igreja particular, e seu cuidado pastoral é confiado ao pároco como a seu pastor próprio, sob a autoridade do Bispo diocesano”(Cân. 515, § 1).

3. De acordo com o cânon 518, em geral, as paróquias são circunscrições eclesiásticas territoriais que compreendem todos os fiéis de um determinado território. Entretanto, existe no na normativa da Igreja a possibilidade de erigir paróquias pessoais, que são constituídas em razão de rito, língua ou nacionalidade dos fiéis de um território, ou razão determinada. Diante disso, a possibilidade existe, desde que seja preservada a a comunhão eclesial, que embora possua sempre uma dimensão universal, encontra a sua expressão mais imediata e visível na paróquia (cf. Christifideles Laici, 26).

4. Na conjuntura social e eclesial de nossos dias, sobretudo no tecido social das grandes cidades, seria possível sonhar com paróquias pessoais, que pudessem atender à demanda de segmentos carismáticos, de segmentos amantes daquelas missas celebradas em latim, de segmentos de missas com grandes pregações teológicas, desde que estas paróquias sejam reconhecidas pela Igreja. Por outro lado, há segmentos de fiéis que se deslocam de sua paróquias tradicionais para participar de uma missa do estilo padre Marcelo, ou de uma missa agostiniana, de uma missa beneditina, de uma missa franciscana, de uma missa dominnicana, de uma missa jesuítica, de uma missa salesiana. Porém, nesses segmentos, a estrutura está montada e os fiéis acorrem a ela, de acordo com seus gostos pessoais, porque se identificam com este ou aquele estilo de celebração, em vez de ficar em suas comunidades de origem (paróquias territoriais). De qualquer modo, tal identificação não equivale a uma paróquia pessoal, porque estas celebrações fazem parte de uma paróquia tradicional ou comunidade pertencente a uma destas paróquias. E mesmo que se criassem paróquias pessoas em busca de interesses pessoais, dificilmente seriam suficientes para atender todos os gostos dos fiéis.

5. Na realidade hodierna é muito comum as pessoas transitarem do consultório tradicional para a escolha de um personal doctor, da academia tradicional para o personal trainer, da pizzaria tradicional para a pizza delivery, da comunidade tradicional para o personal priest.

6. Do ponto de vista estrutural, isso cria algumas dificuldades nas paróquias territoriais ou pessoais, porque não esfacela os laços com a comunidade. Também cria dificuldade na preparação aos sacramentos, na transmissão tradicional de conteúdos e da preparação dos fiéis (círculos bíblicos, campanha da fraternidade, catequese, cursos de noivos, pastoral familiar, encontro das várias pastorais e movimentos), sem contar a questão do dízimo, das quermesses, festas e demais promoções dentro de uma paróquia.

7. Hoje é muito comum a procura por celebrações particulares de batizados, de missa de sétimo dia e já começam a pipocar os pedidos para a preparação aos catecúmenos ou cursos de pais e padrinhos no apartamento de quem pede. No Rio de Janeiro, conheço um sacerdote que não vence atender as ligações de seu celular de dois chips, na demanda de fiéis que lhe procuram para este tipo de celebração, de catequese em residência, de bênção ou até de confissão em apartamento. Sobre as despesas para a manutenção destes serviços, normalmente vem um envelopinho, que faz brilhar os olhos do personal priest, ou ainda uma boa contribuição para a comunidade que acolhe este tipo de demanda no espaço celebrativo.

8. Tudo seria possível, desde que houvesse uma boa preparação aos sacramentos, mesmo que sejam celebrados em modo personalizado. O mesmo poderíamos afirmar da formação destes fiéis, que poderiam acessar à internet e garimpar nestes meios a formatação a assimilação de um modelo diferenciado de doutrina da Igreja. Também seria ideal se a demanda fosse direcionada a grupos de religiosos, religiosas ou sacerdotes, que poderiam prestar um serviço diferenciado a um segmento diferenciado de fiéis, que não se identifica mais com o modelo tradicional de Igreja.

9. Diante do exposto eis algumas recomendações à guisa de conclusões:
1)A Igreja não pode cruzar os braços diante da realidade desta busca pessoal por alternativas, diferenciadas da praxe ordinária das paróquias territoriais;
2)Fica difícil a conscientização dos fiéis desta demanda, pelo fato de serem cristãos diferenciados na grande massa dos batizados, que dificilmente são atingidos pelas orientações oficiais da Igreja. Em contrapartida, o sacerdote que lhes atende sabe muito bem que ele está num caminho paralelo às comunidades tradicionais e muitas vezes, até paralelo às orientações da Igreja. Por isso, antes de atender à demanda, deveria questionar os fiéis sobre o porquê de tais práticas, se não seria possível que eles fossem reinseridos nas comunidades de seu domicílio ou quase domicílio;
3)A demanda pelo personal priest vai aos poucos criando um círculo vicioso: de batizado à primeira Eucaristia, de matrimônio à missa de sétimo dia, sem contar a procura por bêncãos personalizados e outros sacramentais. Isso pode desencadear no sacerdote personalizado um acúmulo de ministério, a ponto dele não encontrar mais espaço para a leitura pessoal, estudo, meditação, contemplação, retiros. Além disso, ele deveria compartilhar, sempre que possível, a demanda com os demais colegas do ministério, de acordo com o colegiado da fraternidade ou da comunidade de presbíteros;
4)Mesmo que seja na linha da condescendência da demanda proposta, que haja a a devida formação antes de todo e qualquer sacramento; que estes sacramentos sejam celebrados nas comunidades e não em espaços clandestinos e que o registro dos mesmo seja encaminhado às paróquias territoriais ou pessoais (cânores: 878, 896, 1111, 1121-1123).

10. Em resumo, Frei Giovanni não estaria errado, desde que seguisse as orientações da Igreja. Deste modo, estaria contribuindo para que a comunhão da Igreja não seja esfacelada, mas que os valores personalizados possam ser somados e reintegrados à grande comunidade do povo de Deus.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

A escolha de candidatos a Bispos


Gostaria de saber como acontecia a escolha dos candidatos a bispo nas primeiras comunidades cristãs e se ainda vigoram os mesmos critérios, antes de alguém ser eleito bispo?

As primeiras comunidades da era cristã tinham o costume de escolher ou sortear os seus bispos. Essas pessoas eram diferentes dos demais cristãos, em base ao próprio chamado de Cristo (cf. Mt 26,64; Lc 22,19; Jo 20,22-23). Nos Atos dos Apóstolos (At 6,1), bem como em outros textos sagrados (1Tm 5,17; Tt 1,5), constata-se que alguns no meio do povo eram eleitos ou sorteados (cf. At 1,26), como líderes. Eram denominados de anciãos, sacerdotes ou diáconos, e se destacavam pelos costumes e virtudes vividas dentro da comunidade cristã. Este costume envolvia a cooperação do Povo de Deus na escolha dos seus legítimos representantes (líderes), através da eleição dos candidatos aptos para desempenharem uma determinada função ou ofício dentro da Igreja (cf. At 1,15-23; 6,5). Esta prática, adotada pelas primeiras comunidades, serviu de embasamento ou critério ao curso da história durante longos séculos. A comunidade dos fiéis cristãos cooperava na eleição, dando o seu consentimento através do voto. Na eleição de um bispo, na tradição ocidental e na tradição oriental, fazia-se necessário este consentimento, tanto do clero, quanto da comunidade (povo). Nos séculos II e III os bispos de uma província eclesiástica eram eleitos para uma sé vacante com a participação dos fiéis clérigos e dos fiéis leigos daquela mesma sé. No Concílio de Nicéia I (325) foi tomada a decisão da confirmação do candidato eleito pelo metropolita, no caso de sé vacante.
O critério usado na eleição, para que fosse canônica, envolvia a participação do clero e do povo através do seu voto. O fundamento desta prática nas eleições evidencia-se pela compreensão teocrática de Igreja naquela época. Nesta compreensão, a participação do povo e do clero nas eleições formava uma espécie de conceito matrimonial entre a eleição e participação do fiéis, tendo o seu fundamento não somente no aspecto jurídico, mas no aspecto teológico da Igreja, vista como corpo místico de Cristo. Tratava-se do testemunho desses fiéis sobre a dignidade do candidato, que deveria haver boa reputação dentro da comunidade cristã, sendo, sobretudo, um bom exemplo contra os pagãos. A participação do povo nesta provisão canônica era um ato comunitário de cooperação no poder de regime dentro da Igreja.
Na época do Papa Inocêncio III, era grande a cooperação dos fiéis leigos nos vários ofícios e encargos da Igreja. Esses fiéis eram sujeitos ativos nos tribunais eclesiásticos, nas pregações, nas eleições pontifícias, e até casos de abadessas que eram ativas nas pregações e nas confissões. Os fiéis leigos eram organizados e conscientes de seus direitos e deveres dentro da Igreja. Porém, com o passar do tempo, foram possuídos pela tentação de substituir até mesmo os fiéis clérigos em seu ministério peculiar. Por isso, a Igreja teve que tomar um posicionamento de revisão destas práticas. Foi assim que a Igreja desencadeou a luta contra as investiduras laicais, que debilitavam o poder hierárquico e consequentemente aumentavam o poder laical. Com o passar do tempo, os fiéis leigos foram proibidos de cooperar nas eleições pontifícias. Houve exageros, sobretudo por alguns imperadores que intervieram na eleição de alguns Bispos na França, na Alemanha e na Espanha. Surge então o Concordato de Worms (1122), onde determina-se a exclusão da participação do povo e do poder civil organizado na eleição dos candidatos a bispos.
A luta contra as investiduras laicais foi resultado de um contexto histórico muito polêmico. A Igreja da época era impregnada de feudalismo. Isto lhe exigia uma luta constante na busca de sua autonomia diante do poder civil. A causa disto foi a invasão do poder político no campo eclesiástico. Um exemplo aconteceu com rei Henrique IV (1056-1106), que desde jovem era hostil à Igreja e, mesmo assim, a sua pretensão era haver a investidura por parte da Igreja.
Não obstante às vicissitudes negativas da história, a cooperação dos fiéis leigos na eleição de seus bispos foi parte integrante de sua história, sendo interrompida em parte e retomada de novo, dos primeiros séculos da era cristã até o início do século XX. Depois de promulgado o Código de Direito Canônico de 1917, os bispos passam a ser nomeados livremente pelo Romano Pontífice.

Os bispos são os sucessores dos Apóstolos, que por instituição divina, são ordenados para serem Pastores, mestres da doutrina, sacerdotes do culto sagrado e ministros do governo (can. 375, § 1). São diocesanos, quando estão aos cuidados de uma diocese; titulares, quando recebem apenas uma diocese como título honorífico; auxiliares ou coadjutores, quando são nomeados para o ministério, ao lado do bispo diocesano; eméritos, quando completam 75 anos de idade e recebem a renúncia pelo Papa. Somente os coadjutores têm direito à sucessão em caso de sede vacante.

De acordo com o cânon 378, § 1, do atual Código de Direito Canônico, observam-se os seguintes critérios na indicação do candidato a bispo:
1°) se destaque na fé e nos bons costumes, piedade, zelo pelas almas, sabedoria, prudência e virtudes humanas e outras qualidades inerentes ao ofício;
2°) goze de boa reputação;
3°) tenha ao menos trinta e cinco anos de idade;
4°) seja presbítero ordenado ao menos há cinco anos;
5°) tenha conseguido o doutorado, ou ao menos o mestrado, em Sagrada Escritura, teologia ou direito canônico, ou seja verdadeiramente perito em tais disciplinas.
O quinto critério nem sempre é observado em seu todo. As necessidades pastorais do povo de Deus urgem dos bispos a indicação de candidatos que possam assumir dioceses vacantes, que nem sempre possuem mestrado ou doutorado nas matérias acima. Porém, levam-se em consideração os conhecimentos gerais nessas áreas do saber, sobretudo a boa reputação dos candidatos.

Soe acontecer que quando o bispo está prestes a solicitar a renúncia da diocese (próximo aos setenta e cinco anos de idade), que ele indique um ou mais candidatos dentre os clérigos, que podem ser de sua diocese ou candidatos pertencentes à vida religiosa consagrada ou sociedades de vida apostólica. São pessoas de sua confiança, que possam dar continuidade à ação evangelizadora em sua diocese, ou em outra, de acordo com a necessidade do momento. A indicação dos nomes é endereçada ao Núncio Apostólico, que por sua vez desencadeia a consulta entre pessoas conhecidas do candidato. Então, o Núncio remete um questionário sigiloso a várias pessoas (clérigos, religiosos ou leigos) que possam atestar a idoneidade do candidato. O questionário possui várias questões ligadas à vida pessoal do candidato, seus dotes humanos, sua formação humana, cristã e sacerdotal, seu comportamento (conduta moral), preparação cultural, ortodoxia, disciplina, aptidões e experiência pastoral, dotes relacionados à possível liderança de uma diocese, capacidade administrativa, pública estima, dentre outras informações. As pessoas que respondem este sigiloso questionário, por sua vez, indicam outras pessoas, na perspectiva de um juízo global sobre a idoneidade do mesmo. Depois disso, a pessoa pode ser chamada pelo Núncio Apostólico e ser interrogado, se aceita o ministério de governo de uma diocese, seja, como bispo principal ou como bispo auxiliar. O candidato pode responder negativamente, desde que justifique o seu não. Em última análise, compete a ele dar ou seu sim ou o seu não ao governo de uma diocese. Pode acontecer, por exemplo, que a pessoa não esteja preparada para aquele momento e peça um tempo a mais. Quem sabe no futuro ela diga sim! Se responder afirmativamente, então o Núncio Apostólico apresenta o candidato ao Papa. O Papa, por sua vez, pode homologar ou não o candidato ou a lista de candidatos apresentadas pelo Núncio. Se a resposta for afirmativa, a pessoa é comunicada oficialmente e a seguir, iniciam-se os preparativos e a ordenação episcopal.