sábado, 28 de julho de 2012

Dispensado do sacerdócio e casado no civil

Timóteo, filho de uma família católica, praticante, entra para o seminário menor com 14 anos de idade. Faz toda a sua formação propedêutica, os cursos de filosofia e teologia. Ordena-se diácono e um ano depois, com 26 anos de idade, ordena-se presbítero. Exerce o seu ministério ordenado durante um ano no Brasil e depois, a pedido de seus superiores, é encaminhado para a Espanha, tendo em vista o mestrado em teologia bíblica. Lá, durante as noites escuras de seus questionamentos, encontra Valentina, por quem se apaixona e inicia um relacionamento amoroso. Entre altos e baixos, a sua crise dura 5 anos, até que se decide a abandonar o sacerdócio e se casa com Valentina no civil. Depois de alguns anos, resolve regularizar a sua dispensa na Igreja, tendo em vista a comunhão eucarística na Igreja. Apresenta a demanda e, depois de uma demora de quase 10 anos, recebe o indulto de dispensa da ordem sagrada e das obrigações derivantes do sacerdócio. Diante disso, Timóteo e Valentina perguntam se seria necessário repetir a celebração do matrimônio na Igreja, agora que estariam liberados para a comunhão eucarística, ou se haveria outra saída.

1. A dispensa do estado clerical (diaconato e presbiterado) envolve também a dispensa das obrigações que derivam das promessas do celibato na Igreja. É um longo itinerário, que inicia na diocese onde a pessoa foi ordenada, ou no Instituto de Vida Consagrada ou Sociedades de Vida Apostólica, se for o caso. Depois de reunidas todas as provas, o processo é encaminhado para a Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos. Se as provas forem convincentes, são então ratificadas pelo Papa, que dá o devido indulto ao demandante.

2. A ilustração do processo segue os seguintes passos:
1) Súplica do Demandante, escrita ao Papa, em que demonstre as verdadeiras causas que motivem a sua dispensa;
2) Curriculum vitae do Demandante;
3) Declaração de aceitação da Súplica do Demandante, dada pelo Ordinário Local;
4) Decretos de nomeação do Instrutor da causa e do Notário, dada pelo Ordinário Local;
5) Questionário, respondido pelo Demandante;
6) Questionário, respondido pelas Testemunhas indicadas pelo Demandante;
7) Parecer dos Formadores durante o seu tempo de formação;
8) Parecer do Instrutor (breve exposição do caso e aplicação do direito ao fato);
9) Parecer do Ordinário Local onde o Demandante está incardinado;
10) Declaração favorável do Ordinário local sobre a ausência de escândalo no caso do Demandante ser dispensado.

3. O itinerário supracitado pode ser rápido e, se for como manda o figurino, com provas que convençam, o indulto não demora muito. O problema surge, quando o Demandante ainda é muito jovem. Soe na Igreja, não dispensar pessoas que ainda não completaram os 40 anos de idade, por motivos de arrependimento. Surgiram casos no cenário da Igreja em que as pessoas pediram a dispensa e, por serem muito jovens, acabaram se arrependendo e querendo voltar atrás. Diante disso, a Igreja resolveu procrastinar os casos que entravam o processo, ainda muito jovens, para que de fato fosse séria a sua decisão.

4. O caso em epígrafe, de acordo com a entrevista feita, apresenta motivos convincentes, de que o Demandante já passava por frequentes crises já no tempo de sua formação inicial. Mantinha um relacionamento amoroso com uma garota, não obstante fosse já ordenado. Pensava que poderia sublimar isso, mas não conseguiu. Quando foi encaminhado para sua especialização no exterior, encontrou Valentina e o que pareciam meras amizades, com saídas juntos ao parque, cinemas, bares, com telefonemas diários, desencadearam no Demandante uma relação amorosa mais íntima. 4. Interrogado sobre o porquê de sua ordenação, uma vez que já se encontrava em crise, o Demandante respondeu que a sua vontade interior não foi bem deliberada naquele momento. Foi semelhante a certos matrimônios, em que as partes que o contraem, não estão suficientemente maduras para enfrentar as consequências da vida a dois. Na vida do presbítero, segundo ele, pode acontecer o mesmo drama. Quando a pessoa emite o juramento de fidelidade ao celibato e se ordena, mesmo não tendo muita certeza, sempre espera superar. Muitos ousam dizer: “Se não der certo, a gente descasa, a gente se divorcia”. No nosso estado de vida, de acordo com a resposta de Timóteo, também pode acontecer o adultério e se a pessoa não se emendar, pode levá-la ao divórcio com o consentimento emitido.

5. As dificuldades apresentadas pelo Demandante, certamente, não podem ser colocadas na falta de formação, pois ele foi formado em modo muito aberto, onde essas questões eram afrontadas com naturalidade pelos seus formadores. Além do mais, não lhe foi imposta a ordenação. Ele poderia muito bem ter respondido não a esse chamado, numa resposta mais profunda. Em sua fala ficou evidenciado que desde o primeiro envolvimento sexual com garotas, no fundo, ele já pensava em pedir a dispensa. Foi protelando a sua decisão, na expectativa de maior clareza, porém em vão. Foram anos e anos, entre altos e baixos, levando uma vida dupla entre o ser presbítero e ao mesmo tempo, flertando com algumas amigas do tempo da filosofia e da teologia e, mais tarde, com Valentina.

6. O juiz instrutor escreve em seu parecer que as principais razões que motivam a súplica do Demandante, são: a incompatibilidade entre a promessa do celibato e a sua libido sexual, que não conseguiu sublimar, a não ser numa relação conjugal estável. Também no confronto direto com o mundo consumista, houve o esfriamento daqueles valores assumidos, num consentimento eivado de indecisão. Se tudo é relativo no mundo atual, de acordo algumas afirmações do Demandante, então se divorciar do celibato também é relativo, o que resulta em valores desnecessários para a salvação. Diante disso, o juiz conclui que as dificuldades são permanentes, não vendo eu outra perspectiva, que a sua dispensa do estado clerical e das obrigações derivante do celibato.

7. O demandante, quando apresentou sua súplica, já era casado no civil. Não podia ter contraído núpcias na Igreja, porque estava vinculado à ordem sagrada (cânon 1087). Daí a preocupação que o motivou a esta demanda, tendo em vista o reconhecimento em sua comunidade, do indulto recebido da Igreja.

8. Diante do exposto, considerando que o Demandante já está casado diante do Estado (num casamento duradouro) e que não gostaria de repetir a cerimônia perante a Igreja, a saída encontrada é a sanatio in radice (sanação na raiz). A motivada súplica de Timóteo e Valentina pode ser dirigida ao bispo de sua diocese de domicílio. O decreto dado pelo ordinário local os libera do impedimento da forma canônica (cânon 1108), acontecido no seu casamento civil. Com este decreto, é reconhecido o seu casamento, como se fosse o matrimônio na Igreja, sem necessidade de outra celebração na comunidade eclesial. Para entender melhor a sanação na raiz, acesse: http://paroquiavirtualfreiivo.blogspot.com.br/2011/08/convalidacao-de-um-matrimonio-com.html.