quinta-feira, 25 de agosto de 2016

O que Deus uniu o ser humano não separe! Será que Deus uniu?

“A alegria do amor que se vive nas famílias é também o júbilo da Igreja. Apesar dos numerosos sinais de crise no matrimônio (...) ‘o desejo de família permanece vivo, especialmente entre os jovens, e isto incentiva a Igreja’” (Amoris Laetitia, 1). Assim, somos convidados a anunciar, em todas as circunstâncias, que “o que Deus uniu o homem não separe”. Mas hoje, mais do que ontem, percebemos inúmeras situações complexas na vida da família. Sempre foi uma preocupação da Igreja, e muito mais agora, com o empenho do Papa Francisco, atender, acolher e ajudar as pessoas feridas pelos matrimônios que passaram ou passam por sérias dificuldades. 
No mês de junho, a Diocese de Criciúma promoveu uma tarde de estudo com os padres, assessorada pelo pároco da Paróquia Sagrado Coração de Jesus, de Forquilhinha, e Doutor em Direito Canônico, Frei Ivo Müller (ofm). A atividade foi dedicada a esclarecer e repassar informações relevantes ao atendimento prestado pelos padres às pessoas para dar entrada em processos de declaração de nulidade matrimonial. A reportagem da Revista da Diocese acompanhou o encontro e, com base nas explanações feitas por Frei Ivo ao clero, fez algumas perguntas, cujas respostas compartilha nas próximas linhas:

RD: O que a maioria das pessoas alega ao pedir entrada nos processos de nulidade matrimonial?
Frei Ivo: A maioria das pessoas que nos procuram em busca de soluções, diante de um matrimônio edificado sobre a areia movediça, alegam que não estavam devidamente preparadas para a vida a dois. Ou eram imaturas, ou não conheciam, suficientemente, a outra pessoa.

RD: Dentre as causas apontadas, quais são os maiores equívocos, ou seja, que não comprovam que o matrimônio seja nulo?
Frei Ivo:Traições passageiras, o que torna muito difícil de ser perdoado, segundo eles. Também o fato de viverem muitos anos juntos e não saberem que seria possível declarar nulo um matrimônio. Há pessoas que viveram 20 ou 30 anos no martírio e depois tentam alegar motivos para dizer que o matrimônio foi inválido. Normalmente, os juízes do Tribunal Eclesiástico não se convencem diante da argumentação apresentada e acabam decidindo a favor do vínculo. Isso é duro de dizer, mas é a realidade dos fatos.

RD: O senhor disse que a maioria dos matrimônios já é nula no momento do consentimento. Pode falar mais sobre isso?
Frei Ivo: Sim. Se comparar a preparação que é feita ao matrimônio com a preparação de um religioso ou sacerdote, antes de dar o seu sim definitivo, se percebe uma grande diferença nos anos de estudo, muita oração e experiência de vida. Os cursos de noivos, em muitas de nossas paróquias no Brasil afora, se reduzem a um dia, ou até a meio dia, quando não são feitos até por correspondência. Os nubentes, naquele momento, podem estar pensando em tudo: na casa, na festa, no curso que estão fazendo, menos na conversão pessoal que terão que empreender, se quiserem assumir, de fato, a vida a dois em modo estável  e permanente. Se no momento decisivo do consentimento, a pessoa não ponderou o que está dizendo, as palavras tornaram-se infecundas e não produziram como deveria ser um consentimento válido, embora reconhecido pelo direito, enquanto não se prova o contrário. Exemplos disso, podemos constatar diante de pessoas que, mesmo tendo um curso superior em andamento ou completo, podem ser bons profissionais, porém, frágeis para assumir a instituição de um sacramento como o matrimônio. Também poderiam ser configurados os casos de gente que é muito imatura na compreensão do matrimônio. Por exemplo: casa somente porque os pais querem ou porque é bonito casar na Igreja. Isto não passa de um teatro diante da comunidade e da família. O Papa Francisco insiste muito no documento Amoris laetitia (Sobre o Amor na Família), que o matrimônio não é para qualquer pessoa, uma vez que se trata de uma séria vocação, que exige doação e sacrifício. 

RD: Durante sua palestra, o senhor também fez referência à falta de consciência de muitos casais que pensam em "casar enquanto durar". O que o senhor diria a esses casais? Como nossa Igreja pode mudar isso, de forma urgente, nos encontros de preparação?
Frei Ivo: Na realidade atual, as coisas mudam muito rapidamente. Com o efeito da celeridade da comunicação, via internet, nas redes sociais e outros meios, as pessoas tomam decisões rápidas, que nem sempre são consequentes. Exemplos disso poderiam ser buscados na compra de roupas, sapatos, carros, TVs, computadores, tablets, celulares. Se não me serve mais, compro um modelo mais sofisticado. Na vida a dois, há pessoas que agem de modo semelhante. Buscam a Igreja para se casar mas, no fundo, estão pensando: se tudo na vida muda, então no momento eu penso que dará certo. Mas se não der, a gente se separa e cada um vai pro seu canto. Eu diria a estes casais que nem tudo o que a sociedade comum nos apresenta é conveniente na família. Deveríamos ser prudentes. Se com nossos pais deu certo, porque comigo não daria? Mesmo atualizando-se ao cotidiano de nossas vivências, ainda é possível a gente fazer sacrifício, lavando os pés uns dos outros, especialmente na vida a dois. Sempre digo que quem casa não é para fazer feliz apenas a si mesmo, mas casa para que os dois sejam felizes. Não há soluções prontas na Igreja, que até se sente meio impotente diante disso. Penso que é urgente apostar numa pastoral familiar, não tanto de manutenção sacramental, mas numa formação permanente dos casais. O sacramento na Igreja não é um toque de mágica dado apenas no dia do sim, diante da comunidade. O matrimônio é um “vir a ser”, que se torna concreto na alegria e na tristeza, na saúde e na dor. O namoro continua até o dia da morte. A oração a dois, a leitura da Bíblia a dois ou a três (filhos), a participação da família na Igreja e a leitura espiritual do casal, de bons livros, muito podem contribuir como combustível e seiva viva, para que não apague a chama que ainda fumega.

RD: Gostaria de acrescentar alguma orientação importante?
Frei Ivo: Nem sempre a gente deveria dizer que “aquilo que Deus uniu, o ser humano não separe”. A pergunta a ser feita é: “será que Deus uniu e nós continuamos unindo?” Diante disso, não deveríamos condenar quem se separou ou se divorciou, diante de decisões que foram minadas desde o início, por simulação, exclusão das finalidades do matrimônio, por imaturidade, por problemas de ordem psíquica, por violência no lar e por outros tantos motivos. Então, se Deus não uniu porque faltaram os elementos essenciais na aliança conjugal, está na hora de trabalhar na Igreja proativamente, ou seja, em vez de excluir estes casais, trabalhar em prol da sua inclusão, seja pela participação em ministérios que se coadunam com o seu estado atual, seja procurando um padre para uma conversa prolongada sobre o porquê de não ter dado certo o seu matrimônio. Sempre existe uma saída, desde que a gente a procure. A Igreja é a mãe misericordiosa, que acolhe cada filho ou filha como é, no desejo de ser cada vez melhor.