sábado, 30 de abril de 2011

Uma parte quer o matrimônio na Igreja, mas a outra parte não concorda


A Sra. Coralina, nascida a 15 de janeiro de 1959, batizada na Catedral de Nossa Senhora da Luz, Diocese de Guarabira, Paraíba, no dia 29 de janeiro do mesmo ano, casou-se civilmente no dia 12 de setembro de 1992 em Duque de Caxias com o Sr. Joseilton. Domiciliada em nossa paróquia, residente na comunidade Frei Galvão, ela é freqüentadora assídua da comunidade. Preparou-se adequadamente durante dois períodos do Catecumenato de Adultos. Pretende fazer a Crisma com sua turma e poder comungar na Igreja. Mas o seu esposo não aceita se casar na Igreja. O que fazer diante disso?

O presente caso surgiu em minha atividade pastoral na Paróquia São Francisco, Duque de Caxias, onde eu exercia o meu ministério em 2009. Tal caso foi publicado no Guia da Diocese sobre Casos Pastorais, p. 24-25, que partilho com os internautas, conforme a exposição que segue:

Depois de uma conversa com Coralina na comunidade, pedi que ela fosse até a secretaria da paróquia, levando, se possível o seu esposo e alguma testemunha. No sábado seguinte, ela se apresentou, conforme a solicitação. Numa longa conversa com o seu esposo, constatei que ele não aceita contrair matrimônio na Igreja, porque isso seria desnecessário. Aliás, ele não vê sentido nisso. Segundo ele, seria uma repetição de celebração e que perante Deus, já está casado e jamais se separará dela. Ele insiste que não quer se casar na Igreja, porém, deixa a sua esposa livre, para que possa seguir o seu caminho nos demais sacramentos. Afirma com convicção que não vai se submeter a outra celebração, uma vez que já está casado com ela no civil e que isto basta. Contudo, ele participa na comunidade esporadicamente e está disposto a apoiar a sua esposa no súplice pedido em tela.
Constatei, depois de outra conversa com Coralina, que não haveria perigo de separação do casal, uma vez que já estão unidos, no consentimento dado em modo natural, há tantos anos, vivem bem e são exemplos dentro de sua comunidade. Ao interrogar ainda a ministra extraordinária da comunhão eucarística de sua comunidade, não me restou dúvidas de que forçá-los a contrair o matrimônio na Igreja só em função dela, seria agir com coação ou provocar nele o medo reverencial, o que não seria o nosso propósito nesta seara. Por outro lado, percebi na conversa com a esposa, atestada pelas palavras da ministra e catequista da comunidade, que o seu pedido, tendo em vista a Primeira Eucaristia e o sacramento da Confirmação, mesmo não sendo casados na Igreja, fundamenta-se numa vida cristã autêntica e numa conduta que merece o olhar misericordioso do Cristo, Bom Pastor.
Pedi então que ela escrevesse um pequeno histórico de seu pedido e que me trouxesse tal petição, para que eu o encaminhasse ao Bispo. Anexei ao seu pedido um testemunho por escrito da catequista, conforme o requerimento abaixo, com o parecer favorável do pároco.
Requerimento ao Bispo:
Em base ao caso supracitado, vimos humildemente suplicar de Vossa Excelência Reverendíssima o Decreto de Sanatio in Radice (cf. cânones 1161 a 1165), para que a Sra. Coralina possa comungar na Igreja e também possa receber o sacramento da Confirmação, que acontecerá no dia de Pentecostes do corrente ano.
Resposta: Uma semana depois, obtive a resposta afirmativa do Ordinário local, que foi transmitida à Sra. Coralina. O decreto foi comunicado também às paróquias onde as partes foram batizadas, para que conste à margem do Livro de Batismo o referido decreto, que para efeitos jurídicos, equivale ao matrimônio na Igreja.
Nota: Se um dia o Sr. Joseilton pretender também a comunhão na Igreja, não será necessário solicitar do Bispo um decreto para ele, uma vez que o atual decreto vale para as duas partes, mesmo que uma parte não concorde em sua solicitação.

sábado, 16 de abril de 2011

Licença da Santa Sé para alienar bens temporais


O ministro provincial de um Instituto de Vida Consagrada nos escreve, apresentando a questão da venda de um velho seminário, que está em desuso há vários anos e que não haveria interesse, da parte deles, em continuar com o imóvel, nem para as finalidades de origem, nem para outras finalidades de sua Província. Pergunta ele, se haveria a necessidade de consultar o Bispo diocesano ou a Santa Sé, para proceder à alienação deste bem temporal.

No passado, era muito comum os religiosos e religiosas consagradas afirmarem que os bens das Congregações ou Ordens religiosas, eram da Santa Sé. Se eram da Santa Sé, por conseguinte, as entidades apenas os administravam, sem direito à alienação. Porém, na legislação maior da Igreja, isso carecia de fundamentos jurídicos, porque tanto o Código de Direito Canônico de 1917, quanto o Código de 1983 sempre legislaram que: “A Igreja universal e a Sé Apostólica, as Igrejas particulares e qualquer outra pessoa jurídica, pública ou privada, têm capacidade de adquirir, possuir, administrar e alienar bens temporais, de acordo com o direito” (cânon 1255).

Diante do exposto, toda e qualquer entidade religiosa ou eclesiástica, desde que seja pessoa jurídica, goza de plenos direitos em sua gestão de negócios, salvo restando se o direito próprio determinar alguma restrição nesta área.

A alienação é a transferência de um direito real ou do controle sobre os bens que constituem patrimônio estável de uma pessoa jurídica pública (can. 1291), bem como toda a transação comercial, através da qual a condição patrimonial do instituto possa piorar, requer-se a licença do superior competente (can. 638, § 3; 1295).

A normativa maior da Igreja diz que: “quando o valor dos bens, cuja alienação se propõe, está entre a quantia mínima e a máxima a serem estabelecidas pela Conferência dos Bispos para sua própria região, a autoridade competente, em se tratando de pessoas jurídicas não sujeitas ao Bispo diocesano, é determinada pelo pelos próprios estatutos” (can. 1292, § 1).

As Conferências Episcopais das Nações estabelecem os valores máximos, como limites a serem observados em toda e qualquer alienação de uma pessoa jurídica eclesiástica ou religiosa. No caso do Brasil, de acordo com as normas complementares da Conferência Episcopal, o teto máximo estabelecido é o de três mil vezes o valor do salário mínimo vigente em Brasília (DF).

No caso da Ordem dos Frades Menores, é determinado em seus Estatutos Gerais (direito próprio), que “para alienar bens ou contrair dívidas cujo valor excede a dois terços da soma para além da qual se deve recorrer à Santa Sé, requer-se a licença por escrito do Ministro geral, com o prévio consentimento do Definitório provincial, quando do geral, manifestado por voto secreto” (EEGG, art. 244). Em outras palavras, se o bem temporal do instituto a ser alienado superar a duas mil vezes o valor do salário mínimo nacional, então deve solicitar a licença do Ministro geral. Caso contrário, entra na autonomia da própria província ou casa religiosa.

Lembramos ainda que objetos preciosos e ex-votos, com valor artístico ou histórico, não podem ser alienados sem a licença da Santa Sé (can. 1292, § 2). Do mesmo modo, não podem ser validamente alienadas sem a permissão da Santa Sé, as relíquias insignes ou outras relíquias e imagens de grande veneração popular (can. 1190).

Diante do exposto, eis alguns encaminhamentos à guisa de orientação prática:
1) Antes de mais nada, verificar o que é determinado, em relação à soma mínima e máxima, determinada no direito próprio do instituto religioso;
2) Fazer uma descrição sumária do objeto em questão, determinando a pessoa jurídica que deseja alienar o bem temporal; a descrição detalhada do objeto a ser alienado; a necessidade ou utilidade da alienação; o futuro uso do dinheiro auferido na venda; avaliação por escrito do bem a alienar, feita por peritos; a soma do valor estipulado pelos peritos e a indicação do moeda usada; o nome do comprador (se possível);
3) Um parecer por escrito do Ordinário local (bispo). Isto não é exigido por lei, sobretudo se o instituto for de direito pontifício, mas recomendado, por motivos pastorais e diplomáticos com a diocese;
4) O parecer favorável do Conselho (Definitório provincial ou Geral) do instituto.

Após os procedimentos anteriores, a solicitação deve ser encaminhada ao Moderador supremo do instituto religioso, que o encaminha para a Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica, na expectativa da aprovação da licença da Santa Sé.

sábado, 9 de abril de 2011

Violência doméstica e separação conjugal



Felisbino se casa na Igreja com Filomena, tem três filhas e vivem felizes por 20 anos. Na medida em que as filhas crescem, saem do doce lar vivido no interior de um sítio, à beira de um rio, para irem em busca de novos horizontes na cidade grande. Lá conseguem se formar e trabalhar. Com o sustento do trabalho, constroem o seu próprio lar e aos poucos vão esquecendo a vida de origem. Felisbino e Filomena continuam vivendo no doce lar do sítio, porém, com saudades das filhas, que não os visitam e nem telefonam. Um belo dia, Filomena, por um influência de uma das filhas, resolve abandonar o lar, contra a vontade de Felisbino e vai para junto das filhas. Cinco anos se passam e Felisbino, para não viver na solidão, resolve vender o sítio e se unir novamente à família. Na vida agitada da cidade, encontra resistências logo nos primeiros dias. Não tem a terra para plantar e ajardinar, nem o rio para pescar, nem as galinhas para cuidar. Então, começa a se embriagar, para esquecer um passado, construído com tanto empenho e dedicação. Um nefasto dia, chegando em casa, com forte cheiro de cachaça, é colocado pra fora do lar pela esposa e a filha. Dorme na área da área externa, num velho sofá cheio de pulgas, passando a noite ao relento de um gelado ar minuano. Três dias depois, a mesma cena. Revoltado com a situação, desencadeia a sua ira interior sobre Filomena, agredindo-a a coices e socos. Indefesa, a esposa cai e fere a sua cabeça, com cortes na testa e no braço direito. A cena é presenciada pelo neto, de 10 anos, que chama a mãe e resolvem na hora fazer um boletim de ocorrência. A seguir, colocam Felisbino para fora do lar, sem possibilidade de retorno.

O fato relatado revela a vida de milhares de pessoas, que apesar de casados, oficialmente na Igreja, nem sempre conseguem levar adiante a vida conjugal, de acordo com os compromissos assumidos no dia do consentimento. Diante disso, o que fazer?

As normas da Igreja sobre o sacramento, rezam que “o matrimônio ratificado e consumado não pode ser dissolvido por nenhuma causa, exceto a morte”(cânon 1141). No entanto, percebemos algumas possibilidades apresentadas nos cânones 1142 a 1150, como é o caso do adultério, que de fato pode levar a uma separação temporária ou permanente. O caso em tela, porém, é configurado na normativa do cânon 1153, que prevê a separação em casos de perigo para a convivência conjugal, com veremos a seguir.

As principais causas de separação conjugal, de acordo com o que reza cânon 1153, são as seguintes:
1) Grave perigo espiritual: a doutrina da Igreja entende que quando há perigo na vida espiritual de um dos cônjuges, o modo que se aconselha é a separação. Tal separação identifica-se como proteção da fé católica do cônjuge inocente e de sua prole. Este perigo existe, por exemplo, quando um cônjuge incita o outro, e seus filhos, de forma positiva, reiterada ou tácita, a cometer pecados graves ou empecilhos às suas obrigações religiosas;
2) Grave perigo corporal: isso ocorre quando há qualquer causa que seja um atentado à vida, à integridade física ou à saúde do cônjuge e de seus filhos. Neste caso, o Legislador tutela o direito da pessoa a dispor do que é necessário para bem conservar a sua integridade física e a de seus filhos. Exemplo: malícia de um dos cônjuges, quando atenta a vida do outro ou de seus filhos, com ameaças de morte ou golpes corporais. Também ocorre quando o culpado padece de uma grave enfermidade mental ou enfermidade contagiosa, ou ainda quando sofre de uma demência agressiva;
3) Grave dificuldade para a vida conjugal em comum: pode existir uma série de dificuldades que colocam em risco a vida comum do casal e de seus filhos. São as sevícias físicas e morais. As sevícias físicas envolvem condutas ou agressões contra o cônjuge ou seus bens materiais (socos, coices, golpes, arranhões, quebra de objetos no lar). As sevícias morais afetam o outro com palavras injuriosas, omissões, contra a dignidade, a honra e sentimentos, por difamação, insultos ou desprezo do outro. Em todo caso, a jurisprudência afirma que seja necessário que as sevícias sejam graves, reiteradas e que a separação seja o único modo para evitar o perigo da vida conjugal em comum.

Aplicando a normativa acima ao projeto de vida matrimonial, constatamos que a vida a dois exige o sacrifício, como parte integrante da aliança conjugal. No dia do consentimento, Felisbino e Filomena prometeram um ao outro a fidelidade, o amor, o respeito na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da vida. Constatamos também que o matrimônio é um vir a ser, que é lapidado no cotidiano, em que as partes não vivem apenas como se fossem ilhas, mas que um faça de tudo para que o outro seja feliz. Em outras palavras, o matrimônio traz no bojo a contínua renúncia, para que a felicidade do lar seja construída como a casa sobre a rocha. Porém, não se pode viver eternamente triste, separado e um sendo causa de violência para o outro, como no caso em tela. Percebemos que este matrimônio foi cultivado no jardim dos dois e dos filhos, durante anos. Mas na medida em que os horizontes se abriram para os filhos, obstruíram, aos poucos, os canais da felicidade do casal, porque os filhos não reconheceram a sua origem. Filomena poderia muito bem ter voltado ao esposo, mas preferiu seguir a vontade das filhas, somente porque isso trazia o “conforto e o bem estar da cidade”. E se Felisbino batesse o pé em permanecer em seu doce lar do sítio, construído com o suor de seu rosto, estaria encetando viver o resto de seus dias na solidão. E ainda, se houvesse o perdão da parte de Filomena - o que seria muito difícil, uma vez que fizeram até o boletim de ocorrência diante do fato da violência no lar - mesmo assim os cacos poderiam ser juntados, ajustados e a convivência conjugal, restabelecida. Porém, isso não aconteceu e somente um milagre de Deus poderia favorecer os canais do perdão e da reconciliação.

Diante do exposto, a saída é a separação temporária do casal. O Bispo pode conceder isto, por decreto (cânon 1153), mediante ilustrada justificativa. E se um dia houver a reconciliação, o casal poderá retornar à convivência conjugal. Caso contrário, existe ainda a saída do processo de nulidade deste matrimônio, contemplado nos cânones 1671 a 1706.