sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Unção dos enfermos a cristãos não católicos


Uma pessoa liga ao nosso Convento e pergunta se poderia trazer para a celebração comunitária da Unção dos Enfermos uma pessoa de outra religião. Explica ele que esta pessoa é muito boa, correta, praticante em sua Igreja e que gostaria imensamente de ser ungida, uma vez que isso é muito bonito na Igreja católica. Diante disso, surge-lhe a dúvida, se o sacramento poderia ser ministrado a cristãos não católicos.

1. Princípios teológicos

Desde o início da história da salvação, a enfermidade é inimiga do ser humano, porque quebra a sua harmonia interior, ameaça a vida, rompe com a fluência de suas energias positivas, além de abafar a sua dignidade e auto-estima. É um mal físico e moral, que por mais que se lute contra ele, muitas vezes a solução é padecer pacificamente. Um exemplo típico na Sagrada Escritura foi o de Jó, que lutou ardentemente para se libertar da enfermidade e das correntes que o amarravam ao sofrimento. Porém, no meio das tribulações, Jó supera suas crises e é considerado um herói diante de Deus e da humanidade.
O Papa João Paulo II exorta os doentes a aceitarem esse estado, conformando suas vidas a Cristo sofredor e contribuindo, desse modo, para a santidade da Igreja (Cf. PAPA JOÃO PAULO II, Exort. Ap.: Salvifici doloris, de 11 de fevereiro de 1984). Por outro lado, a Igreja intercede pelos doentes, pela conversão de seus pecados e a restituição da saúde para que eles possam reintegrar a comunhão fraterna espiritual e corporal dentro da comunidade. Nessa perspectiva, não há mais espaço na nova visão da Igreja para se falar de extrema unção, ou última unção, como se fosse o passaporte para a eternidade, mas de unção dos enfermos, para que lhes seja restituída a vida.
O Vaticano II tenta recuperar essa dimensão, quando afirma:
“Pela sagrada unção dos enfermos pela oração dos presbíteros, toda a Igreja recomenda os doentes ao Senhor, que sofreu e foi glorificado, para que os salve e reanime (cf. Tg 5,14-16) e sobretudo os exorta a se unirem de coração à paixão e morte de Cristo (cf. Rm 8,17; Cl 1,24; 2Tm 2,11-12; 1Pd 4,13), para o bem do povo de Deus”(SC 73).
O Código de Direito Canônico incorporou essa visão teológica, afirmando que “a Igreja recomenda ao Senhor sofredor e glorificado os fiéis gravemente doentes, para que os alivie e salve”(can. 998).

2. Matéria, forma e ministro do sacramento

A matéria é o “óleo de oliveira ou de outras plantas esmagadas”(can. 847, § 1). Esse óleo deve ser bento na celebração própria para isso pelo bispo (Quinta-feira Santa) ou em caso de necessidade e dentro da própria celebração, por qualquer presbítero (can. 999, 2º). A unção é feita na fronte e nas mãos do enfermo. Por um justo motivo pelo perigo de contágio de uma doença, se pode usar de um instrumento, como é o caso do algodão (can. 1000, § 2).
A forma, são as palavras do sacerdote, de acordo com a tradução oficial do ritual no Brasil:
“Por esta santa unção e pela sua piíssima misericórdia, o Senhor venha em teu auxílio com a graça do Espírito Santo (R. Amém). Para que, liberto dos teus pecados, ele te salve e, na sua bondade, alivie os teus sofrimentos. (R. Amém)”.
O ministro da unção válida é “todo sacerdote, e somente ele”(can. 1003, § 1).

3. Condições para alguém receber a Unção

1) Que seja uma pessoa batizada;
2) Que tenha atingido o uso da razão (tenha ao menos sete anos de idade). A unção de dementes, somente seja ministrada, se manifestarem a capacidade de raciocinar e querer livremente. Em caso de dúvida, administra-se o sacramento (can. 1005);
3) Que possua a devida intenção, ao menos implicitamente e inclua a vontade de viver de acordo com os princípios cristãos, ou em iminente perigo, que o solicite;
4) Que comece a estar em perigo de morte por doença ou por velhice. Embora o sacramento não é para moribundos, se aconselha essa praxe. Também pode ser ministrado antes de uma operação cirúrgica de risco;
5) Que não persevere em pecado grave ou manifesto (can. 1007). Isso é somente para a liceidade. Não é prudente instigar a pessoa ao arrependimento de seus pecados, sobretudo quando está prestes a passar para a outra vida.
A Unção dos enfermos pode reiterada, sempre o doente, uma vez convalescido, recaia na enfermidade grave ou se a enfermidade for permanente. Pastoralmente, se recomenda a repetição desse sacramento, que funciona como elixir para aliviar as tensões do enfermo.
Por outro lado, se recomenda que a Unção seja unida aos outros sacramentos, na seguinte seqüência: 1) Penitência; 2) Unção; 3) Eucaristia.
A celebração pode ser comunitária ou individual, de acordo com as circunstâncias. A celebração comunitária da Unção dos enfermos serve de incentivo e encorajamento aos que se encontram no martírio de uma doença, para que sejam fortalecidos e elevem a sua auto-estima dentro da comunidade.

4. Uma possível resposta ao fato

No Direito Canônico da Igreja católica, existe uma saída, se o caso em epígrafe for configurado à normativa do cânon 844. De acordo com tal norma, é permitida a administração dos sacramentos da eucaristia, penitência e unção dos enfermos, aos fiéis das Igrejas Orientais separadas e outras Igrejas equiparadas pela Sé Apostólica, desde que obedeçam as seguintes condições:
1) Haja solicitação espontânea;
2) Tenham a devida disposição para recebê-los;
3) Evitem o proselitismo.
Aos fiéis de outras denominações cristãs, é permitida a administração desses sacramentos, sob as seguintes condições:
1) Em perigo de morte;
2) Em caso de verdadeira necessidade, conforme o parecer do Bispo diocesano ou da Conferência Episcopal. Neste caso, as condições expressas no cânon 844, § 4, exigem que esses fiéis manifestem diante do sacramento a mesma fé católica e que estejam devidamente dispostos a recebê-los. Em outras palavras, podem ser batizados, receber a ceia, mas lhes falta neste momento a devida consciência cristã, equiparada à fé católica, justamente porque nestas denominações não existe o sacramento da unção dos enfermos.
Diante do exposto, não nos parece que a pessoa que está demandando o sacramento seja norteada pelas verdadeiras condições acima. Tudo indica que ela esteja norteada pela moda que existe em nossa sociedade de receber bênção e unção de qualquer jeito, como se os sacerdotes e pastores e pastoras fossem dispensadores de graças divinas, sem se questionar sobre a verdadeira intenção e preparação para receber o devido sacramento. O questionamento aqui vale também para uma grande maioria de católicos romanos, que também frequentam outras denominações cristãs, como se fosse um mercado de graças, bênçãos e unções. Portanto, sem saber o verdadeiro motivo para receber a unção na celebração comunitária, a Igreja católica não se sente autorizada a dispensar a tal sacramento a fiéis de outras denominações, salvo restando se preencherem as condições supramencionadas.