terça-feira, 22 de março de 2011

Testamento escrito, para quê?


Apareceu em nossa portaria o Sr. Pacômio, dono de
uma farmácia e síndico do prédio onde residia a Sra. Margarida. Ele alegou que Margarida era proprietária de um apartamento num bairro nobre do Rio de Janeiro e, infelizmente, faleceu há cerca de dois anos. De acordo com Pacômio,
esta senhora afirmava em vida que deixaria este imóvel para a nossa instituição. Contudo, Pacômio não tem nenhum documento sobre isto. Apenas nos apresentou uma fotocópia do documento do imóvel (nome da proprietária e localização), que diz estar em dia com as burocracias do condomínio. Também afirma que teria testemunhas, que poderiam confirmar que esta era a vontade desta senhora, ou seja, deixar o apartamento para nós. Além disso, afirmou que o espaço foi tomado, logo após o seu falecimento - porque ninguém respondia por ela - por um casal que morava no apto. da frente. Continuam lá e certamente não sairiam do prédio tão facilmente. Diante disso, como proceder?


A matéria em epígrafe pode ser configurada, por tabela, às causas pias ou vontades pias. No direito da Igreja, a vontade pia (can. 1299-1310), faz parte do cenário destinado ao culto divino ou ao próximo, pelos atos inter vivos ou causa mortis, sempre que estejam relacionadas a uma piedosa vontade. Podem ser classificadas entre eclesiásticas ou entre as vontades laicais. São eclesiásticas, se os seus bens miram uma pessoa jurídica eclesiástica (fundação pia autônoma ou fundação pia não autônoma). São vontades pias laicais se os seus bens estão destinados a uma finalidade religiosa ou caritativa, embora permanecendo sob o domínio de pessoas físicas (cf. Dicionário de Direito Canônico, p. 111).
Nesta última configuração, os bens correspondentes à vontade pia não estão sujeitos a uma pessoa jurídica eclesiástica, embora devam estar sob a vigilância do devido Ordinário em tudo o que é relacionado ao cumprimento da pia vontade. Exemplo: Caio é leigo consagrado. Recebeu de amiga, viúva, a doação de um imóvel. Ela falece e deixa estipulado em seu Testamento que Caio deve aplicar o dinheiro auferido no aluguel do imóvel na manutenção de uma creche que ela cuidava.
Lembramos ainda que a vigilância das vontades pias compete ao Ordinário (bispo ou ordinário religioso), para que sejam cumpridas as vontades pias inter vivos ou mortis causa (can. 1301).

Voltando ao caso concreto, a esfera da questão abrange também o Direito Civil. O novo Código Civil legisla sobre três tipos de testamento, ou seja, o testamento público, o testamento cerrado e o testamento particular (Art. 1862). Salvo melhor juízo, a matéria em foco entra na normativa do testamento público, que para ser válido, deve ser escrito por tabelião e assinado pelo testador, pelas testemunhas e pelo tabelião”(Art. 1864).

Mesmo diante de duas ou mais testemunhas, seria muito difícil comprovar que a vontade de Margarida tenha sido de fato o que afirma Pacômio. Nestas questões, deve haver muita prudência, uma vez que a mesma afirmação de Pacômio poderia facilmente ser contestada pela afirmação de quaisquer outras testemunhas, que pudessem afirmar algo em contrário, ou seja, que a vontade pia de Margarida não era a doação para nossa instituição, mas para outra pessoa jurídica. Poderia ocorrer ainda que aparecessem legítimos herdeiros, que com facilidade poderiam reverter a questão. Assim sendo, para que a vontade pia do doador pudesse ser efetuada, seria necessária a descoberta do Testamento público.

Diante do exposto, recomendamos aos internautas que sempre que ocorram questões deste gênero, que seja recomendado imediatamente o testamento por escrito, seja ele público, cerrado ou particular, evitando-se assim futuros dissabores ou desvios da vontade pia da pessoa falecida.