sábado, 10 de abril de 2010

Direito à intenção da Missa


Sou católica praticante. No mês passado, encomendei uma missa pela minha falecida mãe. Paguei a devida intenção na portaria do Santuário. Enorme foi minha surpresa ao participar da missa, quando anunciaram o nome de minha mãe e de mais três nomes de pessoas falecidas. Ao terminar a celebração, fui até a portaria para tirar uma satisfação e me disseram que apesar de ser uma missa individual, que eles costumam fazer isso, incluindo outras intenções. Então, gostaria de saber se isso é possível no Direito da Igreja?

A questão apresentada pela internauta faz parte do cenário comum de muitas paróquias ou santuários que acabam fazendo confusão entre missa individual e comunitária.

O cristianismo da primeira hora costumava levar oferendas, que eram partilhadas na hora da celebração, especialmente o vinho e o pão. Também levavam algumas ofertas, que serviam para manter o clero e o serviço aos pobres. Mais tarde, tais ofertas também acabavam sendo destinadas para a manutenção dos lugares de culto (igrejas, santuários, oratórios).

Nos séculos IX a XI da era cristã, os fiéis passaram a oferecer ofertas determinadas nas missas, porque o clero passou a exigir uma espécie de tarifa, destinada à sua manutenção. A Igreja, no entanto, insistia pela manutenção da gratuidade do serviço ministerial, recordando aos sacerdotes que eles estavam proibidos de exigir uma retribuição pela missa celebrada (cf. A. Fliche-V. Martín, Historia de la Iglesia, tom. VII, Valencia, 1975, p. 282). Assim, no decorrer da história, a Igreja sempre lutou contra toda e qualquer exercício que aparentasse comércio ou simonia. Contudo, continua em vigor na Igreja a normativa sobre as espórtulas de missas, quando se afirma que é “permitido receber a espórtula oferecida para que ele aplique a missa segundo determinada intenção (can. 945, § 1). Porém, a segunda parte desta normativa insiste com os sacerdotes, para que “mesmo sem receber nenhuma espórtula, celebrem a missa segundo a intenção dos fiéis, especialmente dos pobres”(can. 945, § 2).

Diga-se de passagem que uma vez encomendada a missa, é obrigatória a sua celebração por parte do sacerdote. Porém, não é obrigatória a participação por parte do fiel que a encomendou.

Voltando à questão da internauta, surgiu uma dúvida em 1991 sobre a normativa do cânon 948, onde se lê que: “Devem aplicar-se missas distintas, nas intenções daqueles em favor de cada um dos quais foi oferecida e aceita uma espórtula, mesmo diminuta”. De acordo com este cânon, seria então possível colocar dentro de uma mesma missa, várias intenções?

Em primeiro lugar, esclarecemos que do ponto de vista teológico e pastoral, o sacrifício da missa não deveria ser ofertado apenas para a intenção de um fiel, singularmente, como se fosse uma celebração personalizada. Cristo se ofertou a toda a humanidade e o sacerdote, na medida em que celebra a missa, faz memória deste sacrifício, celebrando em prol de toda a humanidade como Cristo assim o fez na última Ceia. Porém, do ponto de vista jurídico, as normas sobre as espórtulas, têm que ser observadas de acordo com a vontade do Supremo Legislador. Assim sendo, na consulta feita a Roma, a Congregação para o Clero respondeu oficialmente à questão com um decreto em 1991. Em resumo, este decreto distingue entre as missas individuais e missas comunitárias. Se forem missas individuais, não se pode defraudar a pia vontade dos fiéis (cf. J. B. Ferreres, Las misas según la disciplina vigente, Madrid, 1924, p. 305). Não se pode esquecer que a Igreja sempre esteve preocupada em não fazer destas missas um comércio.

No que se refere às missas comunitárias, especialmente nos lugares onde há escassez de clérigos, o decreto determina que “é necessário que se indique publicamente o lugar e a hora em que essa santa missa será celebrada”(Congregação para o Clero, Decreto: Mos iugiter, 6 de maio de 1991, art. 2).

Em base ao caso em tela, a partir da interpretação jurídica e sem desconsiderar a interpretação litúrgica sobre as intenções de missas, podemos tecer as seguintes conclusões:
1) Publicar em cada igreja aberta ao público a escala das missas individuais e missas comunitárias;
2) Perguntar sempre ao fiel se a sua intenção deva ser incluída numa missa individual ou numa missa comunitária, evitando-se posteriores dissabores.
3) Se a intenção da missa for individual, a igreja não tem o direito de incluir outra intenção. Ao mesmo tempo, tem ela o dever de celebrar na intenção do fiel, mesmo que ele não esteja presente naquela missa. E se porventura não puder celebrar naquela intenção, ou a delega para outra igreja repassando-lhe a devida espórtula, ou chama o fiel para remarcar o horário, se possível, ou para lhe devolver a espórtula;
4) Se a intenção da missa for comunitária, a igreja tem o direito de incluir outras intenções, respeitando-se sempre a intenção do fiel e o seu tácito consentimento. Ao mesmo tempo, tem ela o dever de celebrar tal missa, mesmo que as espórtulas sejam tão minguadas a ponto de não pagar nem as despesas e manutenção do local de culto e do clero;
5) Registrar as missas individuais no livro de missas, com as devidas intenções, mantendo isso no arquivo para que seja consultado, caso for necessário (can. 958). A falta do registro pode implicar em devolução de espórtula ou possíveis processos em caso de apelo por parte dos fiéis;
6) Evitar toda e qualquer aparência de escândalo ou comércio nas intenções, respeitando sempre o que determina a Província Eclesiástica sobre o valor das espórtulas (can. 952).

Portanto, em base ao exposto, não haveria espaço para incluir outras intenções naquela missa solicitada pela internauta, porque lhe havia sido esclarecido que aquela missa seria celebrada numa intenção individual.