sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Casado no civil, divorciado, pretendente ao matrimônio na Igreja

Macarena está namorando Felipe há cerca de três anos. Ela é livre, batizada na Igreja Católica, participante da comunidade. Felipe também é batizado na Igreja. Porém, foi casado com Giovanna, somente no civil, permanecendo vinculado a ela, sem filhos, por apenas dois anos. Devido às constantes infidelidades, Felipe resolveu por bem pedir o divórcio, uma vez que estava sendo “chifrado” quase todos os dias. Sendo participante ativo da comunidade, uma vez que o namoro com Macarena é promissor, vai até o pároco para consultá-lo, se ele poderia se casar na Igreja com a atual pretendente. O pároco, depois de uma longa conversa com os dois, percebeu que haveria fundada esperança de agora dar certo para Felipe. Contudo, não soube responder se isso seria possível, ou seja, se haveria qualquer impedimento ou irregularidade para os contraírem núpcias na Igreja?

A Igreja Católica sempre primou pelo interesse em proteger o matrimônio de seus fiéis, para que sejam unos e indissolúveis. Sempre deixou claro que Cristo elevou à dignidade de sacramento aquele pacto natural entre o homem e a mulher, destinado ao bem dos cônjuges, ao bem da prole e ao bem do sacramento. Contudo, somente a partir da controvérsia com os Protestantes (séc. XVI) houve a obrigatoriedade dos batizados católicos ao matrimônio na Igreja. A Igreja, a partir do Concílio de Trento, manifestou oficialmente o desejo de proteger seus fiéis contra os matrimônios clandestinos. Assim, decretou que todos os matrimônios deveriam ser celebrados de acordo com a forma canônica, desde que não fossem em contraste com a legislação civil. A forma canônica consistia na celebração feita diante do pároco, ou um sacerdote, ou diácono delegados por ele e na presença de duas ou mais testemunhas (Decreto Tametzi). A forma canônica, apesar de seus altos e baixos, somente passou ser obrigada em toda em toda a Igreja a partir de 1907 (Decreto Ne temere).

O Código de Direito Canônico determina que “somente são válidos os matrimônios contraídos perante o Ordinário local ou pároco, ou um sacerdote ou um diácono delegado por qualquer um dos dois como assistente, e além disso perante duas testemunhas”(cânon 1108, § 1). E onde há falta de sacerdotes ou diáconos, o Bispo diocesano, com a licença da Santa Sé, pode delegar fiéis leigos ou fiéis leigas para assistirem aos matrimônios de seus fiéis (cânon 1112, § 1). São as chamadas testemunhas qualificadas ao matrimônio. Essa abertura em prol da cooperação laical é favorecida pelo Vaticano II. A teologia que está por detrás da abertura é a compreensão de que os ministros do matrimônio são os próprios nubentes.

Aplicando a forma canônica ao caso em epígrafe, significa que todo cristão, batizado na Igreja católica ou nela recebido, está obrigado ao matrimônio oficial na Igreja. Por consequência, se o casamento acontece somente no civil, somente se torna válido perante a Igreja, se houver o interesse das partes em celebrar tal casamento de acordo com a forma canônica acima estipulada, que se converte em sacramento do matrimônio.

Em si, a Igreja não admite o divórcio civil de matrimônios sacramentos. Porém, na questão em epígrafe, isto não está em jogo, uma vez que o casamento anterior foi celebrado com defeito de forma, pelo fato ser apenas celebrado de acordo com o ordenamento civil e não constar, posteriormente, sua celebração na Igreja.

De acordo com o Direito da Igreja, apesar de os batizados na Igreja estarem obrigados à forma canônica, um casamento celebrado somente no civil não é considerado sacramento. E se é não é sacramento, mesmo que tenha havido o divórcio, não é necessário que o mesmo seja declarado nulo pela Igreja.

Portanto, se uma pessoa se casou somente no civil e se divorciou, como no presente caso, a Igreja não tem direito de interferir naquele casamento, porque não é de sua competência. Por conseguinte, a pessoa está livre para contrair novas núpcias na Igreja.