Aos internautas que se interessarem na capacitação para exercer a função de Advogado Canônico, Defensor do Vínculo e Juiz nos Tribunais Eclesiásticos, eis abaixo a grande chance:
Direito Canônico: serviço à justiça, à verdade e à caridade
No dia 26 de fevereiro passado, a Sé Apostólica, por decreto do cardeal Zenon Grocholewski, Prefeito da Congregação para a Educação Católica, aprovou e erigiu a Faculdade de Direito Canônico “São Paulo Apóstolo”, da arquidiocese de São Paulo. Na
mesma ocasião, também aprovou “ad experimentum", os seus Estatutos. Durante quase 15 anos, já existia em São Paulo o Instituto de Direito Canônico “Padre Dr. Giuseppe Benito Pegoraro”, que chegou a ser agregado à Pontifícia Universidade Lateranense de Roma e através dela conferia até mesmo títulos de mestrado e doutorado em Direito Canônico. Com esta decisão, a Santa Sé elevou o Instituto à condição de Faculdade eclesiástica autônoma, dando-lhe competência para conferir esses altos graus e títulos acadêmicos em seu próprio nome. A nova Faculdade rege-se pelo seu estatuto e pela legislação da Igreja, pertinente às instituições acadêmicas eclesiásticas, como as Universidades Católicas e os Institutos e Faculdades de Teologia.
A nova Faculdade foi instalada no dia 07 de abril passado, com solene Ato Acadêmico, que contou com a presença do Núncio Apostólico no Brasil, Dom Giovanni d’Aniello. Trata-se da primeira do gênero no Brasil e a segunda, na área de língua portuguesa; em Portugal existe mais uma. Em toda a América Latina, existem apenas outras duas congêneres. A Faculdade oferece novas possibilidades para a formação qualificada no Direito eclesiástico para todos os interessados, principalmente para quem presta seu serviço à Igreja. De fato, enquanto organização religiosa, a Igreja Católica possui seu
próprio Código de Direito, de origens bem remotas, que vem sendo reformado de tempos em tempos para adequar-se às novas situações da Igreja ao logo da história e aos diversos contextos culturais. A última grande reforma aconteceu após o Concílio Vaticano II e o atual Código de Direito Canônico foi promulgado pelo papa João Paulo II em 25 de janeiro de 1983. Este Código espelha bem a imagem da Igreja, presente no Concílio Vaticano II, cujos elementos essenciais são: a compreensão da própria Igreja como “povo de Deus”, cujos membros têm a mesma dignidade fundamental e participam, de modos diversos, da missão de Jesus Cristo ao longo da história; a autoridade hierárquica, entendida como serviço; o princípio da “comunhão”, que rege as relações entre os vários membros e os diversos graus de responsabilidade na organização interna e na vida eclesial.
A finalidade do Direito Canônico é eminentemente pastoral e isto significa que ele traduz para a organização e a vida da Igreja, para as relações entre as pessoas e instituições que a integram, aquilo que decorre da própria natureza e da razão de ser da Igreja. Seria equivocado achar que se trata de burocracia inútil, ou de legalismo farisaico, contrário à liberdade dos filhos de Deus. Como qualquer instituição humana, a Igreja também possui normas para assegurar o seu verdadeiro bem. Vale recordar que, onde não há Direito, acabam sendo negados os direitos. O exercício da atividade judiciária, enquanto aplicação do Direito, visa assegurar a justiça e o verdadeiro bem dos fieis e da própria Igreja, enquanto Instituição. Não é sem motivo que o último cânone do Código recorda, justamente, a lei suprema (“suprema lex”) da Igreja: a salvação das almas (cf. cân. 1752).
A nova Faculdade de Direito Canônico de São Paulo deverá preparar servidores da justiça eclesiástica e do exercício competente da atividade judiciária para assegurar ao povo de Deus a justiça, na verdade e na caridade. Bento XVI referiu-se, de maneira primorosa, à relação necessária entre justiça, verdade e caridade, no discurso feito aos membros do Tribunal da Rota Romana, na abertura do ano judiciário da Sé Apostólica, em 29.01.2010.
O Direito, antes de tudo, está a serviço da justiça. Por isso, na prática judiciária esta relação fundamental não pode ser deixada em segundo plano e, menos ainda, abafada; o processo e a sentença precisam ser a expressão dessa relação primária do Direito com a justiça, a cujo serviço estão orientados. O recurso a toda sorte de artifícios formais, para burlar a norma ou para a obstrução da justiça, leva à distorção do Direito. Mas a justiça não seria autêntica, se não estivesse afinada com a verdade. Sem respeito à verdade, não há justiça verdadeira. A verdade, às vezes, pode doer, mas ela
liberta. O Direito ficaria desvirtuado se, reduzido a mero instrumento técnico, se prestasse à afirmação de todo tipo de interesse subjetivo, mesmo sem fundamento na verdade. É necessário que a aplicação do Direito ande sempre de mãos dadas com a verdade. Enfim, quem administra a justiça não pode prescindir da caridade; esta não se contrapõe à justiça, nem à verdade. Poderia parecer contraditório, mas a inspiração última do Direito eclesiástico não é a justiça fria e cega, mas a justiça com o coração. Deus é justo e misericordioso. O amor a Deus e ao próximo deve iluminar toda
atividade judiciária, mesmo aquela, aparentemente, apenas técnica e burocrática. A esse respeito, ensina ainda o papa Bento XVI na Encíclica Caritas in Veritate (n. 6): ”a atenção à caridade ajudará a lembrar sempre que estamos diante de pessoas marcadas por problemas e sofrimentos. Também no campo específico do serviço judiciário, vale o princípio, segundo o qual ‘a caridade vai além da justiça’”. Contudo, não se pode deixar de afirmar que toda obra de caridade autêntica requer uma referência necessária à justiça. Quem ama com caridade os outros, é justo para com eles, acima de tudo. A justiça não é contrária à caridade, mas é inseparável dela e intrínseca à caridade.
Fonte: O Estado de São Paulo em 12.04.14, Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo de São Paulo
quinta-feira, 24 de abril de 2014
segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014
Bênção ou sacramento do Matrimônio?
Eu já me casei na Igreja Católica, mas me separei e
hoje encontrei a mulher da minha vida e estamos prestes a nos casar. Eu sei que
não posso me casar na Igreja, porém em um livro católico sobre casais em
segunda união estava escrito que um padre poderia dar uma benção ao casal (fato
ocorrido no casamento de Ronaldinho e Milene pelo Padre Antônio Maria),
gostaria de saber como isso e feito e se todos os padre podem dar esta benção.
Devemos distinguir ainda o
sacramento e uma simples bênção. O matrimônio é um sacramento, desde que
seja celebrado diante da Igreja, conforme as condições apresentadas acima. Já a
bênção é um sacramental, a exemplo da bênção da água, da bênção de casa,
de automóvel, de imagens, de medalhas, de um parto, ou de qualquer objeto ou
pessoa que a solicita. A eficácia da bênção não depende apenas do seu ministro,
mas sobretudo da fé de quem a solicita e procura ser coerente com os seus
princípios morais e religiosos.
Portanto, caro internauta, o padre só pode dar a bênção sobre a união de vocês, se ele tiver a licença do Bispo.
A presente questão faz parte do cenário cotidiano da
maioria dos cristãos, especialmente dos cristãos católicos romanos que se
casaram na Igreja, divorciaram-se e vivem numa nova união. Por isso, merece a
atenção da nossa parte, para que outros internautas possam acessar aos mesmos
esclarecimentos.
Antes de tudo, devemos relevar
que os ministros do matrimônio são os próprios cônjuges (cânon 1055, §
1). Porém, para haver o respaldo jurídico e sacramental, segundo o cânon 1108,
a Igreja exige que o matrimônio seja celebrado oficialmente. Se ao menos uma
parte é batizada na Igreja Católica, o matrimônio, para que seja válido, deve
ser celebrado diante de uma testemunha qualificada e na presença de duas
testemunhas. A testemunha qualificada pode ser: o Bispo, o pároco, um
sacerdote, um diácono, ou ainda uma leiga ou um leigo, devidamente investido
para esse ministério (cânon 1108-1114). Se o pároco não está em condições de
assistir ao matrimônio de seus fiéis, ele pode delegar qualquer uma destas
testemunhas qualificadas abaixo dele. E se não houver a delegação, o matrimônio
é inválido por defeito de forma de forma (cânon 1108). Isso faz parte da sã
tradição da Igreja, desde o Concílio de Trento, justamente para preservar os
direitos e deveres de seus fiéis. Evita-se os chamados matrimônios clandestinos,
que não têm nenhuma tutela da Igreja. Portanto, se alguém assiste a um
matrimônio sem a devida delegação do pároco, está transgredindo o Direito
Canônico e por consequência, fere a comunhão com a Igreja.
Um matrimônio contraído
validamente na Igreja, cria um vínculo estável e permanente. O Código é muito
claro ao afirmar que tenta
invalidamente contrair matrimônio quem está ligado pelo vínculo de matrimônio
anterior, mesmo que este matrimônio não tenha sido consumado (cânon 1085, § 1).
A Igreja não aceita o divórcio e para todos os efeitos, continua o vínculo de
todo e qualquer matrimônio, desde que seja contraído validamente, de acordo com
a forma canônica acima, e que não tenha sido declarado nulo pelo Tribunal da
própria Igreja (Tribunal Eclesiástico).
E o que fazer diante do caso do internauta? Seria possível uma bênção
da Igreja Católica como aquela efetuada com Ronaldinho e Milene pelo
Padre Antônio Maria?
Não compete a nós julgar se foi
legítima ou não a bênção proferida pelo Padre Antônio Maria, porque não temos
conhecimento se ela estava ou não autorizada pela da Igreja Católica. Em todo
caso, do ponto de vista prático, parece que não foi muito fecunda, porque durou
apenas 83 dias.
No caso de bênção de
casamentos que não podem ser oficializados pela Igreja, esta possibilidade
existe, mas não é vista com bons olhos. O posicionamento oficial da Igreja é
que não se realize esse tipo de bênção, sobretudo se for em pública, porque
isso pode provocar confusão nos fiéis cristãos católicos, por ser confundida
com o sacramento do matrimônio, como aconteceu com o exemplo citado. E se for
em privado, que as partes sejam esclarecidas, de que isso não é sacramento na
Igreja e, portanto, não tem nenhum respaldo de matrimônio válido na mesma. Além
do mais, o sacerdote ou qualquer outro
ministro da bênção, deve sempre consultar as normas da Diocese. Se a
Diocese permite esse tipo de bênção, então deve haver do seu Bispo diocesano, a
licença para realizá-la e em quais circunstâncias ela pode ser efetivada. Se o
Bispo negar essa licença, nada feito.
Portanto, caro internauta, o padre só pode dar a bênção sobre a união de vocês, se ele tiver a licença do Bispo.
sábado, 18 de janeiro de 2014
Paróquia territorial ou pessoal
1. Numa de nossas paróquias foram distribuídas fichas, destinadas ao cadastro de quem quisesse receber uma visita dos franciscanos. Tal visita seria direcionada à benção de casas, apartamentos e às pessoas enfermas. Porém, ao entabular os endereços, enorme foi a surpresa. A maioria era das paróquias vizinhas ou até de outros municípios. Meio frustrado, o pároco reuniu os frades coadjuvantes para avaliar a questão, em busca de uma resposta sobre os novos segmentos de fiéis católicos que frequentam nossas comunidades.
2. Na história da Igreja, as paróquias territoriais existem desde o século XII. Antes disso, a maioria dos fiéis frequentavam as catedrais, vindos de grandes distâncias em busca do sagrado. Somente a partir de 1150, fruto do confronto entre ricos proprietários, nobres que pretendiam haver o domínio da Igreja em mãos, a Igreja viu-se na necessidade de organizar a vida do Povo de Deus em pequenas porções do rebanho de Cristo, denominadas de paróquias, que eram confiadas aos cuidados de um pastor, chamado, na época, de vigário. Os vigários eram nomeados pelos Bispos e não pelos fazendeiros. Em cada sítio ou povoado havia uma paróquia, com média de 500 habitantes (fiéis cristãos católicos). O vigário (pároco) era o seu encarregado, também chamado de cura d’almas. Ele tinha a incumbência de cuidar para que essa porção do Povo de Deus pudesse ser evangelizada, especialmente na questão sacramental de seus habitantes. O Concílio Lateranense IV (1215), por exemplo, determinava que cada cristão devia confessar-se e comungar na sua própria paróquia, ao menos uma vez por ano. Somente o vigário podia administrar o batismo e celebrar o matrimônio canônico.
3. No direito da Igreja Católica, a paróquia é definida como “uma determinada comunidade de fiéis, constituída estavelmente na Igreja particular, e seu cuidado pastoral é confiado ao pároco como a seu pastor próprio, sob a autoridade do Bispo diocesano”(cânon 515, § 1). Via de regra, as paróquias são circunscrições eclesiásticas territoriais que compreendem todos os fiéis de um determinado território. Contudo, existe no direito da Igreja a possibilidade de erigir paróquias pessoais, que são constituídas em razão de rito, língua ou nacionalidade dos fiéis de um território, ou por outras necessidades (cânon 518). Independente de ser territorial ou pessoal, o direito deixa uma lacuna, desde que seja preservada a comunhão eclesial, que embora possua sempre uma dimensão universal, encontra a sua expressão mais imediata e visível na paróquia (cf. Christifideles Laici, 26).
4. Ao lançar o olhar sobre a conjuntura social e eclesial de nossos dias, sobretudo nos grandes centros urbanos e de periferias metropolitanas, os fiéis católicos não estão mais interessados em ser sócios de uma determinada paróquia. O foco de interesse está centrado naquilo que acolhe a sua demanda. Se ele gostar mais de uma igreja, por causa de sua arquitetura, pinturas ou santo de sua preferência, procura tal comunidade pra batizar o seu filho, ou os demais sacramentos e bênçãos de seu interesse. O mesmo ocorre com o seu desejo em frequentar a comunidade que tem o sacerdote, o religioso, a religiosa ou aquele agente eclesial que lhe acolhe bem, que perscrute no primeiro olhar ou diálogo à baila, que ali está uma pessoa diante do agente eclesial e não tanto um número a mais. Exemplo disso nós vemos em algumas comunidades ou santuários do Rio de Janeiro, em que as pessoas nem sabem dizer qual é a sua paróquia de origem ou de destino. Porém, saem felizes no atendimento e sempre voltam, ou circulam de igreja em igreja, em busca do sagrado que se coadune com o seu desejo, compreensão intelectual, racional ou emocional. E não esqueçamos que devido às facilidades de locomoção, as pessoas transitam hoje com muita facilidade de um centro a outro, de uma igreja a outra, de um santuário a outro. Normalmente, o seu desejo está ligado a outras necessidades. Por exemplo, se ele vai ao centro comercial, ao centro jurídico, à feira livre, ao centro desportivo ou Shopping Center, já aproveita para frequentar o ambiente religioso do seu entorno. Daí a necessidade destes ambiente religiosos estarem abertos no horário que o povo procura e não somente nos sábados e domingos. Se isso é o ideal ou não, é outra questão, uma vez que não cria vínculo com esta ou aquela comunidade. Também pode deixar a desejar, se for levada em conta a documentação necessária aos registros, próprios de uma paróquia (livro de batismo, de crismas, de matrimônios). E o dízimo, então, nem se fala! Porém, nem só de dízimo vivem as comunidades! Podem ser organizadas outras formas de contribuição, comumente presentes nestes tipos de comunidades abertas. Exemplo disso são as coletas, velários eletrônicos e cofres. E os pré-requisitos de cursos de preparação e toda e qualquer documentação, pode transitar de uma paróquia ou diocese a outra, sem maiores dificuldades, desde que o atendimento se responsabilize por estes detalhes.
5. Portanto, sem a pretensão de esgotar o assunto em pauta, seria possível sonhar com paróquias pessoais, que pudessem atender à demanda de segmentos diferenciados, sobretudo porque os fiéis de hoje não são como os fiéis de antigamente, onde tudo era mais estável e duradouro. A liberdade religiosa, apregoada pelo Concílio Vaticano II, não passa apenas pelo aspecto da múltipla pertença a denominações cristãs diferentes. Passa também pelas paróquias ou comunidade diferente, sem perder de vista a comunhão com o todo do Sagrado!
2. Na história da Igreja, as paróquias territoriais existem desde o século XII. Antes disso, a maioria dos fiéis frequentavam as catedrais, vindos de grandes distâncias em busca do sagrado. Somente a partir de 1150, fruto do confronto entre ricos proprietários, nobres que pretendiam haver o domínio da Igreja em mãos, a Igreja viu-se na necessidade de organizar a vida do Povo de Deus em pequenas porções do rebanho de Cristo, denominadas de paróquias, que eram confiadas aos cuidados de um pastor, chamado, na época, de vigário. Os vigários eram nomeados pelos Bispos e não pelos fazendeiros. Em cada sítio ou povoado havia uma paróquia, com média de 500 habitantes (fiéis cristãos católicos). O vigário (pároco) era o seu encarregado, também chamado de cura d’almas. Ele tinha a incumbência de cuidar para que essa porção do Povo de Deus pudesse ser evangelizada, especialmente na questão sacramental de seus habitantes. O Concílio Lateranense IV (1215), por exemplo, determinava que cada cristão devia confessar-se e comungar na sua própria paróquia, ao menos uma vez por ano. Somente o vigário podia administrar o batismo e celebrar o matrimônio canônico.
3. No direito da Igreja Católica, a paróquia é definida como “uma determinada comunidade de fiéis, constituída estavelmente na Igreja particular, e seu cuidado pastoral é confiado ao pároco como a seu pastor próprio, sob a autoridade do Bispo diocesano”(cânon 515, § 1). Via de regra, as paróquias são circunscrições eclesiásticas territoriais que compreendem todos os fiéis de um determinado território. Contudo, existe no direito da Igreja a possibilidade de erigir paróquias pessoais, que são constituídas em razão de rito, língua ou nacionalidade dos fiéis de um território, ou por outras necessidades (cânon 518). Independente de ser territorial ou pessoal, o direito deixa uma lacuna, desde que seja preservada a comunhão eclesial, que embora possua sempre uma dimensão universal, encontra a sua expressão mais imediata e visível na paróquia (cf. Christifideles Laici, 26).
4. Ao lançar o olhar sobre a conjuntura social e eclesial de nossos dias, sobretudo nos grandes centros urbanos e de periferias metropolitanas, os fiéis católicos não estão mais interessados em ser sócios de uma determinada paróquia. O foco de interesse está centrado naquilo que acolhe a sua demanda. Se ele gostar mais de uma igreja, por causa de sua arquitetura, pinturas ou santo de sua preferência, procura tal comunidade pra batizar o seu filho, ou os demais sacramentos e bênçãos de seu interesse. O mesmo ocorre com o seu desejo em frequentar a comunidade que tem o sacerdote, o religioso, a religiosa ou aquele agente eclesial que lhe acolhe bem, que perscrute no primeiro olhar ou diálogo à baila, que ali está uma pessoa diante do agente eclesial e não tanto um número a mais. Exemplo disso nós vemos em algumas comunidades ou santuários do Rio de Janeiro, em que as pessoas nem sabem dizer qual é a sua paróquia de origem ou de destino. Porém, saem felizes no atendimento e sempre voltam, ou circulam de igreja em igreja, em busca do sagrado que se coadune com o seu desejo, compreensão intelectual, racional ou emocional. E não esqueçamos que devido às facilidades de locomoção, as pessoas transitam hoje com muita facilidade de um centro a outro, de uma igreja a outra, de um santuário a outro. Normalmente, o seu desejo está ligado a outras necessidades. Por exemplo, se ele vai ao centro comercial, ao centro jurídico, à feira livre, ao centro desportivo ou Shopping Center, já aproveita para frequentar o ambiente religioso do seu entorno. Daí a necessidade destes ambiente religiosos estarem abertos no horário que o povo procura e não somente nos sábados e domingos. Se isso é o ideal ou não, é outra questão, uma vez que não cria vínculo com esta ou aquela comunidade. Também pode deixar a desejar, se for levada em conta a documentação necessária aos registros, próprios de uma paróquia (livro de batismo, de crismas, de matrimônios). E o dízimo, então, nem se fala! Porém, nem só de dízimo vivem as comunidades! Podem ser organizadas outras formas de contribuição, comumente presentes nestes tipos de comunidades abertas. Exemplo disso são as coletas, velários eletrônicos e cofres. E os pré-requisitos de cursos de preparação e toda e qualquer documentação, pode transitar de uma paróquia ou diocese a outra, sem maiores dificuldades, desde que o atendimento se responsabilize por estes detalhes.
5. Portanto, sem a pretensão de esgotar o assunto em pauta, seria possível sonhar com paróquias pessoais, que pudessem atender à demanda de segmentos diferenciados, sobretudo porque os fiéis de hoje não são como os fiéis de antigamente, onde tudo era mais estável e duradouro. A liberdade religiosa, apregoada pelo Concílio Vaticano II, não passa apenas pelo aspecto da múltipla pertença a denominações cristãs diferentes. Passa também pelas paróquias ou comunidade diferente, sem perder de vista a comunhão com o todo do Sagrado!
sábado, 16 de novembro de 2013
Dúvidas sobre matrimônio nulo ou válido
1. Maria procura um sacerdote entendido na área de nulidade matrimonial e relata a sua tristeza, pelo fato de um juiz do Tribunal da Igreja dizer que seu matrimônio, apesar de falido, continua válido. O sacerdote pede-lhe que conte os motivos, pelos quais procurou o Tribunal e qual foi resposta dada. Maria expõe o resumo de sua história, afirmando que Deus não pode ter unido a sua vida ao ex-esposo, alegando que casou por medo de sua mãe, que a obrigou ao matrimônio. Maria afirma que não amava o pretendente, que achava ele muito machista, que só queria casar pra fazer sexo, ter uma boa cozinheira e que pudesse cuidar da casa, enquanto ele pudesse continuar a sua vida como se fosse solteirão. De fato, depois de casada, Maria ficava em casa enquanto o seu esposo saía para as noitadas com os amigos, voltava embriagado e ainda a ameaçava de violência. Maria suportava tudo isso, para não criar problemas com sua mãe. Esperava que tudo pudesse mudar. Veio então um filho, que foi educado num lar bastante desestruturado. Depois de dez anos, entre altos e baixos, o seu esposo a abandonou. Hoje ele convive com sua amante e ri de Maria, dizendo que ela não foi a esposa que ele pretendia. Maria escuta um programa que passava num canal de TV católica, onde o apresentador dizia que “se Deus não uniu, então o ser humano pode se separar”. Maria procura então o Tribunal Eclesiástico, na tentativa de uma solução ao seu caso.
2. Os Tribunais Eclesiásticos foram organizados na Igreja, tendo em vista resgatar a dignidade dos fiéis cristãos. Ocupam-se em dirimir casos que envolvem a lesão dos direitos e deveres de todos os fiéis cristãos, seja na dimensão pessoal, seja na dimensão comunitária, como é o caso do matrimônio, porque é uma comunidade de vida, no contexto da grande comunidade, que é a Igreja. Em respeito ao que reza o cânon 1674 do atual Código de Direito Canônico, é um direito de todo fiel cristão, batizado na Igreja ou nela acolhido, de impugnar o próprio matrimônio, sobretudo quando houve a falência da sociedade conjugal. Este direito é parte integrante dos próprios cônjuges, uma vez que são eles os ministros desse sacramento na Igreja.
3. Diga-se de passagem o matrimônio ratificado e consumado, somente pode ser declarado nulo por um impedimento (cânon 1083-1094), por defeito de forma (cânon 1108-1117) ou pelos vícios de consentimento (cânon 1095-1103). Porém, a maioria dos cristãos católicos desconhece o direito de impugnar o seu próprio matrimônio. Falta-lhes uma orientação adequada, na tentativa de aliviar a consciência diante de histórias fracassadas na vida a dois, com o devido respaldo da Igreja. A Igreja, sendo mãe a serviço da misericórdia, coloca os Tribunais Eclesiásticos à disposição desses matrimônios mal sucedidos em busca da melhor saída diante de cada caso apresentado.
4. Maria, ao ter maior clareza deste seu direito, procura o Tribunal. Lá chegando, apresenta a sua história. O Vigário Judicial pede-lhe então que escreva o libelo, colocando tudo em detalhes, para verificar se há fundamentos. Ela volta dias depois e entrega o libelo, com cerca de dez páginas. Porém, para sua tristeza, uma semana depois é chamada pelo Vigário, que diz pra ela desistir, porque a sua história não tem fundamento.
5. Dois anos depois, Maria procura então uma pessoa entendida na área, porque não se contenta com o que disse o Vigário Judicial. O entendido no assunto não mata a charada, dizendo que seu matrimônio foi válido ou inexistente. Contudo, orienta Maria para que encaminhe os seguintes passos:
1) Fundamente melhor o libelo a ser reapresentado no Tribunal;
2) Se for o caso, que peça ao Tribunal que nomeie um advogado canônico para que lhe ajude nesta seara;
3) Com ou sem advogado, o Vigário Judicial deve então formular as dúvidas, ou seja, se este matrimônio pode ser válido ou nulo, segundo o Direito Canônico;
4) Depois de formulados os possíveis capítulos de nulidade, o Tribunal convoca as partes para contestar estas dúvidas. Se a parte demandada não comparecer, é convocada uma segunda vez e se mesmo assim não comparecer, o processo vai adiante;
5) Após esta entrevista no Tribunal, são convocadas para depor as testemunhas apresentadas (normalmente, de 3 a cinco pessoas, que possam atestar o que a demandante, Maria, afirmou em seu libelo ou algo a mais);
6) Se o caso envolver alguma questão psicológica, é solicitada uma perícia pelo Tribunal, tendo em vista a maior clareza sobre um possível defeito no consentimento dado e na posterior vida matrimonial;
7) Quando tudo está pronto e bem argumentado, três juízes são convocados para o julgamento do caso. Se ainda não ficou claro, pode haver busca de maiores provas. Se a sentença for afirmativa em prol da nulidade, o caso deve ser homologado pela Segunda Instância (outro Tribunal Eclesiástico). Se não passar na Segunda Instância, ainda há direito das partes de apresentarem o caso à Terceira Instância, que é a Rota Romana (Tribunal em Roma).
6. Portanto, salvo restando melhor juízo, não basta que um Juiz da Igreja leia uma história inicial, escrita pela pessoa, muitas vezes carente de melhores argumentos, para afirmar se o matrimônio de Maria foi válido ou nulo. A melhor orientação naquele momento seria pedir que reescrevesse o seu libelo, ajudando a demandante a chegar a uma certeza moral, com argumentos sólidos, que perpassam afirmações dos cônjuges, sua história de vida antes e depois do consentimento, suas testemunhas e demais provas, de acordo com cada caso apresentado. Que a misericórdia seja buscada e que seja iluminada pela justiça divina e eclesiástica!
2. Os Tribunais Eclesiásticos foram organizados na Igreja, tendo em vista resgatar a dignidade dos fiéis cristãos. Ocupam-se em dirimir casos que envolvem a lesão dos direitos e deveres de todos os fiéis cristãos, seja na dimensão pessoal, seja na dimensão comunitária, como é o caso do matrimônio, porque é uma comunidade de vida, no contexto da grande comunidade, que é a Igreja. Em respeito ao que reza o cânon 1674 do atual Código de Direito Canônico, é um direito de todo fiel cristão, batizado na Igreja ou nela acolhido, de impugnar o próprio matrimônio, sobretudo quando houve a falência da sociedade conjugal. Este direito é parte integrante dos próprios cônjuges, uma vez que são eles os ministros desse sacramento na Igreja.
3. Diga-se de passagem o matrimônio ratificado e consumado, somente pode ser declarado nulo por um impedimento (cânon 1083-1094), por defeito de forma (cânon 1108-1117) ou pelos vícios de consentimento (cânon 1095-1103). Porém, a maioria dos cristãos católicos desconhece o direito de impugnar o seu próprio matrimônio. Falta-lhes uma orientação adequada, na tentativa de aliviar a consciência diante de histórias fracassadas na vida a dois, com o devido respaldo da Igreja. A Igreja, sendo mãe a serviço da misericórdia, coloca os Tribunais Eclesiásticos à disposição desses matrimônios mal sucedidos em busca da melhor saída diante de cada caso apresentado.
4. Maria, ao ter maior clareza deste seu direito, procura o Tribunal. Lá chegando, apresenta a sua história. O Vigário Judicial pede-lhe então que escreva o libelo, colocando tudo em detalhes, para verificar se há fundamentos. Ela volta dias depois e entrega o libelo, com cerca de dez páginas. Porém, para sua tristeza, uma semana depois é chamada pelo Vigário, que diz pra ela desistir, porque a sua história não tem fundamento.
5. Dois anos depois, Maria procura então uma pessoa entendida na área, porque não se contenta com o que disse o Vigário Judicial. O entendido no assunto não mata a charada, dizendo que seu matrimônio foi válido ou inexistente. Contudo, orienta Maria para que encaminhe os seguintes passos:
1) Fundamente melhor o libelo a ser reapresentado no Tribunal;
2) Se for o caso, que peça ao Tribunal que nomeie um advogado canônico para que lhe ajude nesta seara;
3) Com ou sem advogado, o Vigário Judicial deve então formular as dúvidas, ou seja, se este matrimônio pode ser válido ou nulo, segundo o Direito Canônico;
4) Depois de formulados os possíveis capítulos de nulidade, o Tribunal convoca as partes para contestar estas dúvidas. Se a parte demandada não comparecer, é convocada uma segunda vez e se mesmo assim não comparecer, o processo vai adiante;
5) Após esta entrevista no Tribunal, são convocadas para depor as testemunhas apresentadas (normalmente, de 3 a cinco pessoas, que possam atestar o que a demandante, Maria, afirmou em seu libelo ou algo a mais);
6) Se o caso envolver alguma questão psicológica, é solicitada uma perícia pelo Tribunal, tendo em vista a maior clareza sobre um possível defeito no consentimento dado e na posterior vida matrimonial;
7) Quando tudo está pronto e bem argumentado, três juízes são convocados para o julgamento do caso. Se ainda não ficou claro, pode haver busca de maiores provas. Se a sentença for afirmativa em prol da nulidade, o caso deve ser homologado pela Segunda Instância (outro Tribunal Eclesiástico). Se não passar na Segunda Instância, ainda há direito das partes de apresentarem o caso à Terceira Instância, que é a Rota Romana (Tribunal em Roma).
6. Portanto, salvo restando melhor juízo, não basta que um Juiz da Igreja leia uma história inicial, escrita pela pessoa, muitas vezes carente de melhores argumentos, para afirmar se o matrimônio de Maria foi válido ou nulo. A melhor orientação naquele momento seria pedir que reescrevesse o seu libelo, ajudando a demandante a chegar a uma certeza moral, com argumentos sólidos, que perpassam afirmações dos cônjuges, sua história de vida antes e depois do consentimento, suas testemunhas e demais provas, de acordo com cada caso apresentado. Que a misericórdia seja buscada e que seja iluminada pela justiça divina e eclesiástica!
sexta-feira, 11 de outubro de 2013
Separado, com duas filhas e quer ser sacerdote franciscano

Penso que devemos partir do pressuposto que nunca é tarde para encontrar o caminho da felicidade, mas tendo os pés no chão em base aos compromissos assumidos e o futuro vínculo com vida consagrada, se é que isto seja possível em base ao que segue:
1. Do ponto de vista do direito próprio dos institutos de vida consagrada (congregações ou ordens religiosas), de acordo com o cânon 643, § 1, 2°, é vetado o ingresso na vida religiosa consagrada, através do noviciado, ao cônjuge que ainda esteja ligado ao vínculo matrimonial. Tal vínculo surge de matrimônios ratificados e consumados, ou de matrimônios simplesmente ratificados. Por outro lado, não se constitui em impedimento, o caso de pessoas viúvas e daqueles que já receberam a dispensa do Romano Pontífice, por matrimônio não consumado ou ainda por um matrimônio declarado nulo pela Igreja.
2. Em sentido mais amplo, a Igreja não admite o divórcio civil de casamentos realizados na Igreja (matrimônios), por se constituírem em sacramento. Mas não é o caso, porque Abelardo e Filomena se casaram apenas no civil. E mesmo que tivessem contraído matrimônio na Igreja (can. 1042, 1°), na questão em epígrafe, não estaria em jogo o novo enlace matrimonial, mas uma possível passagem do estado matrimonial para o estado de religioso consagrado. Para tanto, já que houve o divórcio, o vínculo jurídico respaldado pelo Estado já foi dissolvido e Abelardo não estaria proibido a dar outro passo em sua decisão. Ocorre lembrar que a razão teológico-jurídica do veto a quem não esteja livre impede a pessoa ao voto de castidade a ser professado na vida consagrada e além do mais, à promessa do celibato, como vínculos incongruentes com alguém que esteja ligado a exigências matrimoniais.
3. No que tange ao direito próprio de cada Instituto de Vida Consagrada, a Regra da Ordem dos Frades Menores, por exemplo, estabelece que se a pessoa é casada, que haja a licença da referida esposa, manifestada por ela, com autorização do Bispo diocesano (Regra Bulada, 2).
4. No caso do cuidado das filhas, enquanto menores de idade, que a questão seja encaminhada de acordo com as normas do Estado.
5. Alguns Institutos de Vida Consagrada não aceitam candidatos com idade acima de 40 anos, porque os candidatos podem apresentar problemas de ordem psicológica, familiar ou até na intenção em querer se acomodar dentro da vida religiosa, Isso ocorre, por exemplo, quando não foram bem sucedidos na vida a dois ou em outras escolhas profissionais e vocacionais mal resolvidas. Mas isso não é uma questão canônica e sim de encaminhamento dado, que podem ser sanados no acompanhamento vocacional. Em outras palavras, é um direito do candidato, que nem sempre é passível de se concretizar, por encontrar empecilho no instituto, que o aceita ou não, respaldado em sua experiência e normas próprias.
6. Portanto, se a pessoa interessada manifestar clareza em sua decisão vocacional, depois de resolvidos os problemas civis com suas filhas e ter passado por um programa de formação humana, filosófica e teológica, poderá ser acolhido no instituto, podendo inclusive ser ordenado presbítero na Igreja. E se houver sinal verde, que apresente a documentação exigida, sobretudo uma carta de sua ex esposa, em que Filomena expresse que Abelardo estaria livre para seguir o seu caminho.
sábado, 14 de setembro de 2013
Sacrifício sim, violência não!
Adnaldo casou-se na Igreja com Irene há cinco anos. Tiveram um filho, depois de dois anos na vida a dois. Tudo caminhava bem, até o dia em que Adnaldo perdeu o emprego. Então voltou a beber. O que antes do matrimônio era considerado por Irene, “beber socialmente”, agora passou a ser um problema diário. Adnaldo chega todas as noites após as duas da madrugada, inicia a discutir com Irene, o que sempre acaba em brigas, com socos e pontapés. Irene foi aceitando, mas nos últimos dias, apresentando hematomas nos braços, no rosto e com um olho roxo, decidiu passar pela Polícia, onde registrou um Boletim de Ocorrência, contra Adnaldo. Devido aos constantes perigos no lar para Irene e seu filho, sendo aconselhada por uma vizinha, resolveu procurar o seu pároco em vista de uma possível saída.
A situação vivida por Irene, apesar do sacrifício exigido na vida a dois, configura-se num cenário em que vivem muitas famílias do cotidiano, vítimas de desacertos contínuos, violência no lar ou outros motivos, que podem levar à separação conjugal temporária ou permanente.
As principais causas de separação conjugal, de acordo com o que reza cânon 1153, são as seguintes:
1) Grave perigo espiritual: a doutrina da Igreja entende que quando há perigo na vida espiritual de um dos cônjuges, o modo que se aconselha é a separação. Tal separação identifica-se como proteção da fé católica do cônjuge inocente e de sua prole (Cf. A. Bernárdez Cantón, Compendio de Derecho Matrimonial Canónico, p. 269). Este perigo existe, quando por exemplo, um cônjuge incita o outro, e seus filhos, de forma positiva, reiterada ou tácita, a cometer pecados graves ou empecilhos às suas obrigações religiosas;
2) Grave perigo corporal: isso ocorre quando há qualquer causa que seja um atentado à vida, à integridade física ou à saúde do cônjuge e de seus filhos. Neste caso, o Legislador tutela o direito da pessoa a dispor do que é necessário para bem conservar a sua integridade física e a de seus filhos. Exemplo: malícia de um dos cônjuges, quando atenta a vida do outro ou de seus filhos, com ameaças de morte ou golpes corporais. Também ocorre quando o culpado padece de uma grave enfermidade mental ou enfermidade contagiosa, ou ainda quando sofre de uma demência agressiva;
3) Grave dificuldade para a vida conjugal em comum: pode existir uma série de dificuldades que colocam em risco a vida comum do casal e de seus filhos. São as sevícias físicas e morais. As sevícias físicas envolvem condutas ou agressões contra o cônjuge ou seus bens materiais (socos, coices, golpes, arranhões, quebra de objetos no lar). As sevícias morais afetam o outro com palavras injuriosas, omissões, contra a dignidade, a honra e sentimentos, por difamação, insultos ou desprezo do outro. Em todo caso, a jurisprudência afirma que seja necessário que as sevícias sejam graves, reiteradas e que a separação seja o único modo para evitar o perigo da vida conjugal em comum.
De um modo ou de outro, o presente caso enquadra-se nas causas supracitadas, especialmente na segunda causa. A Igreja afirma, desde o momento em que as partes dão o seu consentimento mutuamente, que a vida a dois passa pelos momentos de renúncia, de conversão, de alegrias e tristezas, saúde e dor, até que a morte os separe. Por isso, a vida a dois tem momentos de sucesso, de fracasso e de sacrifícios exigidos diariamente, na busca de superação de fragilidades, que podem inclusive serem transformadas em virtudes. Contudo, não se pode colocar em risco a vida dos genitores e dos filhos. A vida é mais importante que o sacrifício, ou seja, o sacrifício deveria ser encarado diariamente na perspectiva do amor ágape, em que um se sacrifica pelo outro, em forma de doação, mesmo que isto custe suor e lágrimas. A partir do momento em que uma das partes coloca em cheque a integridade do outro, quebra-se a harmonia e dificilmente se consegue voltar atrás. E os filhos, não merecem ser educados neste ambiente, o que pode resultar em sujeitos violentos em potencial ou em ato. Daí a importância de um acompanhamento, de um tratamento e se não houver solução, então parte-se para uma saída plausível, como veremos nos encaminhamentos que seguem.
1. Primeiro passo: buscar a orientação da Igreja e relatar o fato, em detalhes, para que o pároco ou outra pessoa de confiança possa alavancar uma saída;
2. Segundo passo: quem ouve atentamente o caso, pode pedir alguma prova documental (BO), fotos ou alguma testemunha que possa contribuir para as provas do perigo na vida a dois;
3. Terceiro passo: se houver a certeza moral da impossibilidade de continuar na vida a dois, a Igreja aconselha a separação temporária. Se não houver mudança, então o caso pode encaminhado ao Bispo, que decreta a separação dos cônjuges (can. 1153, § 1). Passado mais algum tempo, se não houver outra saída, esta separação pode ser convertida em sentença de nulidade, desde que apresentada a demanda ao Tribunal da Igreja.
A situação vivida por Irene, apesar do sacrifício exigido na vida a dois, configura-se num cenário em que vivem muitas famílias do cotidiano, vítimas de desacertos contínuos, violência no lar ou outros motivos, que podem levar à separação conjugal temporária ou permanente.
As principais causas de separação conjugal, de acordo com o que reza cânon 1153, são as seguintes:
1) Grave perigo espiritual: a doutrina da Igreja entende que quando há perigo na vida espiritual de um dos cônjuges, o modo que se aconselha é a separação. Tal separação identifica-se como proteção da fé católica do cônjuge inocente e de sua prole (Cf. A. Bernárdez Cantón, Compendio de Derecho Matrimonial Canónico, p. 269). Este perigo existe, quando por exemplo, um cônjuge incita o outro, e seus filhos, de forma positiva, reiterada ou tácita, a cometer pecados graves ou empecilhos às suas obrigações religiosas;
2) Grave perigo corporal: isso ocorre quando há qualquer causa que seja um atentado à vida, à integridade física ou à saúde do cônjuge e de seus filhos. Neste caso, o Legislador tutela o direito da pessoa a dispor do que é necessário para bem conservar a sua integridade física e a de seus filhos. Exemplo: malícia de um dos cônjuges, quando atenta a vida do outro ou de seus filhos, com ameaças de morte ou golpes corporais. Também ocorre quando o culpado padece de uma grave enfermidade mental ou enfermidade contagiosa, ou ainda quando sofre de uma demência agressiva;
3) Grave dificuldade para a vida conjugal em comum: pode existir uma série de dificuldades que colocam em risco a vida comum do casal e de seus filhos. São as sevícias físicas e morais. As sevícias físicas envolvem condutas ou agressões contra o cônjuge ou seus bens materiais (socos, coices, golpes, arranhões, quebra de objetos no lar). As sevícias morais afetam o outro com palavras injuriosas, omissões, contra a dignidade, a honra e sentimentos, por difamação, insultos ou desprezo do outro. Em todo caso, a jurisprudência afirma que seja necessário que as sevícias sejam graves, reiteradas e que a separação seja o único modo para evitar o perigo da vida conjugal em comum.
De um modo ou de outro, o presente caso enquadra-se nas causas supracitadas, especialmente na segunda causa. A Igreja afirma, desde o momento em que as partes dão o seu consentimento mutuamente, que a vida a dois passa pelos momentos de renúncia, de conversão, de alegrias e tristezas, saúde e dor, até que a morte os separe. Por isso, a vida a dois tem momentos de sucesso, de fracasso e de sacrifícios exigidos diariamente, na busca de superação de fragilidades, que podem inclusive serem transformadas em virtudes. Contudo, não se pode colocar em risco a vida dos genitores e dos filhos. A vida é mais importante que o sacrifício, ou seja, o sacrifício deveria ser encarado diariamente na perspectiva do amor ágape, em que um se sacrifica pelo outro, em forma de doação, mesmo que isto custe suor e lágrimas. A partir do momento em que uma das partes coloca em cheque a integridade do outro, quebra-se a harmonia e dificilmente se consegue voltar atrás. E os filhos, não merecem ser educados neste ambiente, o que pode resultar em sujeitos violentos em potencial ou em ato. Daí a importância de um acompanhamento, de um tratamento e se não houver solução, então parte-se para uma saída plausível, como veremos nos encaminhamentos que seguem.
1. Primeiro passo: buscar a orientação da Igreja e relatar o fato, em detalhes, para que o pároco ou outra pessoa de confiança possa alavancar uma saída;
2. Segundo passo: quem ouve atentamente o caso, pode pedir alguma prova documental (BO), fotos ou alguma testemunha que possa contribuir para as provas do perigo na vida a dois;
3. Terceiro passo: se houver a certeza moral da impossibilidade de continuar na vida a dois, a Igreja aconselha a separação temporária. Se não houver mudança, então o caso pode encaminhado ao Bispo, que decreta a separação dos cônjuges (can. 1153, § 1). Passado mais algum tempo, se não houver outra saída, esta separação pode ser convertida em sentença de nulidade, desde que apresentada a demanda ao Tribunal da Igreja.
quinta-feira, 22 de agosto de 2013
Bispos pedem por Igreja servidora e pobre
Os bispos eméritos Dom José Maria Pires, arcebispo da Paraíba; Dom Tomás Balduino, bispo de Goiás; e Dom Pedro Casaldáliga, bispo de São Félix do Araguaia, em carta ao Episcopado brasileiro dizem que chegou “a hora da ação” e, com base nos ensinamentos do Papa Francisco, ao dirigir-se aos jovens na JMJ, pedindo que “saiam às ruas”, lembram que a Igreja precisa “voltar ao primeiro amor” e retomar a mística do Reino de Deus na caminhada junto com os pobres e a serviço de sua libertação.
Leia a carta na íntegra:
Queridos irmãos no episcopado
Somos três bispos eméritos que, de acordo com o ensinamento do Concílio Vaticano II, apesar de não sermos mais pastores de uma Igreja local, somos sempre participantes do Colégio episcopal e, junto com o Papa, nos sentimos responsáveis pela comunhão universal da Igreja Católica.
Alegrou-nos muito a eleição do Papa Francisco no pastoreio da Igreja, pelas suas mensagens de renovação e conversão, com seus seguidos apelos a uma maior simplicidade evangélica e maior zelo de amor pastoral por toda a Igreja. Tocou-nos também a sua recente visita ao Brasil, particularmente suas palavras aos jovens e aos bispos. Isso até nos trouxe a memória do histórico Pacto das Catacumbas.
Será que nós, bispos, nos damos conta do que, teologicamente, significa esse novo horizonte eclesial? No Brasil, em uma entrevista, o Papa recordou a famosa máxima medieval: “Ecclesia semper renovanda”.
Por pensar nessa nossa responsabilidade como bispos da Igreja Católica, nos permitimos esse gesto de confiança de lhes escrever essas reflexões, com um pedido fraterno para que desenvolvamos um maior diálogo a respeito.
1. A Teologia do Vaticano II sobre o ministério episcopal:
O Decreto Christus Dominus dedica o 2º capítulo à relação entre bispo e Igreja Particular. Cada Diocese é apresentada como “porção do Povo de Deus” (não é mais apenas um território) e afirma que, “em cada Igreja local está e opera verdadeiramente a Igreja de Cristo, una, santa, católica e apostólica” (CD 11), pois toda Igreja local não é apenas um pedaço de Igreja ou filial do Vaticano, mas é verdadeiramente Igreja de Cristo e, assim a designa o Novo Testamento (LG 22). “Cada Igreja local é congregada pelo Espírito Santo, por meio do Evangelho, tem sua consistência própria no serviço da caridade, isto é, na missão de transformar o mundo e testemunhar o Reino de Deus. Essa missão é expressa na Eucaristia e nos sacramentos. Isso é vivido na comunhão com seu pastor, o bispo”.
Essa teologia situa o bispo não acima ou fora de sua Igreja, mas como cristão inserido no rebanho e com um ministério de serviço a seus irmãos. É a partir dessa inserção que cada bispo, local ou emérito, assim como os auxiliares e os que trabalham em funções pastorais sem dioceses,
todos, enquanto portadores do dom recebido de Deus na ordenação são membros do Colégio Episcopal e responsáveis pela catolicidade da Igreja.
2. A sinodalidade necessária no século XXI:
A organização do papado como estrutura monárquica centralizada foi instituída a partir do pontificado de Gregório VII, em 1078. Durante o 1º milênio do Cristianismo, o primado do bispo de Roma estava organizado de forma mais colegial e a Igreja toda era mais sinodal.
O Concílio Vaticano II orientou a Igreja para a compreensão do episcopado como um ministério colegial. Essa inovação encontrou, durante o Concílio, a oposição de uma minoria inconformada. O assunto, na verdade, não foi suficientemente amarrado. Além disso, o Código de Direito Canônico, de 1983 e os documentos emanados pelo Vaticano, a partir de então, não priorizaram a colegialidade, mas restringiram a sua compreensão e criaram barreiras ao seu exercício. Isso foi em prol da centralização e crescente poder da Cúria romana, em detrimento das Conferências nacionais e continentais e do próprio Sínodo dos bispos, este de caráter apenas consultivo e não deliberativo, sendo que tais organismos detêm, junto com o Bispo de Roma, o supremo e pleno poder em relação à Igreja inteira.
Agora, o Papa Francisco parece desejar restituir às estruturas da Igreja Católica e a cada uma de nossas dioceses uma organização mais sinodal e de comunhão colegiada. Nessa orientação, ele constituiu uma comissão de cardeais de todos os continentes para estudar uma possível reforma da Cúria Romana. Entretanto, para dar passos concretos e eficientes nesse caminho – e que já está acontecendo – ele precisa da nossa participação ativa e consciente. Devemos fazer isso como forma de compreender a própria função de bispos, não como meros conselheiros e auxiliares do papa, que o ajudam à medida que ele pede ou deseja e sim como pastores, encarregados com o papa de zelar pela comunhão universal e o cuidado de todas as Igrejas.
3. O cinquentenário do Concílio:
Nesse momento histórico, que coincide também com o cinquentenário do Concílio Vaticano II, a primeira contribuição que podemos dar à Igreja é assumir nossa missão de pastores que exercem o sacerdócio do Novo Testamento, não como sacerdotes da antiga lei e sim, como profetas. Isso nos obriga colaborar efetivamente com o bispo de Roma, expressando com mais liberdade e autonomia nossa opinião sobre os assuntos que pedem uma revisão pastoral e teológica. Se os bispos de todo o mundo exercessem com mais liberdade e responsabilidade fraternas o dever do diálogo e dessem sua opinião mais livre sobre vários assuntos, certamente, se quebrariam certos tabus e a Igreja conseguiria retomar o diálogo com a humanidade, que o Papa João XXIII iniciou e o Papa Francisco está acenando.
A ocasião, pois, é de assumir o Concílio Vaticano II atualizado, superar de uma vez por todas a tentação de Cristandade, viver dentro de uma Igreja plural e pobre, de opção pelos pobres, uma eclesiologia de participação, de libertação, de diaconia, de profecia, de martírio… Uma Igreja explicitamente ecumênica, de fé e política, de integração da Nossa América, reivindicando os plenos direitos da mulher, superando a respeito os fechamentos advindos de uma eclesiologia equivocada.
Concluído o Concílio, alguns bispos – sendo muitos do Brasil – celebraram o Pacto das Catacumbas de Santa Domitila. Eles foram seguidos por aproximadamente 500 bispos nesse compromisso de radical e profunda conversão pessoal. Foi assim que se inaugurou a recepção corajosa e profética do Concílio.
Hoje, várias pessoas, em diversas partes do mundo, estão pensando num novo Pacto das Catacumbas. Por isso, desejando contribuir com a reflexão eclesial de vocês, enviamos anexo o texto original do Primeiro Pacto.
O clericalismo denunciado pelo Papa Francisco está sequestrando a centralidade do Povo de Deus na compreensão de uma Igreja, cujos membros, pelo batismo, são alçados à dignidade de “sacerdotes, profetas e reis”. O mesmo clericalismo vem excluindo o protagonismo eclesial dos leigos e leigas, fazendo o sacramento da ordem se sobrepor ao sacramento do batismo e à radical igualdade em Cristo de todos os batizados e batizadas.
Além disso, em um contexto de mundo no qual a maioria dos católicos está nos países do sul (América Latina e África), se torna importante dar à Igreja outros rostos além do costumeiro expresso na cultura ocidental. Nos nossos países, é preciso ter a liberdade de desocidentalizar a linguagem da fé e da liturgia latina, não para criarmos uma Igreja diferente, mas para enriquecermos a catolicidade eclesial.
Finalmente, está em jogo o nosso diálogo com o mundo. Está em questão qual a imagem de Deus que damos ao mundo e o testemunhamos pelo nosso modo de ser, pela linguagem de nossas celebrações e pela forma que toma nossa pastoral. Esse ponto é o que deve mais nos preocupar e exigir nossa atenção. Na Bíblia, para o Povo de Israel, “voltar ao primeiro amor”, significava retomar a mística e a espiritualidade do Êxodo.
Para as nossas Igrejas da América Latina, “voltar ao primeiro amor” é retomar a mística do Reino de Deus na caminhada junto com os pobres e a serviço de sua libertação. Em nossas dioceses, as pastorais sociais não podem ser meros apêndices da organização eclesial ou expressões menores do nosso cuidado pastoral. Ao contrário, é o que nos constitui como Igreja, assembleia reunida pelo Espírito para testemunhar que o Reino está vindo e que de fato oramos e desejamos: venha o teu Reino!
Esta hora é, sem dúvida, sobretudo para nós bispos, com urgência, a hora da ação. O Papa Francisco ao dirigir-se aos jovens na Jornada Mundial e ao dar-lhes apoio nas suas mobilizações, assim se expressou: “Quero que a Igreja saia às ruas”. Isso faz eco à entusiástica palavra do apóstolo Paulo aos Romanos: “É hora de despertar, é hora e de vestir as armas da luz” (13,11). Seja essa a nossa mística e nosso mais profundo amor.
Abraços, com fraterna amizade.
Dom José Maria Pires, arcebispo emérito da Paraíba.
Dom Tomás Balduino, bispo emérito de Goiás.
Dom Pedro Casaldáliga, bispo emérito de São Félix do Araguaia.
Festa da Assunção de Nossa Senhora, 15 de agosto de 2013
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PACTO DAS CATACUMBAS
O PACTO DA IGREJA SERVIDORA E POBRE
Nós, bispos, reunidos no Concílio Vaticano II, esclarecidos sobre as deficiências de nossa vida de pobreza segundo o Evangelho; incentivados uns pelos outros, numa iniciativa em que cada um de nós quereria evitar a singularidade e a presunção; unidos a todos os nossos irmãos do episcopado; contando sobretudo com a graça e a força de Nosso Senhor Jesus Cristo, com a oração dos fiéis e dos sacerdotes de nossas respectivas dioceses; colocando-nos, pelo pensamento e pela oração, diante da Trindade, diante da Igreja de Cristo e diante dos sacerdotes e dos fiéis de nossas dioceses, na humildade e na consciência de nossa fraqueza, mas também com toda determinação e toda a força de que Deus nos quer dar a graça, comprometemo-nos ao que se segue:
1) Procuraremos viver segundo o modo ordinário da nossa população, no que concerne à habitação, à alimentação, aos meios de locomoção e a tudo que daí se segue. Cf. Mt 5,3; 6,33-34; 8,20.
2) Para sempre renunciamos à aparência e à realidade da riqueza, especialmente no traje (fazendas ricas, cores berrantes), nas insígnias de matéria preciosa (devem esses signos ser, com efeito, evangélicos). Cf. Mt 6,9; Mt 10,9-10; At 3,6. Nem ouro nem prata.
3) Não possuiremos nem imóveis, nem móveis, nem conta em banco etc., em nosso próprio nome; e, se for preciso possuir, poremos tudo em nome da diocese, ou das obras sociais ou caritativas. Cf. Mt 6,19-21; Lc 12,33-34.
4) Cada vez que for possível, confiaremos a gestão financeira e material em nossa diocese a uma comissão de leigos competentes e cônscios do seu papel apostólico, em mira a sermos menos administradores do que pastores e apóstolos. Cf. Mt 10,8; At 6,1-7.
5) Recusamos ser chamados, oralmente ou por escrito, com nomes que signifiquem a grandeza e o poder (Eminência, Excelência, Monsenhor…). Preferimos ser chamados com o nome evangélico de Padre. Cf. Mt 20,25-28; 23,6-11; Jo 13,12-15.
6) No nosso comportamento, nas nossas relações sociais, evitaremos aquilo que pode parecer conferir privilégios, prioridades ou mesmo uma preferência qualquer aos ricos e aos poderosos (ex.: banquetes oferecidos ou aceitos, classes nos serviços religiosos). Cf. Lc 13,12-14; 1Cor 9,14-19.
7) Do mesmo modo, evitaremos incentivar ou lisonjear a vaidade de quem quer que seja, com vistas a recompensar ou a solicitar dádivas, ou por qualquer outra razão. Convidaremos nossos fiéis a considerarem as suas dádivas como uma participação normal no culto, no apostolado e na ação social. Cf. Mt 6,2-4; Lc 15,9-13; 2Cor 12,4.
8) Daremos tudo o que for necessário de nosso tempo, reflexão, coração, meios etc., ao serviço apostólico e pastoral das pessoas e dos grupos laboriosos e economicamente fracos e subdesenvolvidos, sem que isso prejudique as outras pessoas e grupos da diocese. Ampararemos os leigos, religiosos, diáconos ou sacerdotes que o Senhor chama a evangelizarem os pobres e operários compartilhando a vida operária e o trabalho. Cf. Lc 4,18-19; Mc 6,4; Mt 11,4-5; At 18,3-3; 20,33-35; 1Cor 4,12; 9,1-27.
9) Cônscios de exigências da justiça e da caridade, e das suas relações mútuas, procuraremos transformar as obras de “beneficência” em obras sociais baseadas na caridade e na justiça, que levam em conta todos e todas as exigências, como um humilde serviço dos organismos públicos competentes. Cf. Mt 25,31-46; Lc 13,12-14.33-34.
10) Poremos tudo em obra para que os responsáveis pelo nosso governo e pelos nossos serviços públicos decidam e ponham em prática as leis, as estruturas e as instituições sociais necessárias à justiça, à igualdade e ao desenvolvimento harmônico e total do homem todo e em todos os homens, e, por aí, ao advento de uma outra ordem social, nova, digna dos filhos do homem e dos filhos de Deus. Cf. At 2,44-45; 4,32-35; 5,4; 2Cor 8 e 9 inteiros; 1Tm 5,16.
11) Achando a colegialidade dos bispos sua realização a mais evangélica na assunção do encargo comum das massas humanas em estado de miséria física, cultural e moral — dois terços da humanidade —, comprometemo-nos:
— a participarmos, conforme nossos meios, dos investimentos urgentes dos episcopados das nações pobres;
— a requerermos juntos ao plano dos organismos internacionais, mas testemunhando o Evangelho, como e fez o Papa Paulo VI na ONU, a adoção de estruturas econômicas e culturais que não fabriquem nações proletárias num mundo cada vez mais rico, mas sim permitam às massas pobres saírem de sua miséria.
12) Comprometemo-nos a partilhar, na caridade pastoral, nossa vida com nossos irmãos em Cristo, sacerdotes, religiosos e leigos, para que nosso ministério constitua um verdadeiro serviço; assim:
— esforçar-nos-emos para “revisar nossa vida” com eles;
— suscitaremos colaboradores para serem mais uns animadores segundo o espírito, do que uns chefes segundo o mundo;
— procuraremos ser o mais humanamente presentes, acolhedores…;
— mostrar-nos-emos abertos a todos, seja qual for a sua religião. Cf. Mc 8,34-35; At 6,1-7; 1Tm 3,8-10.
13) Tornados às nossas dioceses respectivas, daremos a conhecer aos nossos diocesanos a nossa resolução, rogando-lhes ajudar-nos por sua compreensão, seu concurso e suas preces.
Ajude-nos Deus a sermos fiéis (KLOP V, pp. 526-528).
Fonte: http://www.franciscanos.org.br/?p=44190#sthash.M3gGZkyY.dpuf
Leia a carta na íntegra:
Queridos irmãos no episcopado
Somos três bispos eméritos que, de acordo com o ensinamento do Concílio Vaticano II, apesar de não sermos mais pastores de uma Igreja local, somos sempre participantes do Colégio episcopal e, junto com o Papa, nos sentimos responsáveis pela comunhão universal da Igreja Católica.
Alegrou-nos muito a eleição do Papa Francisco no pastoreio da Igreja, pelas suas mensagens de renovação e conversão, com seus seguidos apelos a uma maior simplicidade evangélica e maior zelo de amor pastoral por toda a Igreja. Tocou-nos também a sua recente visita ao Brasil, particularmente suas palavras aos jovens e aos bispos. Isso até nos trouxe a memória do histórico Pacto das Catacumbas.
Será que nós, bispos, nos damos conta do que, teologicamente, significa esse novo horizonte eclesial? No Brasil, em uma entrevista, o Papa recordou a famosa máxima medieval: “Ecclesia semper renovanda”.
Por pensar nessa nossa responsabilidade como bispos da Igreja Católica, nos permitimos esse gesto de confiança de lhes escrever essas reflexões, com um pedido fraterno para que desenvolvamos um maior diálogo a respeito.
1. A Teologia do Vaticano II sobre o ministério episcopal:
O Decreto Christus Dominus dedica o 2º capítulo à relação entre bispo e Igreja Particular. Cada Diocese é apresentada como “porção do Povo de Deus” (não é mais apenas um território) e afirma que, “em cada Igreja local está e opera verdadeiramente a Igreja de Cristo, una, santa, católica e apostólica” (CD 11), pois toda Igreja local não é apenas um pedaço de Igreja ou filial do Vaticano, mas é verdadeiramente Igreja de Cristo e, assim a designa o Novo Testamento (LG 22). “Cada Igreja local é congregada pelo Espírito Santo, por meio do Evangelho, tem sua consistência própria no serviço da caridade, isto é, na missão de transformar o mundo e testemunhar o Reino de Deus. Essa missão é expressa na Eucaristia e nos sacramentos. Isso é vivido na comunhão com seu pastor, o bispo”.
Essa teologia situa o bispo não acima ou fora de sua Igreja, mas como cristão inserido no rebanho e com um ministério de serviço a seus irmãos. É a partir dessa inserção que cada bispo, local ou emérito, assim como os auxiliares e os que trabalham em funções pastorais sem dioceses,
todos, enquanto portadores do dom recebido de Deus na ordenação são membros do Colégio Episcopal e responsáveis pela catolicidade da Igreja.
2. A sinodalidade necessária no século XXI:
A organização do papado como estrutura monárquica centralizada foi instituída a partir do pontificado de Gregório VII, em 1078. Durante o 1º milênio do Cristianismo, o primado do bispo de Roma estava organizado de forma mais colegial e a Igreja toda era mais sinodal.
O Concílio Vaticano II orientou a Igreja para a compreensão do episcopado como um ministério colegial. Essa inovação encontrou, durante o Concílio, a oposição de uma minoria inconformada. O assunto, na verdade, não foi suficientemente amarrado. Além disso, o Código de Direito Canônico, de 1983 e os documentos emanados pelo Vaticano, a partir de então, não priorizaram a colegialidade, mas restringiram a sua compreensão e criaram barreiras ao seu exercício. Isso foi em prol da centralização e crescente poder da Cúria romana, em detrimento das Conferências nacionais e continentais e do próprio Sínodo dos bispos, este de caráter apenas consultivo e não deliberativo, sendo que tais organismos detêm, junto com o Bispo de Roma, o supremo e pleno poder em relação à Igreja inteira.
Agora, o Papa Francisco parece desejar restituir às estruturas da Igreja Católica e a cada uma de nossas dioceses uma organização mais sinodal e de comunhão colegiada. Nessa orientação, ele constituiu uma comissão de cardeais de todos os continentes para estudar uma possível reforma da Cúria Romana. Entretanto, para dar passos concretos e eficientes nesse caminho – e que já está acontecendo – ele precisa da nossa participação ativa e consciente. Devemos fazer isso como forma de compreender a própria função de bispos, não como meros conselheiros e auxiliares do papa, que o ajudam à medida que ele pede ou deseja e sim como pastores, encarregados com o papa de zelar pela comunhão universal e o cuidado de todas as Igrejas.
3. O cinquentenário do Concílio:
Nesse momento histórico, que coincide também com o cinquentenário do Concílio Vaticano II, a primeira contribuição que podemos dar à Igreja é assumir nossa missão de pastores que exercem o sacerdócio do Novo Testamento, não como sacerdotes da antiga lei e sim, como profetas. Isso nos obriga colaborar efetivamente com o bispo de Roma, expressando com mais liberdade e autonomia nossa opinião sobre os assuntos que pedem uma revisão pastoral e teológica. Se os bispos de todo o mundo exercessem com mais liberdade e responsabilidade fraternas o dever do diálogo e dessem sua opinião mais livre sobre vários assuntos, certamente, se quebrariam certos tabus e a Igreja conseguiria retomar o diálogo com a humanidade, que o Papa João XXIII iniciou e o Papa Francisco está acenando.
A ocasião, pois, é de assumir o Concílio Vaticano II atualizado, superar de uma vez por todas a tentação de Cristandade, viver dentro de uma Igreja plural e pobre, de opção pelos pobres, uma eclesiologia de participação, de libertação, de diaconia, de profecia, de martírio… Uma Igreja explicitamente ecumênica, de fé e política, de integração da Nossa América, reivindicando os plenos direitos da mulher, superando a respeito os fechamentos advindos de uma eclesiologia equivocada.
Concluído o Concílio, alguns bispos – sendo muitos do Brasil – celebraram o Pacto das Catacumbas de Santa Domitila. Eles foram seguidos por aproximadamente 500 bispos nesse compromisso de radical e profunda conversão pessoal. Foi assim que se inaugurou a recepção corajosa e profética do Concílio.
Hoje, várias pessoas, em diversas partes do mundo, estão pensando num novo Pacto das Catacumbas. Por isso, desejando contribuir com a reflexão eclesial de vocês, enviamos anexo o texto original do Primeiro Pacto.
O clericalismo denunciado pelo Papa Francisco está sequestrando a centralidade do Povo de Deus na compreensão de uma Igreja, cujos membros, pelo batismo, são alçados à dignidade de “sacerdotes, profetas e reis”. O mesmo clericalismo vem excluindo o protagonismo eclesial dos leigos e leigas, fazendo o sacramento da ordem se sobrepor ao sacramento do batismo e à radical igualdade em Cristo de todos os batizados e batizadas.
Além disso, em um contexto de mundo no qual a maioria dos católicos está nos países do sul (América Latina e África), se torna importante dar à Igreja outros rostos além do costumeiro expresso na cultura ocidental. Nos nossos países, é preciso ter a liberdade de desocidentalizar a linguagem da fé e da liturgia latina, não para criarmos uma Igreja diferente, mas para enriquecermos a catolicidade eclesial.
Finalmente, está em jogo o nosso diálogo com o mundo. Está em questão qual a imagem de Deus que damos ao mundo e o testemunhamos pelo nosso modo de ser, pela linguagem de nossas celebrações e pela forma que toma nossa pastoral. Esse ponto é o que deve mais nos preocupar e exigir nossa atenção. Na Bíblia, para o Povo de Israel, “voltar ao primeiro amor”, significava retomar a mística e a espiritualidade do Êxodo.
Para as nossas Igrejas da América Latina, “voltar ao primeiro amor” é retomar a mística do Reino de Deus na caminhada junto com os pobres e a serviço de sua libertação. Em nossas dioceses, as pastorais sociais não podem ser meros apêndices da organização eclesial ou expressões menores do nosso cuidado pastoral. Ao contrário, é o que nos constitui como Igreja, assembleia reunida pelo Espírito para testemunhar que o Reino está vindo e que de fato oramos e desejamos: venha o teu Reino!
Esta hora é, sem dúvida, sobretudo para nós bispos, com urgência, a hora da ação. O Papa Francisco ao dirigir-se aos jovens na Jornada Mundial e ao dar-lhes apoio nas suas mobilizações, assim se expressou: “Quero que a Igreja saia às ruas”. Isso faz eco à entusiástica palavra do apóstolo Paulo aos Romanos: “É hora de despertar, é hora e de vestir as armas da luz” (13,11). Seja essa a nossa mística e nosso mais profundo amor.
Abraços, com fraterna amizade.
Dom José Maria Pires, arcebispo emérito da Paraíba.
Dom Tomás Balduino, bispo emérito de Goiás.
Dom Pedro Casaldáliga, bispo emérito de São Félix do Araguaia.
Festa da Assunção de Nossa Senhora, 15 de agosto de 2013
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PACTO DAS CATACUMBAS
O PACTO DA IGREJA SERVIDORA E POBRE
Nós, bispos, reunidos no Concílio Vaticano II, esclarecidos sobre as deficiências de nossa vida de pobreza segundo o Evangelho; incentivados uns pelos outros, numa iniciativa em que cada um de nós quereria evitar a singularidade e a presunção; unidos a todos os nossos irmãos do episcopado; contando sobretudo com a graça e a força de Nosso Senhor Jesus Cristo, com a oração dos fiéis e dos sacerdotes de nossas respectivas dioceses; colocando-nos, pelo pensamento e pela oração, diante da Trindade, diante da Igreja de Cristo e diante dos sacerdotes e dos fiéis de nossas dioceses, na humildade e na consciência de nossa fraqueza, mas também com toda determinação e toda a força de que Deus nos quer dar a graça, comprometemo-nos ao que se segue:
1) Procuraremos viver segundo o modo ordinário da nossa população, no que concerne à habitação, à alimentação, aos meios de locomoção e a tudo que daí se segue. Cf. Mt 5,3; 6,33-34; 8,20.
2) Para sempre renunciamos à aparência e à realidade da riqueza, especialmente no traje (fazendas ricas, cores berrantes), nas insígnias de matéria preciosa (devem esses signos ser, com efeito, evangélicos). Cf. Mt 6,9; Mt 10,9-10; At 3,6. Nem ouro nem prata.
3) Não possuiremos nem imóveis, nem móveis, nem conta em banco etc., em nosso próprio nome; e, se for preciso possuir, poremos tudo em nome da diocese, ou das obras sociais ou caritativas. Cf. Mt 6,19-21; Lc 12,33-34.
4) Cada vez que for possível, confiaremos a gestão financeira e material em nossa diocese a uma comissão de leigos competentes e cônscios do seu papel apostólico, em mira a sermos menos administradores do que pastores e apóstolos. Cf. Mt 10,8; At 6,1-7.
5) Recusamos ser chamados, oralmente ou por escrito, com nomes que signifiquem a grandeza e o poder (Eminência, Excelência, Monsenhor…). Preferimos ser chamados com o nome evangélico de Padre. Cf. Mt 20,25-28; 23,6-11; Jo 13,12-15.
6) No nosso comportamento, nas nossas relações sociais, evitaremos aquilo que pode parecer conferir privilégios, prioridades ou mesmo uma preferência qualquer aos ricos e aos poderosos (ex.: banquetes oferecidos ou aceitos, classes nos serviços religiosos). Cf. Lc 13,12-14; 1Cor 9,14-19.
7) Do mesmo modo, evitaremos incentivar ou lisonjear a vaidade de quem quer que seja, com vistas a recompensar ou a solicitar dádivas, ou por qualquer outra razão. Convidaremos nossos fiéis a considerarem as suas dádivas como uma participação normal no culto, no apostolado e na ação social. Cf. Mt 6,2-4; Lc 15,9-13; 2Cor 12,4.
8) Daremos tudo o que for necessário de nosso tempo, reflexão, coração, meios etc., ao serviço apostólico e pastoral das pessoas e dos grupos laboriosos e economicamente fracos e subdesenvolvidos, sem que isso prejudique as outras pessoas e grupos da diocese. Ampararemos os leigos, religiosos, diáconos ou sacerdotes que o Senhor chama a evangelizarem os pobres e operários compartilhando a vida operária e o trabalho. Cf. Lc 4,18-19; Mc 6,4; Mt 11,4-5; At 18,3-3; 20,33-35; 1Cor 4,12; 9,1-27.
9) Cônscios de exigências da justiça e da caridade, e das suas relações mútuas, procuraremos transformar as obras de “beneficência” em obras sociais baseadas na caridade e na justiça, que levam em conta todos e todas as exigências, como um humilde serviço dos organismos públicos competentes. Cf. Mt 25,31-46; Lc 13,12-14.33-34.
10) Poremos tudo em obra para que os responsáveis pelo nosso governo e pelos nossos serviços públicos decidam e ponham em prática as leis, as estruturas e as instituições sociais necessárias à justiça, à igualdade e ao desenvolvimento harmônico e total do homem todo e em todos os homens, e, por aí, ao advento de uma outra ordem social, nova, digna dos filhos do homem e dos filhos de Deus. Cf. At 2,44-45; 4,32-35; 5,4; 2Cor 8 e 9 inteiros; 1Tm 5,16.
11) Achando a colegialidade dos bispos sua realização a mais evangélica na assunção do encargo comum das massas humanas em estado de miséria física, cultural e moral — dois terços da humanidade —, comprometemo-nos:
— a participarmos, conforme nossos meios, dos investimentos urgentes dos episcopados das nações pobres;
— a requerermos juntos ao plano dos organismos internacionais, mas testemunhando o Evangelho, como e fez o Papa Paulo VI na ONU, a adoção de estruturas econômicas e culturais que não fabriquem nações proletárias num mundo cada vez mais rico, mas sim permitam às massas pobres saírem de sua miséria.
12) Comprometemo-nos a partilhar, na caridade pastoral, nossa vida com nossos irmãos em Cristo, sacerdotes, religiosos e leigos, para que nosso ministério constitua um verdadeiro serviço; assim:
— esforçar-nos-emos para “revisar nossa vida” com eles;
— suscitaremos colaboradores para serem mais uns animadores segundo o espírito, do que uns chefes segundo o mundo;
— procuraremos ser o mais humanamente presentes, acolhedores…;
— mostrar-nos-emos abertos a todos, seja qual for a sua religião. Cf. Mc 8,34-35; At 6,1-7; 1Tm 3,8-10.
13) Tornados às nossas dioceses respectivas, daremos a conhecer aos nossos diocesanos a nossa resolução, rogando-lhes ajudar-nos por sua compreensão, seu concurso e suas preces.
Ajude-nos Deus a sermos fiéis (KLOP V, pp. 526-528).
Fonte: http://www.franciscanos.org.br/?p=44190#sthash.M3gGZkyY.dpuf
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