sexta-feira, 6 de maio de 2011

União civil de pessoas do mesmo sexo e batismo na Igreja Católica



“Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu legalmente ontem as uniões entre pessoas do mesmo sexo. A partir de hoje, devem ser aplicadas a esse tipo de relação as mesmas regras da união estável heterossexual, prevista no Código Civil”(O Globo, 06/05/11, p. 3).

Embora a decisão de ontem do STF não assegure a estes casais o reconhecimento dos filhos adotados por eles, isto não vai demorar muito.

Estamos presenciando um cenário irreversível neste imenso país verde-amarelo. De acordo com o último censo, o IBGE “registrou 60.002 casais gays vivendo sob o regime de união estável atualmente no país. Como a resposta é auto-declarada, estima-se que esse número seja maior, devido àqueles que são gays mas não se declararam assim” (O Globo, 05/05/11, p. 3).
E a posição da Igreja, como fica nesta decisão?

A minha pretensão aqui não é fazer uma análise teológica ou moral da situação do momento. Isto pode ser reportado aos nossos professores de teologia ou de moral. Esta pequena síntese tem a finalidade de lançar algumas orientações sobre a questão em tela, do ponto de vista do Direito Canônico, conforme seguem:

1. Segundo o cânon 208, todos os fiéis regenerados em Cristo pelo batismo são iguais em sua dignidade fundamental. Nesta dignidade fundamental, não entra a questão das diferenças entre os sexos feminino e masculino, ou ainda se a pessoa é homoafetivo ou não. O problema surge, na medida em que a escolha por parceiros do mesmo sexo foge da normativa do atual Código. A exigência colocada no cânon 1055 é taxativa, ao afirmar que o “pacto matrimonial, pelo qual o homem e a mulher constituem entre si o consórcio de toda a vida..., entre batizados foi por Cristo Senhor elevado à dignidade de sacramento”. Por mais que se queira forjar uma interpretação jurídica do ordenamento jurídico da Igreja, não há como reconhecer as uniões homoafetivas, como sacramento do matrimônio.

2. Tradicionalmente, a união irregular resulta da união ou situação de vida instaurada por um varão e uma varoa, que tem uma certa semelhança com o estado legítimo de vida matrimonial, cujos contraentes, à diferença do concubinato, tem a intenção ou ânimo marital que se prolonga por um tempo, ou até mesmo para toda a vida. Uma união deste gênero sacramento na Igreja.
A doutrina da Igreja insiste que toda a relação sexual genital deve manter-se no quadro do matrimônio. Por consequência, a união irregular não seria legítima, a não ser que se instaurasse um consórcio de vida perpétuo entre um homem e uma mulher e mais tarde fosse legitimada pela Igreja, como sacramento do matrimônio.

3. Até pouco tempo atrás, se falava dessas uniões, conjugadas entre o sexo masculino e feminino. Na atual conjuntura do Povo de Deus, porém, surge uma gama de novas entidades familiares, presentes no cenário das pessoas batizadas na Igreja e que delas não se afastaram por um ato formal. Neste horizonte, as uniões homoafetivas, ou casais homoafetivos, por tabela, são equiparadas às uniões irregulares, justamente porque podem ser reconhecidas pelo Estado, porém, não reconhecidas pela Igreja, porque para ser matrimônio, a condição básica é que tal união seja entre o homem e a mulher (can. 1055, § 1).

4. Na hipótese de uma criança ser gerada por uma mãe numa dessas uniões, ou ainda na hipótese da adoção, que em breve poderá legitimada pelo Estado, se pode questionar a educação a ser dada aos adotados por dois “pais” ou por “duas mães”. Também se questiona se tais casais terão um espaço de boa acolhida no meio da sociedade e da comunidade de fé. No entanto, do ponto de vista jurídico, o Código de Direito Canônico é taxativo, quando afirma que “os ministros sagrados não podem negar os sacramentos àqueles que os pedirem oportunamente, que estiverem devidamente dispostos e que pelo direito não forem proibidos de os receber”(can. 843, § 1). Em outras palavras, é uma obrigação (dever) dos ministros sagrados, que corresponde a um direito da pessoa humana. Diga-se de passagem que o batismo é um direito natural da pessoa humana, que a rigor, independe da religião de seus genitores ou adotantes.

5. Várias hipóteses de casais homoafetivos poderiam ser configuradas no atual cenário da sociedade. Por exemplo, se Valentina se apaixona por Giovana, se unem, se casam no civil e como não teriam condições físicas de gerar um filho, poderiam tranquilamente adotar uma criança. O mesmo se poderia dizer de Vicente, que se apaixona por Mário, enamora-se, se dá em noivado, se casa com ele no civil e não podendo gerar uma filha, pode posteriormente adotar uma criança. Por tradição, se são católicos praticantes, certamente não gostariam de ver a sua filha a ser adotada, crescer sem o batismo.

6. De acordo com o ordenamento da Igreja Católica, estas uniões podem batizar o seu filho ou o seu adotado na Igreja. Diante disso, surge no ministro a dúvida: como transcrever os nomes no livro do batismo? No lugar da mãe, deveria ele escrever Valentina ou Giovana, ou as duas pessoas no mesmo espaço? No lugar do pai Vicente, deveria ele escrever o nome de Vicente ou de Mário? Ou os dois nomes na mesma linha, ou ainda o nome de Vicente como pai e o de Mário como mãe?

7. Nas empresas, se a pessoa não quiser mencionar o seu verdadeiro sexo, seria possível usar um nome social no crachá, mantendo, contudo, o nome civil de seu registro na carteira de trabalho e no contrato. Mas na Igreja, segundo os livros de batismo tradicionais, não há espaço para os dois nomes como pais, nem dos dois nomes como mães. Então, que procedimento se deve seguir?

8. O Código de Direito Canônico diz que “o pároco do lugar em que se celebra o batismo deve registrar no livro de batizados, cuidadosamente e sem nenhuma demora, os nomes dos batizados, fazendo menção do ministro, pais, padrinhos, bem como testemunhas, se as houver... Tratando-se de filho de mãe não-casada, deve consignar o nome da mãe, se consta publicamente sua maternidade ou a ela o pede espontaneamente,... deve-se também inscrever o nome do pai, se sua paternidade se comprova por algum documento público ou por declaração dele... nos outros casos, inscreva-se o que foi batizado, sem fazer nenhuma indicação do nome do pai ou dos pais”(can. 877, § 1 e 2). No caso específico “de filho de adotivo, inscrevam-se os nomes dos adotantes, como também, ao menos se assim se faz no registro civil da região, os nomes dos pais naturais..., atendendo-se às prescrições da Conferência dos Bispos”(can. 877, § 3). No caso do Brasil, a Conferência Episcopal segue a mesma normativa supramencionada.

9. Segundo o cânon 877, § 3, deduzimos que existe uma brecha para a devida inscrição dos nomes dos dois pais ou duas mães adotantes, mesmo que isso ainda não seja contemplado no espaço físico dos livros de batismo. E mesmo que os livros não contemplem esta possibilidade, se poderia fazer uma anotação suplementar no espaço reservado às observações, inscrevendo ali os nomes do casal homoafetivo.

Portanto, se pode questionar sobre o exemplo que os casais homoafetivos darão a seus filhos, adotados. Na mesma linha de pensamento, se poderia questionar o exemplo de todo ou qualquer casal que contrai validamente o matrimônio na Igreja, mas que nem sempre é bem sucedido na educação de sua prole. Contudo, se houver a disposição dos tutores de introduzir esta pessoa na caminhada cristã, independentemente de suas condutas morais, a Igreja não tem o direito de negar o batismo. A culpa pode ser dos tutores, porém não da criança adotada, que poderá seguir um rumo diferente de tais casais, na medida em que cresce e se desenvolve dentro da sociedade e da Igreja. Caso contrário, lhe é negada um direito natural, que na Igreja católica, torna-se um impedimento para os demais sacramentos.

6 comentários:

Rosa Oliveira disse...

Muito interessante Frei Ivo, é uma visão aberta da realidade, focando principalmente o filho que tem o direito de ser batizado.

Wandril disse...

Gostei da mensagem abordada sobre o tema,pois sou membro da pastoral do batismo e temos que orientar aos participantes da preparação com objetividade dentro das normas elesiais;
abraços

Dudu disse...

Prezado Frei Ivo,
Vivo em um relacionamento homoafetivo a 21 anos com mutuo respeito e dignidade. Hoje temos um filho do coracao com 2 anos e 8 meses o qual em seu registro consta os nomes dos pais amparados pela Justica brasileira.
Hoje procurei a igreja catolica para batizar meu filho e para minha supresa o padre informou que nao podia batizar pelo fato da igreja nao reconhecer a união homoafetiva. Questionei que meu filho nao tem nada a ver com isso e o direito canônico artigo 877 resguarda a ele esse direito.
Mesmo assim o padre nao aceitou minhas explicações.
Senti rejeição da igreja em relação ao batismo do meu filho e navegando pela internet encontrei seu blog que trata dignamente deste assunto.
Nesse caso Frei Ivo, tem algo que a igreja possa fazer ou realmente há essa descriminação com criancas adotadas por casais homoafetivos?
Obrigado pela atenção!

Anônimo disse...

Caro Dudu, eu sou um estudante de Teologia, meu nome é Jonathan. O autor deste blog, Frei Ivo, é o meu professor de Direito Canônico. Em uma de suas aulas ele nos propôs a atividade de analisarmos um dos casos presentes neste blog e darmos uma resposta, caso fosse possível. O que respondo aqui tem o respaldo e foi avaliado pelo professor.

Em relação à sua dúvida, o que vou responder concerne ao Direito Canônico, não à moral, espiritualidade, ética, antropologia que são outras áreas da teologia.

Ao longo do texto do blog foi afirmado que “os ministros sagrados não podem negar os sacramentos àqueles que os pedirem oportunamente, que estiverem devidamente dispostos e que pelo direito não forem proibidos de os receber”(can. 843, § 1). Ou seja, nenhum sacerdote deveria negar-se a batizar uma criança, mesmo se ela foi adotada por um casal homoafetivo. O seu filho, portanto, tem todo o direito de ser batizado, segundo o Código de Direito Canônico.
Em relação à recusa do padre existe, do meu ponto de vista, três opções:
a. Tentar instaurar um diálogo com o pároco em questão, para que ele compreenda que o seu filho tem o direito natural de ser batizado;
b. Caso não dê certo, e caso você queira batizar seu filho somente naquela paróquia, pois você se identifica com a mesma, o que você poderia fazer era recorrer ao bispo e expor a sua situação. Tal procedimento, porém, acarretaria um mal-estar entre você e o pároco. Batizar seu filho, sabendo que o pároco o faz somente em obediência ao bispo, criaria um clima não muito bom. E o clima do batismo é de alegria, de festa, pois a Igreja recebe em seu seio mais um cristão;
c. Não sendo possível batizar na paróquia que você procurou e, caso não queria recorrer ao bispo, o ideal a fazer é buscar outra paróquia para batizar o seu filho.

Enfim, espero tê-lo ajudado de alguma forma.

Anônimo disse...

Caro Dudu, eu sou um estudante de Teologia, meu nome é Jonathan. O autor deste blog, Frei Ivo, é o meu professor de Direito Canônico. Em uma de suas aulas ele nos propôs a atividade de analisarmos um dos casos presentes neste blog e darmos uma resposta, caso fosse possível. O que respondo aqui tem o respaldo e foi avaliado pelo professor.

Em relação à sua dúvida, o que vou responder concerne ao Direito Canônico, não à moral, espiritualidade, ética, antropologia que são outras áreas da teologia.

Ao longo do texto do blog foi afirmado que “os ministros sagrados não podem negar os sacramentos àqueles que os pedirem oportunamente, que estiverem devidamente dispostos e que pelo direito não forem proibidos de os receber”(can. 843, § 1). Ou seja, nenhum sacerdote deveria negar-se a batizar uma criança, mesmo se ela foi adotada por um casal homoafetivo. O seu filho, portanto, tem todo o direito de ser batizado, segundo o Código de Direito Canônico.
Em relação à recusa do padre existe, do meu ponto de vista, três opções:
a. Tentar instaurar um diálogo com o pároco em questão, para que ele compreenda que o seu filho tem o direito natural de ser batizado;
b. Caso não dê certo, e caso você queira batizar seu filho somente naquela paróquia, pois você se identifica com a mesma, o que você poderia fazer era recorrer ao bispo e expor a sua situação. Tal procedimento, porém, acarretaria um mal-estar entre você e o pároco. Batizar seu filho, sabendo que o pároco o faz somente em obediência ao bispo, criaria um clima não muito bom. E o clima do batismo é de alegria, de festa, pois a Igreja recebe em seu seio mais um cristão;
c. Não sendo possível batizar na paróquia que você procurou e, caso não queria recorrer ao bispo, o ideal a fazer é buscar outra paróquia para batizar o seu filho.

Enfim, espero tê-lo ajudado de alguma forma.

Lázara disse...

Estou fazendo um trabalho na faculdade sobre a percepção dos jovens acerca da união homoafetiva. Gostei porque é uma visão que reconhece essa nova modalidade de família porém não a reconhece como um casamento tradicional.