Beatriz é batizada na Igreja católica, crismada e com primeira Eucaristia. Casou-se na Igreja e por vários motivos, não conseguiu levar adiante o seu matrimônio. Foi abandonada pelo exposo, tendo que cuidar de dois filhos, que por sinal são católicos praticantes. Dez anos depois, Beatriz conheceu Teobaldo, homem livre, também católico praticante. Depois de alguns encontros, resolveram se unir e hoje são casais em Segunda União, frequentadores inclusive da Pastoral Familiar da diocese. Porém, ao serem convidados para serem padrinhos de um batizando,surgiu a dúvida. A secretária da paróquia pergunta, então, se o Direito da Igreja permite que estas pessoas sejam padrinhos ou madrinhas?1. Casais em Segunda União1. No cenário atual da Igreja é muito frequente a presença dos Casais em
Segunda União, inclusive contemplados nas orientações oficiais da Igreja (Guia de Orientação para os Casos Especiais, CNBB, Brasília, 2005, p. 30-43; 64-69).
2. Do ponto de vista jurídico, a Segunda União acontece quando um casal recebeu o sacramento do matrimônio, mas por uma série de motivos, separou-se e divorciou-se e uniu-se a uma outra pessoa.
3. Do ponto de vista da pastoral, os elementos que constituem uma Segunda União são o firme propósito de formar uma nova e séria união, responsável e aberta para a vida e estabilidade do casal, isto é, um estado permanente.
4. A Igreja lança um olhar carinhoso para esses casais, tendo como perspectiva a misericórdia e a compaixão, de acordo com a Parábola do Bom Samaritano, que diante daquele homem caído à beira da estrada, volveu para ele o seu olhar misericordioso e cuidou dele (cf. Lucas 10,25-37). Segundo o Padre Luciano Scampini, “eles podem ser ramos verdes dentro da Igreja”. Sendo ramos verdes, podem exercer praticamente todos os ministérios nas pastorais e movimentos da Igreja. Aliás, a própria comunidade deve ser trabalhada, para que haja a acolhida e a inclusão desses casais na ação evangelizadora da Igreja. Assim, não haveria tanta discriminação nos meios eclesiais, como sói acontecer em muitas comunidades. Se Deus pudesse contar apenas com as pessoas
santas, haveria poucas pessoas na missão eclesial nos dias de hoje. Recordemos que os outros também são pecadores e nem por isso deixam de ser investidos para os ministérios eclesiais. Os Casais em Segunda União podem muito bem serem chamados a integrar a Pastoral Familiar, a Pastoral da Saúde, a Pastoral do Dízimo, o Apostolado da Oração, o Ministério da Música, a Coordenação da Comunidade, ao Conselho Comunitário e tantos outros serviços ou ministérios organizados dentro da comunidade. A rigor, o único ministério que não poderiam assumir é o de Ministro Extraordinário da Comunhão Eucarística, pelo fato de não poderem aceder à Comunhão na Igreja.
2. Os padrinhos de Batismo1. Ao garimpar a temática na história da Igreja, chegamos à conclusão que a origem dos padrinhos de Batismo existe desde os primeiros tempos do cristianismo, quando os pagãos se convertiam e recebiam o Batismo, e, com ele, a vida espiritual. Eram também denominados de pais espirituais, porque cuidavam da formação espiritual de seus afilhados. Além do mais, em época de guerra, poderiam substituir os genitores na dura tarefa de educar os filhos na fé cristã. No caso de neófitos (adultos recentemente convertidos a Cristo pelo batismo), os pais espirituais exerciam um preponderante papel no acompanhamento prático da doutrina católica. Isso era tão sério que chegavam a ser, na maioria das vezes, os mesmos padrinhos na Confirmação (Crisma).
2. Em relação aos critérios da Igreja para a escolha de padrinhos e madrinhas, a Introdução Geral do Ritual do Batismo de Crianças, n◦ 10, diz: “O padrinho e a madrinha tenham maturidade para desempenharem esse oficio; estejam iniciados nos três sacramentos da iniciação cristã, do Batismo, da Crisma e da Eucaristia; pertençam à Igreja Católica e pelo Direito não estejam impedidos de exercer tal oficio”.
3. O Código de Direito Canônico diz que: “Ao batizado, enquanto possível, seja dado um padrinho, a quem cabe acompanhar o batizando adulto na iniciação cristã e, junto com os pais, apresentar ao Batismo o batizando criança. Cabe tam¬bém a ele ajudar que o batizado leve uma vida de acordo com o Batismo e cumpra com fidelidade as obrigações inerentes”(cânon 872). Também é possível apenas um só padrinho ou uma só madrinha ou também um padrinho e uma madrinha (cânon 873). Em outras palavras, a escolha do padrinho é facultativa. Embora a maioria absoluta elege dois padrinhos (casal). Seria perfeitamente possível, pelas normas da Igreja, apenas um padrinho ou uma madrinha.
4. No que tange aos requisitos na escolha, o padrinho e a madrinha devem: 1) ser designado pelo próprio batizando ou pelos seus pais, tendo a intenção de cumprir esse encargo; 2) ter ao menos 16 anos de idade, ser católicos, confirmados (ou crismados), tendo recebido o sacramento da eucaristia e levar vida de acordo com a fé e o encargo que vai assumir; 4) ser isento de penas canônicas legitimamente irrogadas ou declaradas; 5) não ser pai ou mãe do batizando (cânon 874).
5. Ao aplicar o Direito Universal da Igreja ao caso em epígrafe, não encontramos em todo o Código nenhuma norma explícita, que pudesse desabonar um Casal em Segunda união de ser padrinho e madrinha de um batizado.
6. Algumas dioceses do Brasil colocam em seus Direito Próprio (normas diocesanos) a proibição de quem vive numa união irregular para ser padrinho ou madrinha de Batismo, como seria o caso, de um Casal em Segunda União. Porém, a maioria das dioceses não vê problema nisso, avaliando apenas se os padrinhos fizeram o curso e se não pertencem a outras denominações religiosas. Também, quase ninguém se pergunta, se os padrinhos eleitos já fizeram a crisma e a primeira Eucaristia.
3. Uma possível resposta ao fato em tela1. Do ponto de vista jurídico, não existe pré-requisito que impeça os pais ou adotantes do filho ou adotado, de o batizarem na Igreja. Ora, se a sua função em ensinar, santificar e reger a vida de seu filho ou adotado é mais importante que a função dos padrinhos, não vemos aqui causa suficiente para impedir um casal de Segunda União de ser padrinho ou madrinha de batizandos;
2. O Direito Canônico é maior do que o Direito Próprio de uma diocese e, embora ela tenha a liberdade de promulgar normas para a boa conduta de seus fiéis, tais normas não deveriam ser contrárias ao Direito Universal. Aqui, a única brecha encontrada por alguns bispos, seria a margem de interpretação que os requisitos do cânon 874 deixam. Contudo, não vemos que aqui se possa equiparar o caso concreto a uma pena canônica legitimamente irrogada ou declarada (veja os cânones: 1318, 1319, 1336, 1346).
3. A missão da Igreja, respirando em dois pulmões (pulmão do direito + pulmão da pastoral), deveria estar voltada sempre para a linha da inclusão e não da exclusão das pessoas para assumirem certos ministérios, desde que um não seja contrário ao outro.
Portanto, neste caso, não encontramos, nem no Direito Universal da Igreja, nem na sua missão evangelizadora, critérios objetivos que possam desabonar estes casais de serem padrinhos de Batismo ou de Crisma na Igreja. E se houver proibição dentro de uma diocese, outras dioceses podem estar de portas abertas para que esses fiéis possam ser acolhidos e cumprirem a sua missão de padrinhos e madrinhas.