sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Saiu da Congregação e quer voltar


Eu era religioso até o ano passado. Passei por uma acentuada crise vocacional e, movido pelo ímpeto do momento, resolvi pedir para sair da Congregação. Isso aconteceu dois meses antes da renovação dos votos. Três meses depois, me arrependi profundamente e pedi para voltar. O Superior da Congregação alegou que, assim como eu me precipitei na saída, poderia estar precipitado também ao retorno. Depois de ponderadas considerações, apresentadas ao seu Conselho, me solicitou que eu permanecesse fora da Congregação ao menos por um ano. Agora, quase no final deste tempo, pergunto: o que devo fazer? Seria necessário repetir o noviciado para poder voltar à Congregação?

O tempo da profissão temporária é semelhante ao noivado na vida matrimonial. O religioso passa por um tempo de experiência, iniciado no seu postulando e, quando já se sentia enamorado, fez a sua primeira profissão (profissão temporária) no final do noviciado. Esta profissão representa um compromisso com o Instituto de Vida Consagrada (Congregação). É semelhante ao noivado, em que a pessoa pede a mão do outro cônjuge em casamento. Uma vez firmado este compromisso diante da comunidade religiosa, a pessoa tem um tempo de provação até o dia em que decide assumir definitivamente este compromisso, através da profissão perpétua. A profissão perpétua (solene) equivale ao casamento na vida a dois. Portanto, se houver dúvidas, não pode ser abençoado e ratificado pelas autoridades competentes para toda a vida.

Na vida religiosa consagrada, a pessoa passa por um tempo de prova, que pode durar vários anos, de acordo com o direito próprio de cada Instituto. Algumas congregações, por exemplo, determinam o mínimo de três anos e o máximo de nove anos, até a profissão perpétua. E neste tempo, é perfeitamente possível que um religioso peça para sair do Instituto, mesmo que esteja na vigência dos votos temporários, a serem renovados de ano em ano.

Assim como existe a incorporação a um Instituto de Vida Consagrada, através da primeira profissão, a solicitação para sair do Instituto deve ser motivada por uma justa causa. A causa pode ser um motivo pessoal, de natureza espiritual, por dúvida, escrúpulos, insegurança quanto ao seu futuro, necessidade de cuidar da família ou qualquer outra motivada explicação. Em todo caso, a sua saída deve ser devidamente justificada e apresentada ao Moderador Supremo (Ministro Geral), quando se trata de um Instituto de Direito Pontifício. Se for um Instituto de direito diocesano, a justa causa deve ser apresentada e confirmada pelo Bispo diocesano, que é o seu Moderador. Na hipótese de a Congregação ser de direito pontifício, a gravidade da questão será apreciada pelo Superior (Ministro Provincial) com o seu Conselho, que por sua vez apresentará a súplica ao Superior Geral. O Superior Geral, com o consentimento de seu Conselho, aprecia a questão e concede o devido indulto de saída ao religioso (cânon 688).

E como proceder, se a pessoa se arrepende e quiser voltar?

O direito de voltar é resguardado pelo cânon 690, que afirma:

§ 1. Terminado o noviciado ou depois da profissão, quem tiver saído legitimamente do instituto pode ser readmitido pelo Moderador supremo com o consentimento de seu conselho, sem obrigação de repetir o noviciado; caberá a esse Moderador determinar a prova prévia conveniente, antes da profissão temporária, e o tempo dos votos a ser anteposto à profissão perpétua, de acordo com os cân. 655 e 657.
§ 2. Tem a mesma faculdade o Superior de mosteiro sui iuris, com o consentimento de seu conselho.

Sob a guisa desta normativa, se a saída do religioso foi legitimamente solicitada, pode ser revogada pela mesma autoridade competente que a concedeu, após um congruente tempo de prova. Em outras palavras, não é necessário que a pessoa repita o noviciado, porém, que receba da devida autoridade competente do Instituto a garantia de poder voltar e o tempo de provação. Aqui, o direito canônico não prevê em que consiste a prévia prova e nem por quanto tempo. O direito universal deixa ao Superior Geral, de acordo com o direito próprio do Instituto, a faculdade de determinar esta provação. Na prática, quando se trata de um Instituto que tem muitas províncias, o Superior Geral deixa aos encargos do Superior Provincial, mediante consulta ao seu Conselho, determinar o tempo e o modo de como proceder diante da questão em epígrafe. Sói acontecer que o Superior determine um tempo numa fraternidade da Província, não excluída a própria casa do noviciado, em que o religioso possa receber o devido acompanhamento.

Portanto, depois de cumprido este tempo, o religioso pode ser readmitido ao Instituto, retornando ao ciclo normal da sua formação inicial até a profissão perpétua na devida Congregação. Esta brecha aberta pelo direito da Igreja tem como escopo o resgate de uma vocação religiosa, que não obstante suas crises, sempre merece o perdão e a reconciliação. É o respeito ao direito do religioso, que não pode ser menosprezado pelo simples fato de uma justificada saída da instituição. Por outro lado, é a instituição que se adapta à instabilidade da pessoa, porque a pessoa é mais importante que a instituição.

3 comentários:

Anônimo disse...

Prezado Frei Ivo,

muito importante e muito bonito o final, quando o senhor diz que é a instituição que se adapta à instabilidade da pessoa, porque a pessoa é mais importante que a instituição. Eu nada entendo do assunto, mas creio que todos devem cuidar com muito carinho das vocações religiosas, tanto quanto se cuida de um casamento.

Sua Bênção.
Denise.

Anônimo disse...

Muito bela a reflexão. Porém, nem sempre efetiva. Muitas vezes o religioso temporário deixa a vida religiosa e o Ministro não sabe nem quem é o frade ou seminarista que deixou a Ordem ou a Congregação. Acredito que este belo processo ao que o frei se refere cabe a um institudo de vida religiosa onde a formação é personalizada, onde cada frade, cada seminarista é um indivíduo dotado de subjetividade e de uma história que não se pode massificar. No entanto, afirmo que, a reflexão é muito sábia e nos aquece o coração.

Anônimo disse...

Prezado Frei Ivo, o retorno também é possível para um ex irmão de votos perpétuos?