segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Clérigo e adoção de crianças


Tibério é padre há 15 anos, atuando como pároco numa pequena paróquia do interior do Nordeste. Por se sentir muito sozinho na casa paroquial onde vive, resolveu adotar uma criança. Registrou-a no seu nome, chamando-a de Marcelino. Marcelino, ao frequentar a escola, passou a ser motivo de chacota dos colegas. É conhecido como o “filho do padre”. Tibério, ao se justificar diante da escola, diz que o seu filho adotivo é registrado no seu nome e ninguém tem nada a ver com isso. Porém, a sua consciência começa a pesar, se isso seria válido ou não diante da Igreja. Interroga-nos então sobre a questão canônica da referida adoção.

Do ponto de vista do direito civil, a adoção efetuada pelo padre Tibério é legítima, sendo um direito seu enquanto cidadão comum na sociedade. Do ponto de vista do direito canônico, percorrendo a normativa sobre os clérigos, não encontramos nenhuma norma explícita que o impeça à adoção de crianças. Porém, nem tudo o que é legítimo é conveniente a um clérigo, conforme abordaremos a seguir.

1) A observância do celibato (cânon 277) exige do clérigo uma constante vigilância sobre esse compromisso assumido perante Deus e a comunidade. Por isso, é necessária a devida formação humana, cristã e ministerial, começando no tempo do seminário e prolongando-se por toda a sua vida (can. 247; 248-252). Seria de grande valia uma formação aberta, dialogada, na medida do possível com a presença feminina e com a ajuda de bons psicólogos, para que certos problemas afetivos possam vir à tona com tranquilidade e sejam bem administrados. Só assim, seria possível corrigir posteriores desvios de personalidades afetadas, que afloram mais tarde, tais como a pedofilia e outros tantos, o que não é o caso do padre Tibério, uma vez que ele é o pai adotivo do Marcelino;

2) A continência perfeita, sendo uma obrigação própria do perfil dos clérigos (cânon 277), não implica na perda da atitude nupcial, mas na renúncia da mesma. Porém, a renúncia ao matrimônio não significa ainda a renúncia à paternidade física da adoção, como aconteceu no caso em tela;

3) Ariel David Busso ao analisar a questão da adoção por parte dos clérigos, teceu algumas considerações que resumo abaixo:
a) Um sacerdote que se transforma em pai físico impõe limites nas atividades que lhe são próprias;
b) O celibato sacerdotal não se identifica com o fato de não estar casado. A continência sexual implica na renúncia de uma tríplice tendência natural: a função genital, o amor conjugal e a paternidade humana. De acordo com as orientações próprias de quem assume o celibato, constitui um modo verdadeiramente autêntico de testemunhar os valores religiosos, não uma negação ou fuga, senão uma sublimação da sua sexualidade. Segundo ele, a obrigação do celibato eclesiástico é também uma renúncia à paternidade humana como pressuposto à paternidade espiritual, expressão da doação de si mesmo na esfera do carisma próprio do ministério sacerdotal;
c) Mesmo que permaneça nos limites da continência, a adoção pode desencadear numa compensação afetiva, que não está integrada à virtude sobrenatural da castidade celibatária. Segundo ele, não existe uma terceira via entre o matrimônio e o celibato, porque este dom é oferta de si mesmo e por isso deve ser totalizante, assim como é totalizante o sacramento do matrimônio (cf. La fidelidad del apóstol: visión canônica del ser y el obrar del clérigo, tomo II, Educa, Buenos Aires, 2004, p. 213-215);

4) No ordenamento da Igreja encontramos um um cânon que aborda a questão da conveniência ou não em certas atitudes por parte dos clérigos: “§ 1. Os clérigos se abstenham de tudo o que não convém a seu estado, de acordo com o direito particular. § 2. Os clérigos evitem tudo o que , embora não inconveniente, é, no entanto, impróprio ao estado clerical (cânon 285). O cânon não entra em pormenores sobre as coisas inconvenientes (indecorosas) ao estado clerical. A normativa atual deixa ao Ordinário local a possibilidade de determinar normas próprias, segundo a sensibilidade do povo, sobre tudo o que poderia causar admiração ou escândalo dos fiéis. No meu modo de entender, embora a maioria das dioceses (direito particular) não legisla nada sobre isto, a adoção de crianças deveria ser evitada pelos clérigos, tendo em vista as seguintes implicações:
a) A renúncia livre ao estado matrimonial, em função da vocação abraçada, que implica no celibato, não pode ao mesmo tempo se dar ao luxo de encontrar outros modos de compensações afetivas, conforme acenamos acima, em detrimento da total entrega ao seu ministério;
b) Embora seja nobre o gesto de adotar uma criança, dando-lhe melhores condições de vida, moradia, estudo e condições de traçar melhor o seu futuro financeiro, a formação do caráter desta pessoa, ao ser educada em modo individualizado pelo clérigo, certamente vai comprometer alguns níveis da personalidade do mesmo, porque lhe falta a presença feminina;
c) Não é de bom alvitre que o clérigo dedique a sua atenção apenas ao seu filho adotivo. Ele é clérigo a serviço da inteira comunidade e do inteiro povo de Deus. Portanto, não seria conveniente invadir uma dimensão que é própria da vida conjugal.

Em base ao exposto, não podemos deletar a adoção do Marcelino, como filho adotado do padre Tibério. Contudo, podemos aconselhar, em nome do bom senso, outros clérigos a não entrarem por este mesmo caminho, para que haja a partilha de uma sã afetividade com todas as crianças que vivem na porção do povo de Deus que lhes for confiada, em vez de dividir isso apenas com um filho adotivo.

3 comentários:

olivani disse...

Gostaria de uma orientação.

Estamos na fila de adoção para adotar uma criança maior de 4 anos. É bem sabido que a maioria dos casais prefere adotar bebes e que crianças maiores acabam tendo menos oportunidades de serem adotadas. Conforme a assistente social nos informou as crianças maiores geralmente provẽm de familias desestruturadas onde os pais foram destituidos do pátrio poder. Uma criança nestas condições, ao ser adotada por nós receberá um novo nome e nosso sobrenome do pónto de vista civil. Do ponto de vista religioso, ela poderá receber um novo batismo com este novo nome?
Obrigada
Olivani I D Guarda

Frei Ivo Müller disse...

Caro Olivani

Paz e Bem!

Seria possível um novo batismo, se acaso a criança ainda não foi batizada, porque o mesmo imprime caráter (pra sempre). Por outro lado, se for o caso, a Igreja, na hora de batizar, exige a certidão de nascimento.
Abraços,

Frei Ivo

Valentina Soares disse...

Eu queria saber o seguinte: pode um homem casado que tenha amante batizar uma criança?
A igreja permite isso?