segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Oligofrenia e matrimônio

Um pároco do Triângulo Mineiro escreve, narrando que foi procurado por um jovem casal de noivos, Lorena e Patrício, que pretendem contrair matrimônio na Igreja. Ao entrevistar as partes, na hora de preencher o processo de habilitação matrimonial, constata que a documentação está toda correta. Porém, percebe que Lorena parece meio estranha na hora de falar. É meio lenta nas respostas e aparenta ser meio anormal. Pergunta ao noivo à parte, se ele ama Lorena do jeito que é e se ele não desconfia que ela possa ser portadora de alguma anomalia. Patrício, além de responder que a ama profundamente, retira de sua pastinha de documentos uma declaração clínica que o preocupa. A declaração emitida por um Instituto de Neurologia, pelo Sistema Único de Saúde, afirma que Lorena é paciente portadora de oligofrenia. Sendo este documento muito vago, o pároco resolve pedir um tempo aos noivos, até que ele possa dar uma resposta mais convincente ao caso, se eles poderiam ou não contrair matrimônio na Igreja. Entra então na nossa Paróquia Virtual, apresentando o presente caso na iminência de uma resposta.

Antes de entrar no encaminhamento da questão, vamos responder aos internautas o que entendemos por oligofrenia?
A palavra oligofrenia vem do grego: olígos, que signica pouco; phrěn; phrenós: espírito, inteligência. Declinando, equivale à baixa inteligência, debilidade, imbecilidade, idiotia. Normalmente, os organismos internacionais classificam estas pessoas como Portadores de Necessidades Especiais. Isso é muito bom, porque no passado essas pessoas eram classificadas como: cretinos, idiotas, imbecis. Ao longo do tempo, havia uma crença popular de que essas pessoas eram amaldiçoados ou possuídos pelo demônio.
O Código de Direito Canônico não nos dá uma resposta imediata. A normativa é ampla, ao afirmar que: “São incapazes de contrair matrimônio: 1º. os que não têm suficiente uso da razão; 2º. os que têm grave falta de discrição de juízo a respeito dos direitos e obrigações essenciais do matrimônio, que se devem mutuamente dar e receber; 3º. os que não são capazes de assumir as obrigações essências do matrimônio, por causas de natureza psíquica”(cânon 1095).
Este cânon entra na esfera dos vícios de consentimento, que podem ou não render nulo um matrimônio. No caso concreto, a sua configuração entra no primeiro item do cânon 1095. Porém, antes de dar uma resposta ao caso, devemos esclarecer que o uso da razão acontece na Igreja, quando a pessoa completa sete anos de idade (can. 97, § 2). Essa exigência pertence, por si mesma, à esfera psíquica e à esfera cognitiva, para que a pessoa seja capaz de por um ato humano de modo voluntário, responsável e livre. Uma pessoa que não tem a capacidade de julgar, não pode cumprir um ato jurídico, salvo restando com o auxílio de um curador. Nesse caso, rende inválido o ato por si mesmo, porque cometido por pessoa incapaz. No contrato matrimonial, essa pessoa não seria capaz de compreender as propriedades e finalidades essenciais do matrimônio. Aqui, não entram as doenças psíquicas (patologias), mas outros distúrbios, que poderiam render inválido o ato em si. Podem ser permanentes (idiotas, alienados, dementes) ou temporários (distúrbios provocados ocasionalmente, tais como: delírio febril, excesso de cólera, crise epiléptica, hipnoses, sonambulismo, embriaguez, droga, uso de remédios). Todas as hipóteses são relevantes, somente se existentes no ato do matrimônio.
Na presente normativa canônica entraria a oligofrenia? E se entrasse, esta pessoa poderia contrair matrimônio, já sabendo que o ato conjugal estaria fadado à sua nulidade por um vício de consentimento?
A oligofrenia também pode ser entendida como Deficiência ou Retardo Mental. Quando se configura no Retardo Mental, o seu portador apresenta um funcionamento intelectual significativamente inferior à média, acompanhado de limitações significativas, sobretudo na comunicação, nos seus cuidados pessoais, na vida doméstica, nos contatos sociais, no uso dos meios de comunicação, nas habilidades acadêmicas, no trabalho, no lazer, na saúde e na segurança. Se houver um teste de inteligência, o seu funcionamento intelectual, o seu QI oscila normalmente ao redor dos 70. Assim, os entendidos na área classificam a deficiência ou retardo mental em quatro níveis intelectuais: Leve, Moderado, Severo e Profundo, ou seja: Retardo Mental Leve (QI 50-55 a aproximadamente 70); Retardo Mental Moderado (QI 35-40 a 50-55); Retardo Mental Severo (QI 20-25 a 35-40); Retardo Mental Profundo (QI abaixo de 20 ou 25). (Cf. http://saudementalnoisave.blogspot.com/2005/05/oligofrenia.html).

Buscando na jurisprudência da Rota Romana, a maioria dos casos apresentados, teve sua resposta negativa, ou seja, a oligofrenia não rende a pessoa incapaz para o ato conjugal (SRRD, vol. 13, p. 58, c. Rossetti; vol. 48, p. 469, c. De Jorio; vol. 49, p. 110, c. Heard; vol. 57, p. 504; c. Anné; vol. 62, p. 120, c. Palazzini; vol. 62, p. 169, c. Lefebvre ). Signififica que dependendo do grau da oligofrenia, a pessoa seria apta para prestar um válido consentimento matrimonial e nele perseverar.

Diante do exposto, podemos sugerir os seguintes passos:
1) Solicitar dos futuros cônjuges mais um laudo, a ser conseguido com um perito, que seja mais específico sobre o grau da suposta oligofrenia;
2) Convidar a mãe, o pai ou outra pessoa que tenha acompanhado a vida de Lorena, para um testemunho sobre o seu comportamento.

Diga-se de passagem que o matrimônio goza do favor do direito, enquanto não se prova o contrário (cânon 1060). Portanto, se deve agir com muita cautela e prudência, tendo em vista o auxílio das ciências, através da perícia, e o bom senso na hora de responder sim ou não, para não correr o risco de impedir ou de permitir com muita facilidade o enlace matrimonial do caso em epígrafe. E que a luz de Deus nos ilumine em nossas decisões.

Convido ainda o caro internauta a manifestar a sua opinião neste espaço sobre o presente assunto!

5 comentários:

Anônimo disse...

Prezado Frei Ivo,

muito difícil a situação. Creio ser absolutamente necessário o parecer de um Neurologista e de um Psiquiatra, de preferência que já acompanhem a moça. A questão é que é o Padre quem terá que decidir se haverá Matrimônio ou não. Nunca tinha pensado num caso assim... O quanto a Igreja poderá ser injusta com a moça, privando-a deste Sacramento ou permitindo o que talvez seja um absurdo, caso ela não possua condições de compreender o que significa o Matrimônio, podendo daí advirem sérias consequências nefastas, para ela, para o rapaz e possíveis filhos. Naturalmente o Dom do discernimento que Deus dará a este Padre é muito importante, mas continuo achando que o parecer dos dois médicos é fundamental.

Sua Bênção.
Denise Pires.

Não sei como fica isto num casamento civil. Um Juiz se manifesta? O casamento é consentido?

Olicéa disse...

neste caso, o noivo sabe da oligofrenia da noiva e mesmo sendo não pode acontecer o a união?
Lili

Ângela Rocha disse...

Da mesma forma eu gostaria de perguntar como ficam aquelas crianças classificadas como portadora de necessidades especiais, principalmente aquelas com grave deficiência intelectual, cujos pais nos procuram para a catequese em vista ao sacramento da Eucaristia. Se a criança não demonstra compreender o sentido da comunhão, pode ela receber o sacramento?

Angela Rocha - catequista

Ângela Rocha disse...

Uma criança com deficiência mental grave, pode receber a comunhão?

fabio ms disse...

Quero ser batizado e quero que os meus padrinho de batismo segem os pais da minha noiva. Poderão ser?