sábado, 12 de dezembro de 2009
Administração dos Bens das Religiosas Consagradas
Irmã Edwiges entrou no noviciado há quatro anos, num um instituto de vida consagrada. No dia do ingresso, deixou por escrito em seu testamento que a administração de uma poupança de R$ 20.000,00 ficaria aos encargos de sua mãe. Tal disposição foi relegada durante quatro anos, nas quatro renovações dos votos temporários que ela fez. Conversando com as suas companheiras de turma, foi aconselhada a retirar parte desta poupança para suas compras pessoais, sem logicamente haver o consentimento de sua mestra. Porém, ela se negou a assim proceder, porque queria ser fiel ao seu testamento. De fato, muitas pessoas usam do bom senso na administração de seus bens, tendo como base o voto professado. Contudo, há outras religiosas que na hora da divisão de sua herança ou de outros pertences de sua família, permanecem com a parte que lhe coube, inclusive havendo benefício próprio. Irmã Edwiges, ao conversar com a sua mestra sobre o propósito da Profissão perpétua, permaneceu um tanto confusa. A sua mestra disse que no passado as irmãs faziam um documento de renúncia destes bens. Atualmente, porém, não soube a mestra lhe dar uma resposta convincente. Então pergunta ela: - como deve orientar a sua mãe na administração da sua poupança? Qual o procedimento a ser tomado, que isso seja válido também diante do Estado?
Antes de tudo, vejamos o que diz o Código de Direito Canônico nesta questão:
Can. 668: § 1. Os noviços, antes da primeira profissão, cedam a administração de seus bens a quem preferirem e, salvo determinação contrária das constituições, disponham livremente do uso e usufruto deles. Façam, porém, ao menos antes da profissão perpétua, testamento que seja válido também no direito civil.
§ 2. Para modificar, por justa causa, essas disposições e para praticar qualquer ato referente aos bens temporais, necessitam da licença do Superior competente, de acordo com o direito próprio.
§ 3. Qualquer coisa que o religioso adquire por própria indústria ou em vista do instituto, adquire para o instituto. O que lhe advém de qualquer modo por motivo de pensão, subvenção ou seguro, é adquirido pelo instituto, salvo determinação contrária do direito próprio.
§ 4. Pela natureza do instituto, quem deve renunciar plenamente aos seus bens, faça sua renúncia em forma, quanto possível, válida também pelo direito civil, antes da profissão perpétua, com validade a partir do dia da profissão. Faça a mesma coisa o professo de votos perpétuos que, de acordo com o direito próprio, queira renunciar parcial ou totalmente a seus bens com licença do Moderador supremo.
§ 5. Pela natureza do instituto, o professo que tiver renunciado plenamente a seus bens, perde a capacidade de adquirir e possuir; por isso, pratica invalidamente atos contrários ao voto de pobreza. Mas o que lhe advém depois da renúncia pertence ao instituto, de acordo com o direito.
A espinhosa questão de como se deve viver na pobreza está mergulhada no princípio fundamental da vida religiosa consagrada, que é a renúncia de tudo aquilo que cria obstáculos ao seguimento de Cristo pobre e crucificado. Na tentativa de seguir as suas pegadas, a vida consagrada formatou os conselhos evangélicos, na exigência e obrigação dos votos. Para seguir o exemplo de Cristo e seus seguidores, o religioso consagrado aceita essa proposta, que requer dele também a renúncia à posse dos bens temporais. Nesse sentido, o presente cânon apresenta quatro pontos fundamentais, conforme a abordagem que segue:
1º) A cessão da administração dos bens próprios
O primeiro parágrafo do cânon 668 reza que o “os noviços, antes da primeira profissão, cedam a administração de seus bens a quem preferirem”. Essa exortação se faz necessária, para que o noviço possa, na sua plena liberdade interior, liberar-se de todas as propriedades e posses de bens temporais, sobretudo no que concerne à sua administração.
O tempo de noviciado é um estágio inicial, tendo em vista a futura profissão perpétua. Para tanto, é um treinamento em vista do compromisso posterior. No entanto, não significa que o noviço esteja renunciando a esses bens. A Igreja é muito prudente, tendo em vista a experiência cristalizada em todos os tempos, que muitos noviços desistem da vida consagrada, e ao sair do instituto, possam continuar em plena posse de tais bens. Portanto, não está em questão a renúncia dos bens patrimoniais, mas a cessão da administração dos mesmos, que permanecem com pessoas de sua confiança até a renúncia definitiva desses bens.
2º) A obrigação do testamento
É comum nos institutos de vida consagrada, solicitar do noviço um testamento por escrito, cujo documento ateste a cessão da administração de seus bens temporais a outrem. A administração, em geral, é confiada aos membros de sua família: pais, irmãos, primos ou até a amigos, quando o noviço não tem outra alternativa. O Código exorta, para esse testamento “seja válido também no direito civil”(can. 668, § 1).
O novo Código Civil legisla sobre três tipos de testamento, ou seja, o testamento público, o testamento cerrado e o testamento particular (Art. 1862). Salvo melhor juízo, a matéria em foco entra na normativa do testamento público, que para ser válido, deve apresentar os seguintes requisitos:
“I – ser escrito por tabelião ou por seu substituto legal em seu livro de notas, de acordo com as declarações do testador, podendo este se servir de minuta, notas ou apontamentos;
II – lavrado o instrumento, ser lido em voz alta pelo tabelião ao testador e a duas testemunhas, a um só tempo; ou pelo testador, se o quiser, na presença destas e do oficial;
III – ser o instrumento, em seguida à leitura, assinado pelo testador, pelas testemunhas e pelo tabelião”(Art. 1864).
Em se tratando do seu caráter temporário, não se recomenda aos institutos enfrentar toda essa burocracia diante do noviciado. Bastaria um atestado simples, assinado pelo testador, com firma registrada, e duas testemunhas. No entanto, diante da profissão perpétua de seus membros, todos deveriam fazê-lo, considerando a distância que há entre a legislação canônica e a legislação civil. Para o Estado, as coisas devem objetivamente documentadas e registradas em cartório. Caso contrário, de nada valem.
3º) A aquisição dos bens pelo religioso
A normativa do terceiro parágrafo do cânon 668 reporta-se ao velho adágio: “Tudo o que monge adquire, o adquire o monastério”. Em outras palavras, não é o religioso consagrado o proprietário essencial dos bens temporais, porém o instituto, porque todo o serviço prestado não é em nome próprio, mas em nome da instituição que ele representa.
Essa questão é bastante delicada. Ela pode ser interpretada, grosso modo, por dois ângulos. De um lado, existem muitos religiosos que não prestam conta de nada, favorecendo o caixa dois, em modo não transparente. E pode haver motivo para essa prática, quando o seu superior acumula tudo e não tem o mínimo de preocupação pela sua vida pessoal. A pessoa é relegada, porque o que interessa, na cabeça de muitos superiores ou ecônomos, é a instituição. Nesse caso, se a instituição não lhe fornece o necessário para a sua manutenção pessoal (viagens, coisas pessoais, livros, assistência à saúde, etc), ele acaba encontrando caminhos paralelos para se manter.
Por outro lado, há muitos religiosos fiéis ao seu instituto, colocando em comum tudo o que recebem. Assim, se sentem autorizados a solicitar do caixa comum tudo o que se faz mister para viver em modo modesto e desapegado. Digo em modo modesto, porque muitos, em nome do caixa comum, não se deixam questionar mais pelo estilo da população de baixa renda, com a qual deveríamos confrontar a cada instante a nossa forma de vida. Esse estilo de vida pode conduzir à ruína a vida consagrada, mesmo colocando em comum tudo que se receba. De qualquer modo, permanece o desafio: Tudo o que religioso recebe, é a fraternidade que o recebe e se preocupa com a sua vida. O superior de instituto é como a mãe que bem cuida de seus filhos.
4º) A renúncia aos bens temporais
O parágrafo quinto do cânon 668 reza que o religioso que renuncia plenamente a seus bens, renuncia também à capacidade de adquirir e de possuir tais bens. Essa renúncia é estipulada no testamento. A normativa se faz necessária, porque um religioso poderia muito bem renunciar aos bens temporais que possui no momento de sua profissão e não renunciar à capacidade futura. É o caso da herança, por exemplo, que ele poderia adquirir de um parente seu, posterior à profissão perpétua no instituto.
Outra questão que merece ser recordada é o trabalho efetivo do religioso dentro da instituição, a exemplo das escolas, colégios, faculdades. Antes de tudo, faz-se mister distinguir se tal entidade é parte integrante da pessoa jurídica, como mantenedora, ou é uma entidade autônoma. Se ela pertence à mesma mantenedora do religioso, ocorre verificar, nesse caso, se o seu estatuto permite o pagamento, segundo as leis trabalhistas, aos seus membros. Se o trabalho pode ser remunerado, o fruto da percepção entra no caixa comum da mantenedora. Caso contrário, o religioso não pode reivindicar direitos trabalhistas por seu serviço prestado.
Percorrendo o direito próprio do instituto da Irmã Edwiges, que são as suas Constituições Gerais, constatamos que não há nenhuma norma que não esteja em consonância com o cânon 668 ou outras normas sobre os bens temporais da Igreja. Deste modo, orientamos a sua mestra ou a própria Irmã Edwiges aos seguintes passos:
1) A administração dos bens durante a profissão temporária da Irmã pode continuar sendo efetuado pela sua mãe, de acordo com o testamento, que não precisa ser reconhecido em cartório, justamente porque é uma situação transitória. Porém, isso não lhe dá o direito de usufruir dos frutos desta poupança, ou de qualquer outro bem temporal, salvo restando mediante uma consulta à sua superiora;
2) Diante da profissão perpétua, a Irmã deve fazer um testamento por escrito, declarando que renuncia os seus bens e os destina, ou à sua progenitora, ou a quem ela quiser destinar. Este testamento, para que seja válido também perante o Estado, deve ser reconhecido em cartório. Diante de casos negativos que já puxaram processos e venceram na justiça comum, não aconselhamos a seguir apenas as normas do direito próprio da instituição, nem mesmo possíveis normas do estatuto social do instituto, porque, a justiça comum desconhece estas normas internas e sempre vai estar a favor do direito natural da pessoa, à sua capacidade de adquirir, possuir, administrar e alienar os seus bens temporais;
3) Se a Irmã ainda não fez o testamento e já emitiu a profissão perpétua, que seja feito o testamento, com a data da profissão, a ser assinado e registrado em cartório;
4) Uma vez feito o testamento e reconhecido em cartório, se porventura a Irmã for demitida do instituto ou dele solicitar a sua demissão, não terá direito a receber nada do referido instituto, nem pelos trabalhos nele efetuados, nem o resultado parcial ou total de sua poupança. Aliás, para mudar as disposições do testamento, neste caso, deve ela novamente procurar o cartório, apresentando as disposições contrárias ao testamento anterior. Contudo, na hipótese disso acontecer, aqui não é mais problema do instituto e sim, da Irmã egressa.
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