domingo, 6 de dezembro de 2009
Papa abre as portas da Igreja a padres casados II
1. A Igreja Anglicana se separou em definitivo da Igreja Católica Romana em 1534, por iniciativa do rei Henrique VIII, valendo-se da questão com o Papa Clemente VII, que não anulou o seu casamento com Catarina de Aragão. Nos últimos tempos, muitos anglicanos, descontentes com as decisões da tradição sobre a ordenação sacerdotal de mulheres e outros problemas internos, resolveram passar para a Igreja católica. Um exemplo de conversão, acontecido ultimamente, foi o do ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair, que se tornou católico depois de deixar o cargo, em 2007.
2. Diante dos inúmeros pedidos de passagem para a Igreja católica, o Papa atual se viu na iminência de publicar algumas normas, válidas em todo o universo. Portanto, não se trata de uma iniciativa da Igreja católica, mas de uma generosa resposta do Sumo Pontífice diante da aspiração de grupos Anglicanos.
3. Uma Constituição apostólica é um documento, emanado pelo Romano Pontífice, que trata de assuntos de grande envergadura para a vida da Igreja católica. Exemplos: Papa Pio XII, Constituição Apostólica: Munificentissimus Deus, que define o dogma da Assunção de Nossa Senhora; Papa João Paulo II, Constituição Apostólica: Sacrae Disciplinae Leges, que promulga o Código de Direito Canônico, 1983; Constituição Apostólica: Pastor Bonus, sobre a nova constituição da Cúria Romana, 1988; Constituição Apostólica: Fidei depositum, sobre o novo Catecismo da Igreja Católica, 1992. Nesta mesma dimensão, no dia 04 de novembro p.p., o Papa Bento XVI publicou a Constituição apostólica: Anglicanorum coetibus, sobre a instituição de Ordinariados pessoais para os Anglicanos que entram em plena comunhão com a Igreja católica.
4. A instituição desses Ordinariados, que acolherão os padres anglicanos, farão parte de uma divisão pessoal, similar à da Opus Dei e aos Ordinariados Militares. Tais Ordinariados são erigidos, conforme as normas emanadas nessa Constituição e de acordo com as normas emanadas pela Congregação para a Doutrina da Fé, publicada na mesma data da Constituição Apostólica. A ereção dos Ordinariados acontece dentro dos confins territoriais de uma determinada Conferência Episcopal, depois de ter consultado a própria Conferência. Uma vez erigido, o Ordinariado goza, pelo próprio direito, de personalidade jurídica pública, semelhante a uma diocese (art. 1). Em outras palavras, os Católicos latinos devem obediência ao seu Ordinário local, que é o Bispo. Os Católicos anglicanos (de ora em diante), devem obediência ao seu Ordinário local, que é o Ordinário pessoal (adesão pessoal pela tradição anglicana), desde que estejam em comunhão com a Igreja católica latina (Romana). Significa que o Ordinariado pode incardinar clérigos e membros de Institutos de Vida Consagrada ou de Sociedades de Vida Apostólica, originariamente pertencentes à Comunhão Anglicana e agora em plena comunhão com a Igreja Católica, ou que recebem os Sacramentos da Iniciação na jurisdição do próprio Ordinariado (art. 1).
5. No que se refere à passagem dos fiéis, pertencentes ao Anglicanismo, que agora pretendem entrar nestes Ordinariados, requer-se a Profissão de fé ou que já tenham recebido os sacramentos de iniciação (batismo, confirmação e eucaristia) naquela tradição. Porém, aqueles membros que foram batizados, no passado, como católicos, isto é, fora do Ordinariado, não podem ser admitidos como seus membros, salvo restando que sejam filhos de famílias que agora fazem parte do Ordinariado (art. 5, Normas complementares da Congregação para a doutrina da fé). Significa que a passagem pode ser feita do Anglicanismo ao Catolicismo e não ao contrário.
6. Especificamente relacionado à ordenação sagrada, as normas complementares da referida Congregação são muitas claras, quando afirmam que: “o Ordinário pode apresentar ao Santo Padre o pedido de admissão de homens casados à ordenação presbiteral no Ordinariado, depois de um processo de discernimento baseado sobre critérios objetivos e as necessidades do Ordinariado. Tais critérios objetivos são determinados pelo Ordinário, depois de ter consultado a Conferência Episcopal local, e devem ser aprovados pela Santa Sé”(Art. 6, § 1). Por outro lado, as normas impedem a passagem ao Ordinariado daqueles que foram ordenados na Igreja Católica e que aderiram, a seguir, à comunhão com a Igreja Anglicana (Art. 6, § 2). Também não podemos esquecer o que determina a Constituição apostólica, onde se afirma que “o Ordinário, em plena observância da disciplina sobre o celibato clerical na Igreja latina, pro regula admitirá à ordem do presbiterado somente homens celibatários”(Const., art. 6, § 2). Contudo, a segunda parte deste parágrafo da Constituição deixa uma brecha jurídico-canônica, que poderá ser encaminhada ao Papa, quando diz que: “Poderá dirigir uma petição ao Romano Pontífice, em derrogação do cânon 277, § 1, de admitir, caso por caso, à ordem sagrada do presbiterado também homens casados, segundo os critérios aprovados pela Santa Sé”(Const., art. 6, § 2). Eu vejo neste parágrafo uma abertura, que dependerá de caso para caso, tendo como base os critérios que serão aprovados pela Santa Sé. Aqui, novamente se retorna à questão do celibato na Igreja latina, que não sendo de origem divina, poderá ser dispensado pelo Papa, sobretudo em respeito à tradição das Igrejas Orientais Católicas e também à tradição da Igreja Anglicana.
7. Configurando o caso exposto no artigo anterior a esta normativa, podemos tecer os seguintes considerandos à guisa de encaminhamentos:
1) A Constituição é destinada aos Anglicanos que se converteram e pretendem passar para a Igreja Católica, que agora passam a fazer parte destes Ordinariados;
2) Tanto na tradição das Igrejas Orientais, quanto na tradição Anglicana, uma pessoa que já é casada, pode pleitear a ordenação presbiteral. Seguindo esta tradição, estas pessoas que no momento se encontram nesta situação, poderão ser incardinadas nos Ordinariados. Portanto, a condição é que já tenha contraído matrimônio. Se ainda não o fez, terá que assumir o celibato de acordo com a normativa do cânon 277 do atual Código de Direito Canônico, salvo que se solicite do Romano Pontífice, de acordo com cada caso ou necessidade, a sua derrogação;
3) Nem a Constituição Apostólica, nem as normas complementares da Congregação para a Doutrina da Fé, possibilitam que um candidato católico latino, que almeja o matrimônio e ao mesmo tempo a ordenação presbiteral, possa entrar para esta nova configuração de Ordinariados na Igreja Católica.
Sendo assim, o caro internauta pode ele apreciar a vida matrimonial como ela se apresenta, mas se a sua opção é pela ordenação presbiteral, enquanto católico latino, não poderá ao mesmo tempo contrair matrimônio. Trata-se de uma opção, em que o celibato continua sendo uma exigência. Haveria uma remota saída, se ele se convertesse ao Anglicanismo ou se convertesse para as Igrejas Orientais Católicas, o que requer uma longa caminhada de discernimento, de acordo com as normas próprias de cada Igreja.
Foto: Reuters
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Um comentário:
Caríssimo Frei Ivo,
A Paz de Cristo,
Sou Cátolico da Santa Igreja Católica Apostólica Romana no Brasil, aprecio muitíssimo a o presbiterio, e tenho muita vontade que me salta ao coração em um dia receber as ordens mesmo que sejam as diaconais. Visto que já recebi o sacramento do matrimonio, não teria eu possibilidades de receber as ordens presbiterias na Igreja Católica.
No entanto, sem querer ser impiedoso e ou egoísta, está remota saída que o Sr. mencionou, em meu caso poderia ser, mesmo estando no Brasil? Ou em meu caso seria somente possível a diaconia, dentro da Igreja Católica?
Peço-vos, por gentileza, que se quizer responder-me ao meu e-mail, o mesmo segue: marcosfernando@hotmail.com
Sem delongas, apreciei muito os seus artigos e peço-vos que sempre continue com este belo trabalho que enriquesse ainda mais a Igreja.
Salve Maria,
Em Cristo
Marcos Cruz
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