sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

A separação dentro do matrimônio


Helena é casada na Igreja com Valentino há dezessete anos. Tem dois filhos na catequese, preparando-se para a primeira Eucaristia na Igreja. Helena é assídua frequentadora da comunidade. Destaca-se pela sua liderança na catequese e na animação da liturgia. Há dois anos, foi indicada pela comunidade para ser ministra extraordinária da comunhão eucarística. Aceitou o convite e foi investida para tal ministério. Seu esposo, porém, é meio desleixado na prática religiosa. Frequenta a comunidade uma ou outra vez, apenas nos momentos de grandes festas. Helena se preocupa com este aspecto, mas o tolera. Mas o problema não reside apenas nesta diferença. Valentino é um tipo galanteador. Helena já o pegou várias vezes beijando outras mulheres. Por outro lado, a harmonia sexual do casal nos últimos cinco anos tornou-se cada vez mais difícil, porque Valentino quer ter relações anais com ela, contra a sua vontade. E isso não bastasse, nos últimos dois anos, cada vez que ele bebe com seus amigos, chega em casa alterado, xinga a esposa, quer praticar fazer sexo em modo violento, com relações anais e se ela não concordar, a espanca até que ela ceda. Helena já estava desconfiada, quando o pegou tendo uma relação com a vizinha de casa em sua própria cama. Quando descobriu isso, tentou perdoá-lo. Porém, o ato se repetiu outras vezes e logo que o fato veio às claras, Helena passou a ser ameaçada, caso o denunciasse ou buscasse uma separação. Criando coragem, se apresentou ao pároco no final de uma celebração, desabafando a sua história, baseada em seu contínuo sofrimento. O seu rosto e os braços estavam marcados pelos atos de violência, repletos de hematomas, causados pelo espancamento de Valentino. Diante disso, pede ao pároco se haveria alguma saída, uma vez que ela é casada na Igreja e não quer se divorciar de seu esposo.

A pessoa que contrai matrimônio na Igreja, o contrai para toda a vida, assumindo o seu consentimento dado em modo deliberado, onde as partes prometem mutuamente que serão fiéis um ao outro, amando-se e respeitando-se, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias de suas vidas. Passar por momentos de crises, causados por pequenas desavenças, que causem dor e sofrimento, fazem parte do consórcio conjugal. Porém, quando isso cria habitualidade, ameaçando a integridade do casal pelo adultério ou por atos de violência, provoca dificuldades na manutenção do matrimônio, a ponto de ensejar possíveis separações, como veremos a seguir.

1. A separação em caso de adultério

Considerando o que é previsto nas propriedades essenciais do matrimônio (unidade e indissolubilidade), o adultério é um atentado ao consorte, pois quebra a fidelidade prometida e assumida na vida a dois, em modo promissor e perpétuo. Se é cometido pelo varão ou pela varoa, dependendo da situação, como veremos a seguir, é motivo de separação, desde que individuado na carne. Em outras palavras, exclui-se de imediato a possibilidade de adultério no espírito ou na mente.
O adultério é o ato pelo qual um homem e uma mulher, que não sendo casados, formam uma outra só carne, que causa a fratura, a infração da unidade pela qual o homem e a mulher em causa formavam uma só carne enquanto esposos.
De acordo com a tradição que já era prevista no Código de 1917 (can. 1129 e 1130), é a única causa no ordenamento canônico que pode ocasionar a separação perpétua.
Ao abordar esta questão, não podemos deixar de elencar alguns princípios básicos, onde podemos individuar o adultério:
1) O adultério deve ser formal ou culpável: precisamente por se um injúria ao cônjuge inocente, ele deve ser cometido como infidelidade, causado pela livre decisão da vontade do seu autor. Diante disso, é necessário que o autor cometa o ato em modo formal e material. Se houve a falta de uma verdadeira intencionalidade, já não é mais adultério. Exemplo: adultério ou quase adultério cometido por uma pessoa que fora forçada, por violência ou medo reverencial. Neste caso há adultério, mas é apenas material e não formal e pode facilmente ser perdoado ou atenuado de culpabilidade;
2) O adultério deve ser perfeito ou consumado: aqui se configura a realização com uma terceira pessoa, não bastando aqueles atos desonestos, que não seja a união carnal. O requisito implica a cópula carnal. Portanto, não bastam as relações sexuais de menor gravidade (carícias, toques, beijos). Tais atos desonestos, porém, podem quebrar a fidelidade ao cônjuge e com o passar do tempo, podem constituir-se como adultério e motivo de separação temporária;
3) O adultério deve ser moralmente certo: deve haver a certeza moral sobre o mesmo, não bastando os meros indícios de provas. Porém, considerando que a maioria dos adultérios são cometidos em modo oculto, a certeza moral pode ser adquirida através de presunções de provas. Exemplo: a esposa encontra o seu esposo dormindo com outra mulher em sua cama.
As causas que podem atenuar ou impedir a separação por adultério (cânon 1152, § 1):
1) Quando o cônjuge inocente consente com o adultério: quando a parte prejudicada fica sabendo que seu parceiro está tendo relações esporádicas com um terceiro e não faz nada para impedir-lo. Isso equivale a um consentimento tácito de sua parte;
2) Quando o cônjuge inocente foi o provocador do adultério: a provocação ocorre quando o cônjuge induz o outro a adulterar também. Tal provocação deve direta e próxima, não bastando que seja indireta ou remota. Deve haver uma relação de causalidade entre a ação do cônjuge e o adultério de seu consorte;
3) Quando o cônjuge inocente também cometera adultério: aqui ocorre analisar que se a outra parte também é culpada pelo adultério, então há uma compensação das culpas cometidas. Isso acontece quando poderia ter ocorrido já o pedido de separação por uma das partes, mas que acabou resultando numa espécie de perdão tácito e, ao surgir a oportunidade, o cônjuge que era culpado acabou por ser autor do mesmo pecado;
4) Quando o cônjuge inocente perdoara em modo expresso ou tácito o consorte: isso acontece quando o cônjuge inocente durante seis meses não recorre à autoridade eclesiástica ou civil, presumindo-se que seja perdoado pelo ato cometido.

2. Possibilidade da separação perpétua

De acordo com o cânon 1152, § 3, se for desfeita a convivência conjugal no prazo de seis meses, por não haver possibilidade de reconciliação, o Bispo pode conceder o decreto de separação perpétua, observando-se também as normas do direito civil (can. 1692, § 2).
As principais causas de separação conjugal, de acordo com o que reza cânon 1153, são as seguintes:
1) Grave perigo espiritual: a doutrina da Igreja entende que quando há perigo na vida espiritual de um dos cônjuges, o modo que se aconselha é a separação. Tal separação identifica-se como proteção da fé católica do cônjuge inocente e de sua prole (Cf. A. Bernárdez Cantón, Compendio de Derecho Matrimonial Canónico, p. 269). Este perigo existe, quando por exemplo, um cônjuge incita o outro, e seus filhos, de forma positiva, reiterada ou tácita, a cometer pecados graves ou empecilhos às suas obrigações religiosas;
2) Grave perigo corporal: isso ocorre quando há qualquer causa que seja um atentado à vida, à integridade física ou à saúde do cônjuge e de seus filhos. Neste caso, o Legislador tutela o direito da pessoa a dispor do que é necessário para bem conservar a sua integridade física e a de seus filhos. Exemplo: malícia de um dos cônjuges, quando atenta a vida do outro ou de seus filhos, com ameaças de morte ou golpes corporais. Também ocorre quando o culpado padece de uma grave enfermidade mental ou enfermidade contagiosa, ou ainda quando sofre de uma demência agressiva;
3) Grave dificuldade para a vida conjugal em comum: pode existir uma série de dificuldades que colocam em risco a vida comum do casal e de seus filhos. São as sevícias físicas e morais. As sevícias físicas envolvem condutas ou agressões contra o cônjuge ou seus bens materiais (socos, coices, golpes, arranhões, quebra de objetos no lar). As sevícias morais afetam o outro com palavras injuriosas, omissões, contra a dignidade, a honra e sentimentos, por difamação, insultos ou desprezo do outro. Em todo caso, a jurisprudência afirma que seja necessário que as sevícias sejam graves, reiteradas e que a separação seja o único modo para evitar o perigo da vida conjugal em comum.

Configurando as normas da Igreja ao caso em tela, podemos entabular os seguintes encaminhamentos:
1) Que o pároco busque uma conversa com Valentino, tendo em vista a sua conversão em prol da vida matrimonial a ser salva, especialmente em função do resgate da harmonia no lar e a boa educação dos filhos;
2) Se Valentino se recusar a comparecer e não mudar de vida, aconselhar Helena à separação temporária, morando, preferencialmente em lares separados;
3) Depois de um côngruo tempo, a situação pode ser reavaliada e se Valentino não mudar de vida, então que seja solicitado ao Bispo o decreto de separação perpétua;
4) Na hipótese da separação perpétua, Helena poderá, se assim o desejar, encaminhar o seu caso ao Tribunal da Igreja, para que seu matrimônio seja declarado nulo.
Que a misericórdia de Deus arme a sua tenda na vida dos dois e de seus filhos, para que se encontre a melhor saída em prol da dignidade humana.

2 comentários:

oração e vida disse...

Graça e paz, com desejo de saúde, harmonia e fraternidade.
Estava de férias na casa de minha mãe em São João de Meriti, na semana passada, quando li sobre o seu livro CASOS PASTORAIS, no jornal PILAR. liguei para o jornal e fui informado que estava a venda na livraria da catedral de Santo Antonio e em outras lojas em Duque de Caxias.
Como minha estada em casa de mãe seria curta rumei à catedral imediatamente, mas para minha decepção, nem na catedral nem em uma loja quase em frente ao colégio São Francisco de Assis na rua Jose de Alvarenga havia o livro e muito menos sabiam me informar nada, nem onde conseguir ou qual a editora.
Voltei para Juiz de Fora, minha cidade, onde atuo nas OFICINAS DE ORAÇÃO E VIDA e no TERÇO DOS HOMENS da Paróquia de São Mateus ( oterçodoshomens.bolgspot.com ) sem o livro que acredito muito me ajudaria na orientação de pessoas em dificuldades.
Continuo querendo o livro só não sei como fazê-lo, gostaria de sua ajuda.
Atenciosamente.
Renato Corrêa
renato.godi@hotmail.com
renatocorrea.godi.zip.net

Frei Ivo Müller disse...

Caro Renato

Favor procurar o livro na Cúria da Diocese de Duque de Caxias, que ainda deve ter. Se não o encontrar, retorne-me o contato, via @: pimuller@hotmail.com

Abs e boa leitura,

Frei Ivo