quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Papa abre as portas da Igreja a padres casados


Sou um seminarista católico, do interior deste imenso Brasil, às vésperas de ser ordenado diácono. Tenho um grande zelo pelo povo de Deus. Exerço meu ministério, enquanto seminarista, numa paróquia bastante grande, com 43 comunidades. Sinto-me verdadeiramente vocacionado ao ministério diaconal, que assumirei transitoriamente, porque, se tudo correr bem, pretendo também o ministério presbiteral na Igreja. Porém, admiro imensamente a vida matrimonial dentro da Igreja. Até já tive namorada e, olhando para os Pastores das outras Igrejas, não vejo o porquê do celibato ser obrigatório na Igreja católica. Por outro lado, fiquei sabendo que o Papa publicou recentemente um documento sobre os Anglicanos, acolhendo os Padres casados na Igreja católica. Isso abriria a mim as portas para contrair matrimônio na Igreja e depois me ordenar diácono, presbítero?

1. A questão apresentada pelo internauta aparece num momento bastante propício para uma colocação mais abrangente sobre a recente Constituição Apostólica: “Anglicanorum coetibus”, publicada pelo Papa Bento XVI no dia 04 de novembro p.p.

2. Considerando que a questão é bastante complexa, sem pretensão de esgotar o assunto, convido os internautas a acompanharem a reflexão, que será desmembrada em sua primeira parte, conforme segue, e a segunda parte, a ser publicada na próxima oportunidade deste veículo de comunicação.

3. A espinhosa questão do celibato na Igreja merece a nossa atenção nesta reflexão, perseguindo os seguintes considerandos:

1) No início da era cristã, os Apóstolos e Discípulos de Cristo eram pessoas solteiras ou casadas, que aceitaram o chamado do Mestre para trabalhar no Reino. Na organização das comunidades, bastava que a pessoa se destacasse pelo exemplo de vida, boa reputação, piedade, bons costumes e liderança, para que fosse escolhido em função de um ministério na própria comunidade.
2) Com o passar do tempo, a Igreja latina começou a exigir do seu clero a continência perfeita, abstraindo-lhes do matrimônio ou qualquer outra união conjugal. Encontramos o primeiro aceno a favor do celibato no Concílio de Elvira, celebrado na Espanha, aí pelo ano 300. Essa decisão foi ratificada no Concílio de Ancira (314), de Roma (386), de Cartagena (390), de Toledo (400), de Orange (441), de Harles (443) e de Agde (506). A exigência do celibato também foi confirmada pelo Papa Adriano I (785), pelo Papa Bento VIII (1022), pelo Papa Leão IX (1049), pelo Papa Nicolau II (1059), pelo Papa Alexandre II (1063) e sobretudo, pelo Papa Gregório VII (1074).
3) O celibato, originalmente, não faz parte da natureza do sacerdócio, mas é recomendado pela Igreja, de acordo com a sua tradição:
“Não que por sua natureza seja exigida do sacerdócio, como se evidencia pela praxe da Igreja primitiva e pela tradição das Igrejas Orientais, onde – além daqueles que com todos os Bispos, por dom da graça, escolhem observar o celibato – existem igualmente os Presbíteros casados, de altíssimo mérito” (PO, 16).
4) Os acenos conciliares do primeiro milênio da Igreja são recomendações localizadas ou regionalizadas. Não sendo determinações de Concílios ecumênicos, nem afirmações feitas pelos Papas a toda a Igreja, consequentemente, não tinham caráter de obrigatório universal. Porém, tendo em vista o bom exemplo dos monges e religiosos consagrados na vivência da perfeita continência, a Igreja latina achou por bem obrigar a prática celibatária a todos os seus clérigos. Assim, no Concílio Ecumênico Lateranenense I (1123) determinou tal obrigação a toda a Igreja o seguinte:
“Proibimos absolutamente aos sacerdotes, diáconos e subdiáconos de viver com as concubinas ou com esposas e de coabitar com mulheres diversas daquelas permitidas pelo Concílio de Nicéia, que o permitiu somente por questões de necessidade, isto é, a mãe, a irmã, a tia materna ou paterna ou outras semelhantes, sobre as quais honestamente não possa surgir alguma suspeita”.
Essa sanção foi homologada no Concílio de Trento (1563) e de lá para cá, faz parte dos deveres dos clérigos da Igreja Latina.
5) Nas Igrejas Católicas Orientais, a exemplo da Igreja Melquita, são obrigados à continência perfeita somente os Bispos. Os Presbíteros e Diáconos recebem o interdito ao matrimônio somente depois da ordenação. Significa que podem unir-se em matrimônio antes da ordenação ou, simplesmente são ordenados os casados, desde que preencham os requisitos da devida formação e não apresentem impedimentos.
6) É importante sublinhar que o celibato não é a mesma coisa que o sacramento da ordem, em relação ao sacramento do matrimônio. O sacramento da ordem faz parte dos impedimentos ao matrimônio, enquanto que o celibato é uma lei eclesiástica, que somente torna-se um empecilho, porque está intimamente ligada ao sacramento da ordem. O celibato não é um hiato isolado. Também não é um voto, à semelhança do voto de castidade assumido pelos religiosos consagrados. É, sim, um compromisso, assumido juntamente com o sacramento da ordem.
7) É curioso acenar que desde o pontificado do Papa Pio XII, a Igreja Latina concedeu a muitos Pastores luteranos, calvinistas e ultimamente aos anglicanos que se converteram ao catolicismo, a ordenação sacerdotal, sem separarem-se de suas esposas, vivendo assim na vida matrimonial ativa, como veremos na segunda parte desta reflexão.
8) A observância atual do celibato (can. 277) exige do clérigo uma constante vigilância sobre esse compromisso assumido perante Deus e a comunidade. Por isso, é necessária a devida formação humana, cristã e ministerial, começando no tempo do seminário e prolongando-se por toda a sua vida (can. 247; 248-252). Seria de grande valia uma formação aberta, dialogada, na medida do possível com a presença feminina e com a ajuda de bons psicólogos, para que certos problemas afetivos possam vir à tona com tranquilidade e sejam bem administrados. Só assim, seria possível corrigir posteriores desvios de personalidades afetadas, que afloram mais tarde, tais como a pedofilia e outros tantos problema que soem acontecer no cenário da Igreja.
9) Considerando a tradição inicial da Igreja latina, bem como a tradição ainda em vigor nas Igrejas Católicas Orientais, penso que não seria problema a Igreja Católica Latina rever a questão da obrigatoriedade do celibato. A meu juízo, o celibato ao clero secular poderia ser opcional. E sendo opcional, penso que nem todos optariam pelo matrimônio, e ao mesmo tempo, assumirem uma dedicação exclusiva ao Povo de Deus. Um aspecto dessa questão é ter a liberdade. Outro, é assumir a vocação matrimonial, com todos os seus direitos e deveres, e ao mesmo tempo, assumir a vocação sacerdotal, com os seus direitos e deveres peculiares.
10) Se porventura o celibato não foi assumido pelo clérigo em sua vocação, pode ser dispensado, juntamente com o indulto da dispensa do sacramento da ordem, desde que seja solicitada e bem motivada pelo clérigo. A dispensa do celibato é de exclusiva competência do Romano Pontífice (can. 291), depois de ilustrado o processo na diocese. Ultimamente, porém, a Igreja não soe conceder o indulto da dispensa a clérigos menores de quarenta anos, salvo restando casos especiais, como é caso, por exemplo, de quem já se casou no civil.

4. A resposta à questão em epígrafe virá no próximo bloco. Até lá, espero interagir com os internautas interessados no debate deste assunto.

Foto:Reuters

3 comentários:

Anônimo disse...

Frei Ivo,

eu poderia citar as admoestações de São Paulo, O 1o Concílio em Jerusalém que definiu e determinou homens para cuidarem da mulhesres e da administração (diáconos), poderia entrar em infindáveis questões sobre espiritualidade, sexualidade, genitalidade, criação de filhos e inúmeras outras discussões sobre aspectos psicológicos, emocionais e materiais da vida humana. Mas não o farei,não com um Frade, uma pessoa tão bem preparada, sabedor infinitamente mais e melhor destas questões do que eu...
Digo apenas, e claramente, o que sinto e penso: sou contra Padres casarem-se. Mesmo os Seculares, sou contra.

Sua Bênção.
Denise.

Frei Ivo Müller disse...

Obrigado pela tua contínua participação neste blog, Denise.

Eu entendo que tu sejas contra a ordenação de homens casados. Porém, gostaria de saber a tua opinião, ou seja, por quê tu és contra, ou seja, quais as razões que tu poderias apresentar ao internauta, favorecendo assim o debate. Desde já, te agradeço pela tréplica.

Anônimo disse...

Esta discussão deixa de lado um outro tipo de casais: aqueles que já criaram seus filhos e agora podem se dedicar inteiramente à Deus e embora vivendo sob o mesmo teto como esposos, vivem sem contato sexual. Eu e meu marido fizemos essa opção em nossa vida. Ele agora é padre na Igreja Brasileira porque lá pode ser aceito mesmo sendo casado. Eu amo a Igreja Romana, faço a Liturgia das Horas, mas o acompanho em seu ministério, porque penso ser este meu dever de esposa. Rezo por todos os sacerdotes, pastores e reverendos para que venha a unidade dos cristãos, que não quer dizer uniformidade dos cristãos....